TL 15: CIRURGIA BARIÁTRICA E A ESFERA PSICOLÓGICA - COMPREENDENDO E EXPERIENCIANDO UMA NOVA REALIDADE PELA PERSPECTIVA DA CINDERELA

Autores

  • Fernando Galhardo de Castro

Resumo

TL 15: CIRURGIA BARIÁTRICA E A ESFERA PSICOLÓGICA - COMPREENDENDO E EXPERIENCIANDO UMA NOVA REALIDADE PELA PERSPECTIVA DA CINDERELA Fernando Galhardo de Castro RESUMO Este trabalho é aborda a relação entre a obesidade mórbida, como fator gerador de desequilíbrio na relação do sujeito consigo mesmo e com o campo no qual está inserido, e a cirurgia bariátrica, enquanto recurso através do qual busca-se ajustá-las. Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), atualmente o Brasil lidera as pesquisas na área, surgindo como um campo de atuação a ser explorado pelo profissional de psicologia. Sabendo, que ao contrário das comorbidades clínicas, os distúrbios psíquicos nem sempre são satisfatoriamente revertidos após o emagrecimento, procura-se promover a discussão sobre esta recente possibilidade de atuação profissional em desenvolvimento e sua relevância através do uso de um experimento em que o caso clínico é representado pelo conto da Cinderela. Palavras-chave: Cirurgia bariátrica, experimento, Cinderela. PROPOSTA Este trabalho é elaborado a partir de um estudo de caso, tomando a relação entre a obesidade mórbida - como fator gerador de desequilíbrio na relação do sujeito consigo mesmo e com o campo no qual está inserido - e a cirurgia bariátrica - enquanto recurso através do qual se busca ajustar tais relações. Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabóloca (SBCBM), este recurso também pode ser conhecido como cirurgia da obesidade, ou ainda , redução de estômago, reunindo técnicas com respaldo científico destinadas ao tratamento da obesidade e das doenças associadas ao excesso de gordura corporal ou agravadas por ele. Neste caso, é considerado o adoecimento em seu aspecto psicológico. “Se a Gestalt-terapia pretende abrir também um grande espaço para a criação na operação dos ajustamentos necessários à sobrevivência, ao contato com a novidade, e consequentemente com o imprevisível, o acontecimento e o desconhecido, isso supõe que, como sistema teórico e metodológico, ela não seja nem um sistema fechado nem um sistema completo. Para que haja um funcionamento, é necessário que haja um vazio. Para que um indivíduo evolua, é necessário que haja espaço para mudanças, que haja interstícios nos quais se possam apoiar as alavancas, espaços que acolham a novidade, as brechas e as falhas que permitam o movimento.”(ROBINE, 2006, p.25) Com base nesta concepção, observa-se que a ocorrência de casos clínicos em que a cirurgia bariátrica e metabólica é utilizada como recurso para proporcionar melhor qualidade de vida para o sujeito é crescente. Ainda segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), atualmente o Brasil lidera as pesquisas na área. Segundo Silva e Kawahara (2005), “a obesidade é uma doença crônica, complexa, multifatorial e de muito difícil tratamento”. Isto é, implica em alterações psicológicas que, associadas ao avanço nos estudos sobre o assunto, apontam para a necessidade de haver maior e mais abrangente atuação do profissional de psicologia, compreendendo a forma como o indivíduo faz contato com o seu corpo. “Não existe eu e meu corpo. Só sei que existimos. É a necessidade de meu ser que faz tudo acontecer. Meu corpo não pode ser pensado isoladamente” (PONCIANO, 2006, P. 97). Procura-se promover, então, a discussão sobre esta recente possibilidade de atuação profissional, e em desenvolvimento. Para tanto, toma-se como referência um caso clínico no qual a cliente foi acompanhada desde os conflitos do pré-operatório, atravessando sua relação com o processo cirúrgico, até os resultados do pós-operatório. É aplicado um experimento que consiste na utilização do conto de fadas da Cinderela, de Charles Perrault, como forma de representar sua vida, já que, “o experimento precisa ser a expressão viva da dimensão de contato que o cliente pode fazer com ele mesmo no mundo, naquele momento” (PONCIANO, 2006, p.109). A Cinderela no conto de fadas é uma jovem que vive uma série de limitações por conta das interferências de sua madrasta e de suas filhas, estando isolada do convívio com o reino e com os fatos que nele ocorrem, embora faça parte dele. Neste caso, a cliente assume o papel da Cinderela e a madrasta dá sentido à forma como a obesidade interfere nas suas relações, visto que, sob o ponto de vista psicossocial: “é comum pessoas obesas terem dificuldades de relacionamento no seu ambiente de trabalho, bem como sofrem vários tipos de discriminação. Além disso, têm dificuldade na sua vida diária, como usar transporte coletivo, vestir-se e até realizar a sua própria higiene” (Silva & Kawahara, 2005, p. 60) Não se observa, então, interação com o meio de forma que seja possível obter satisfação, atender expectativas ou usufruir de escolhas. “A quase totalidade das necessidades humanas, porém, implica, para a sua satisfação, contato aware, ou seja, consciente da situação. Isso se reflete na percepção do campo (que inclui a própria pessoa) discriminando tanto as próprias necessidades quanto os recursos disponíveis, ou a serem modificados e assimilados, daqueles elementos do campo que devem ser rejeitados como inúteis ou nocivos para a manutenção e o cresciemento do