PN 06: APOSENTAÇÃO NA VISÃO DA GESTALT- TERAPIA

Autores

  • Mariana Luiza Becker da Silva
  • Andressa Melina Becker da Silva

Resumo

PN 06: APOSENTAÇÃO NA VISÃO DA GESTALT- TERAPIA Mariana Luiza Becker da Silva Andressa Melina Becker da Silva RESUMO Ao longo do desenvolvimento humano as pessoas se deparam com diferentes processos de transição onde necessitam adaptar-se com novas situações. A fase adulta não se faz diferente. As pessoas que trabalharam por muitos anos precisam passar pelo processo de deixar o tumulto da vida profissionalmente ativa para uma vida mais tranqüila, onde deixarão, pelo menos, de freqüentar diariamente o local de trabalho. Obviamente não são todas as pessoas que fazem a transição de forma negativa, tudo depende de como a pessoa presencia o momento. Esta situação pode causar perturbações de ordem física e mental. Assim, a Gestalt-Terapia tem fundamentações teóricas e filosóficas que podem auxiliar na prática essas pessoas a lidarem com essas situações, proporcionando uma melhora na saúde mental do indivíduo. Palavras-chave: Adultos; Aposentação; Gestalt-Terapia. PROPOSTA Devido a experiências de pessoas próximas, percebemos que a aposentadoria abrange os campos econômico, cultural, social e psicológico. A partir de tal percepção, vemos a relevância de pesquisar sobre o tema, suas implicações e soluções, buscando a importância da intervenção do psicólogo neste âmbito, quando necessária. O objetivo deste trabalho, portanto, é discutir a possibilidade do trabalho com a Gestalt-Terapia para o indivíduo que necessite de uma intervenção psicológica, frente ao processo de aposentação. Aposentação O sistema no qual vivemos, o capitalismo, valoriza o processo de produção do trabalhador e o tempo. A aposentadoria é mais do que isentar-se do trabalho, representa uma dimensão social. Estar aposentado também significa ter tempo livre o qual corresponde a “ações humanas, realizadas sem que ocorra uma necessidade externa. Neste caso o sujeito atua com percepção de fazer uso desse tempo com total liberdade e de maneira criativa.” (AQUINO e MARTINS, 2007, p. 482). O tempo livre na aposentadoria está relacionado com liberdade e qualidade de vida. Entretanto essa liberdade, ocasionada pela ausência da rotina de trabalho, pode criar uma dificuldade na sua vivência diária. Soligo (1999) explicita que o tempo livre dos aposentados geralmente é utilizado em vivências familiares e com o lazer. Nessa perspectiva, a aposentadoria pode implicar em uma perda de identidade visto que o trabalhador muitas vezes se identifica, reconhece-se, e se cria através do trabalho. Na maioria das vezes, “ao se valorizar apenas aqueles que produzem, deprecia-se o sujeito aposentado” (SANTOS, 1990). Segundo Uvaldo (1995), a perda do vínculo, com tudo o que representa “estar trabalhando”, pode ter influência na identidade pessoal, uma vez que a aposentadoria acarreta modificações nas relações instituídas entre o indivíduo e o sistema social. A aposentadoria pode trazer para os indivíduos um conjunto de perdas que eram valores importantes, tais como o convívio com os colegas, o “status” social de pertencer a uma organização, o poder de exercer influência sobre os outros, assim como a própria rotina enquanto referencial de existência. Assim sendo, a aposentadoria é um período que provoca transformações no indivíduo que pode gerar uma ambiguidade nos sentimentos. Santos (1990) descreve esses sentimentos dúbios como o da crise – associado ao estigma criado pela sociedade sobre a inatividade – e o de liberdade, a qual é conferida ao tempo livre para realizar atividades prazerosas, vinculada culturalmente como uma recompensa de um trabalho árduo. Obviamente cada pessoa interpreta os acontecimentos diários de alguma maneira, nem sempre igual, portanto, a aposentadoria pode ou não ser um evento negativo. Observando por outro ângulo, muitas pessoas se desenvolvem muito bem neste período e a transição se faz de maneira muito positiva. À partir do momento em que a pessoa identifica seus medos e receios sobre a aposentadoria, externaliza-os, seja de que forma for, e vivencia tudo isso no presente a possibilidade de ela passar por essa transição de maneira gratificante é maior. Assim, o Programa de Preparação para Aposentadoria da UFSC – “Aposenta-ação” (SOARES et al. 2007) é baseado nesses princípios e busca estes objetivos acima apresentados. Gestalt-Terapia e possibilidades de trabalho A Fenomenologia e o Existencialismo trazem concepções teóricas e filosóficas que fundamentam a Gestalt-Terapia. A Gestalt-Terapia, baseada nestas filosofias, nos convida a atuarmos no ser, na autenticidade, na liberdade, no projeto existencial. Fritz Perls nos convida a desafiar a manipulação e o controle: “tornar-se real, aprender a assumir uma posição” (PERLS, 1977). A psicoterapia gestáltica pode ser um caminho para trabalhar a capacidade inventiva. Diante da angústia, o homem pode transcender e atribuir um sentido ao ser, à existência autêntica que se dá, entre outras coisas, por uma relação de presença, quando o homem assume seu passado e seu projeto de ser. Neste sentido, a Gestalt Terapia tem muito a contribuir. Ela possibilita que a pessoa olhe para o que acontece com ela e descubra o melhor caminho a tomar para que o sofrimento diminua. Conforme afirmam Polster & Polster (2001), uma das principais ênfases da Gestalt Terapia é a acentuação daquilo que existe, e este é também um dos meios básicos para lidar com o sentimento. Se a pessoa tiver a capacidade de sentir o que passa dentro dela e fora, distinguindo isso no momento presente, ela conseguirá indicar qual sentimento lhe ocorre e em que direção se move. O terapeuta convidará o cliente a experimentar esse sentimento de forma profunda, para que se aproprie do mesmo (POLSTER & POLSTER, 2001). Como bem esclarecem Perls, Hefferline e Goodman (1997, p. 103-104), o trauma não atrai a repetição, como pensava Freud. É o esforço repetido do organismo para satisfazer sua necessidade que causa repetição; mas esse esforço é repetidamente inibido por um ato deliberado presente. A cena recuperada não produz a liberação e, no entanto, quando acompanha a torrente renovada de sentimento, é muito importante a awareness (capacidade de sentir o que se passa dentro e fora de si no momento presente) de si próprio. Ampliar a consciência no processo de awareness é assumir e aceitar a responsabilidade por suas próprias escolhas. Para Yontf (1998), existe uma diferença entre o que cada um escolhe e o que lhe é oferecido. As pessoas são responsáveis pelo o que escolhem fazer, e nesse sentido, cada escolha envolve perdas, envolve deixar de escolher outras coisas. No cenário da aposentação, cada pessoa escolheu uma profissão e depois de anos nesta condição muitas vezes é necessário interromper o que se fez. Será de escolha do indivíduo, parar ou não de trabalhar e cabe ao mesmo tomar consciência e responsabilidade de sua escolha. Uma vez que a finalização foi alcançada e que pôde ser experienciada plenamente no presente, a preocupação com o antigo não-completado é resolvido e a pessoa pode caminhar para as possibilidades atuais, no aqui-e-agora. Neste sentido, conforme afirmam Polster & Polster (2001), a ação que se baseia exclusivamente na deliberação passada, sem a influência facilitadora da intervenção presente, tem grande possibilidade de se tornar mecânica e sem vida. Ao integrar a ação no processo de tomada de decisão a pessoa se liberta. O uso apropriado do aqui-e-agora durante a terapia, conforme acrescenta Yalom (2008), cria um laboratório seguro, uma arena