indivíduo.” (D’ACRI, LIMA & ORGLER, 2007, p.21) Trata-se de uma relação desregulada, desarmônica, visto que a população obesa enfrenta diversas situações desfavoráveis, que, associadas à outras variáveis, como sexo, idade, escolaridade e nível socioeconômico, costumam representar uma condição suscetível ao aparecimento dos sintomas da esfera psicológica. Segundo Ponciano (2006), “um organismo se desregula quando se exige dele força e habilidades para as quais não está preparado”, ou seja, neste caso, a convivência com uma série de limitações, afastando o sujeito de uma forma saudável de existência. A cirurgia bariátrica surge neste contexto assim como a fada madrinha surge no conto. Nele, ela utiliza a magia para realizar a vontade de Cinderela fazendo-se possível ir ao baile promovido pelo rei. A veste com um belo vestido e torna uma simples abóbora uma linda carruagem de forma imediata, proporcionado uma nova experiência, novas sensações, haja visto o encatamento em relação ao príncipe. Este encantamento também é observado em relação aos resultados não menos instantâneos do procedimento cirúrgico. Ou seja, a perda de peso se dá em grande quantidade num curto espaço de tempo. O baile, então representa as novas experiências, permitindo contato com novas sensações. Assim, outras questões referentes à sua realidade passam a perder proporção e relevância, ocorrendo como no conto, quando a Cinderela se afasta dos conflitos presentes em sua realidade durante o baile. Porém, a magia só permanece até a meia noite, quando tudo retoma o seu real sentido. É fundamental considerar que, segundo Ponciano (2006), “alterando-se qualquer das variáveis do campo, ele todo se reconfigura à procura de uma nova unidade de sentido, para que a pessoa possa ter acesso às variáveis que interferem em seu sintoma de auto-equilibração”. Com referência neste conceito, a meia noite aqui é representada na medida em que euforia inicial começa a dar espaço à uma série de conflitos. Isto se dá visto que, para que a modificação proveniente da cirurgia bariátrica seja sustentada, os elementos presentes no contexto, como por exemplo, a forma em que se estabelecem as relações familiares, profissionais, novos hábitos comportamentais e alimentares, a nova identidade corporal, precisam ser reorganizados, ajustando-se em sua forma favorecendo este processo. Esta vem a ser uma etapa importante no que se refere ao suporte psicológico em que deve-se pontuar que há um registro da fantasia experienciada quando nota-se que o sapatinho de cristal utilizado por Cinderela foi encontrado pelo príncipe, e que este se encarrega de buscar o seu par. Pode-se dizer que, na medida em que esta busca é realizada, existe a tentativa de alinhar as novas possibilidades, dando continuidade ao contato feito com as experiências do baile, com a realidade da personagem. Assim, é o papel do suporte psicológico neste contexto, destacando que o primeiro contato realizado entre a Cinderela e o príncipe teve base na fantasia, no encantamento que aquele momento proporcionava, assim como o contato inicial com os efeitos da cirurgia bariátrica. Ou seja, o emagrecimento acelerado, um novo corpo, novas possibilidades. O objetivo em questão é facilitar a consciência da cliente de sua real condição e necessidade diante do uso deste recurso. Ao contrário das comorbidades clínicas, os distúrbios psíquicos nem sempre são satisfatoriamente revertidos após o emagrecimento. Isto porque, com base no desenvolvimento deste caso clínico, é importante ressaltar o fato de que a cirurgia é apenas um instrumento que irá gerar resultados positivos, desde que a haja modificações na configurar da vida do sujeito. Como uma porta de entrada para que a pessoa avalie sua forma de pensar e agir na relação com seu contexto para que se sustente um novo funcionamento, com novos limites e novas experiências. Isto porque, “é pelo contato que figura e fundo seguem seu caminho de formação e destruição de novas gestalten, em um eterno renovar-se.” (PONCIANO, 2007, p.31). O suporte psicológico, se faz necessário nesta configuração, já que, de acordo com Granzzoto (2007), “o clínico perceberá o momento de pontuar, o momento de frustrar o ajustamento neurótico”, ou seja, favorecendo que, assim como na conclusão do conto, a Cinderela aqui tratada esteja presente em suas relações da melhor forma possível, de maneira consciente e tornando real a possibilidade usufruir positivamente da cirurgia bariátrica enquanto recurso. BIBLIOGRAFIA D’ACRI, G., LIMA, P.; ORGLER, S. Dicionário de Gestalt-terapia: Gestaltês. São Paulo: Summus, 2007. MÜLLER-GRANZZOTO, M.J. & MÜLLER-GRANZZOTO, R.L. Fenomenologia e gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2007. RIBEIRO, J.P. O ciclo do contato: temas básicos na abordagem gestáltica. São Paulo: Summus, 2007. RIBEIRO, J.P. Vade-mécum de Gestalt-terapia: Conceitos básicos.São Paulo: Summus, 2006. ROBINE, J.M. O self desdobrado. São Paulo: Summus, 2006. SILVA, R.S; KAWAHARA, N.T. Cuidados pré e pós-operatórios na cirurgia da obesidade. Porto Alegre: Age, 2005. SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA BARIÁTRICA E METABÓLICA. A cirurgia. Disponível em: < http://www.sbcb.org.br/cbariatrica.asp?menu=0>. Acesso em: 15 jun. 2012, 20:00. ZINKER, J. Processo criativo em gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2007.

Publicado

2014-09-18