confiável onde clientes podem correr riscos, revelar seu caráter mais obscuro e inteligente, escutar e aceitar sugestões e – acima de tudo – ensaiar mudanças pessoais. Fukumitsu (2008) contribui afirmando que o luto é o processo de fechamento de gestalten. Como a tendência natural do ser humano é fechar situações inacabadas, ou gestalten inacabadas, pode-se inferir que o processo de luto é um momento em que a existência demanda uma reorganização. O ser humano não assimila o luto só porque constata que perdeu, mas sim porque o vivenciou sob ritmo singular, que solicitou um fechamento. Assim, no processo inicial de aposentação haverá o sentimento de luto (luto pela perda do trabalho, perda da identidade social que está vinculada ao trabalho, entre outras perdas), que ajudará a pessoa a fechar a gestalten. Além de ajudar a elaborar as situações de perdas, a abordagem gestáltica ajuda o cliente a projetar possibilidades e reinventar os acontecimentos, as situações, “olhar de outra forma” para as perdas, sempre de uma forma singular. Desta forma, a psicoterapia na abordagem gestáltica, seja ela individual ou em grupos, auxilia no processo de clarear as situações de perdas que o indivíduo vivencia no processo de aposentação e como elas repercutem em si. Na situação terapêutica, o indivíduo é mobilizado para confrontar as emergências de sua vida, operando seus sentimentos e ações abortados, numa situação de segurança relativa (POLSTER & POLSTER, 2001). A partir das descrições temporais do processo de contato, a noção de awareness passa a ser vista como “sistema awareness”. As partes constitutivas da awareness, a saber: sentir, excitamento, a formação e destruição de gestalten, agora passam a designar as orientações temporais do próprio self. A pessoa passará por um ajustamento criativo que pode lhe trazer a sensação de prazer e bem-estar, passando por esta transição importante da vida de forma positiva. Uma situação inacabada ou gestalt incompleta, portanto, é toda experiência que fica suspensa até que a pessoa a conclua. Nas situações de vida, quando este fluxo figura e fundo está interrompido, a gestalt vem a serviço do cliente para torná-lo aware do que acontece consigo (BIRK, 2010). Conclusão O contato com a frustração e a tomada de consciência com as mudanças que se processam dará a possibilidade à pessoa de reequilibrar-se, através da re-significação dos vínculos perdidos, quando necessário. Re-significar a dor é estabelecer uma nova forma de experiência, aceitando e reconhecendo a perda. Ou seja, primeiro desenvolver aware dessa gestalt em aberto e em seguida trabalhar introjeções, expressões de sentimentos, atualizar experiências, desenvolver auto-suporte e integração. Assim, centrando o indivíduo no aqui-e-agora é possível passar pelo processo de aposentação, visando alternativas criativas ao tempo ócio e proporcionando uma satisfação a este indivíduo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AQUINO, C. A. B; MARTINS, J. C. O. Ócio, lazer e tempo livre na sociedade do consumo e do trabalho. Revista Mal-estar e Subjetividade, v. 7, n. 2, p. 479-500, 2007. BIRCK, M. D. Perdas necessárias sob o olhar da Gestalt-Terapia. Monografia de Especialização da Comunidade Gestáltica – Clínica e Escola de Psicoterapia, Florianópolis, 2010. ODDONE, H. ; FUKUMITSU, K. (org) Morte, suicídio e luto. São Paulo: Livro Pleno, 2008. PERLS, F. Gestalt Terapia Explicada. São Paulo: Summus, 1977. PERLS, F.; HEFFERLINE, R.; e GOODMAN, P. Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 1997. POLSTER, E.; POLSTER M. Gestal-terapia integrada. São Paulo: Summus, 2001. SANTOS, M. F. S. Identidade e aposentadoria. São Paulo: EPU, 1990. SOARES, D. H. P.; COSTA, A.; ROSA, A.; OLIVEIRA, M. L. 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