TL 12: E A GESTALT-TERAPIA CHEGA AO HOSPITAL... AS FUNÇÕES DE CONTATO NO CTI

Autores

  • Nayara Nascimento Silva

Resumo

TL 12: E A GESTALT-TERAPIA CHEGA AO HOSPITAL... AS FUNÇÕES DE CONTATO NO CTI Nayara Nascimento Silva RESUMO O ambiente hospitalar, especialmente o de um Centro de Tratamento Intensivo, devido à complexidade do atendimento prestado, na maioria das vezes, favorece a ausência de interação e de estímulo às funções de contato. O objetivo do trabalho é, portanto, refletir acerca de que maneiras o Gestalt-Terapeuta, inserido nesse campo, pode auxiliar e favorecer a busca por um contato genuíno, estimulando as funções de contato (muitas vezes bloqueadas ou interrompidas), tanto dos pacientes e familiares, quanto da equipe de cuidadores, pois, como Gestalt-Terapeuta, entendo que é inerente ao ser humano buscar sua auto-regulação, mesmo estando ele com seu nível de consciência alterado. Palavras-Chave: Funções de contato; Centro de Tratamento Intensivo; Auto-Regulação PROPOSTA I. Qual o campo que se apresenta em um Centro de Tratamento Intensivo? As primeiras unidades de terapia intensiva foram criadas em 1950, chegaram ao Brasil nas décadas de 1960/1970 e, hoje, são amplamente difundidas no mundo. São aquelas que se destinam “a receber pacientes em estado grave, com possibilidade de recuperação, exigindo permanentemente assistência médica e de enfermagem, além da utilização de equipamento especializado” (Romano apud Proahsa, 1978). É um local que exige atenção permanente dos profissionais (muitas vezes uma atenção dirigida para os números que aparecem nos monitores, e não para a pessoa que ali está) e de tomada de decisão e de ação rápidas. Além disso, é um ambiente onde a inovação tecnológica da medicina se faz presente de uma maneira particular. São muitas máquinas, aparelhos, recursos medicamentosos de última geração, além de técnicas e manobras de intervenção cada vez mais modernas, que favorecem uma artificialidade cada vez maior das relações entre o indivíduo e o ambiente. Contudo, é um espaço ambíguo, que espelha dois lados distintos: de um lado toda essa tecnologia utilizada para tratar e curar o doente e, de outro, a realidade da doença, do sofrimento e da morte iminente. Todo esse campo que se apresenta tem implicações na experiência desses pacientes. Especificamente na UTI, uma boa parte dos pacientes são pacientes que se encontram com seu nível de consciência alterado, resultado da medicação ministrada ou do próprio quadro clínico do mesmo. Porém, “o comprometimento de algumas funções cerebrais e sensoriais não implica necessariamente na inexistência perceptual; a diferença está na possibilidade de expressão do que é percebido” (Silva, 2000). São ruídos, gemidos, troca de olhares, olhares sem troca, “bips”, silêncios, movimentos (muitas vezes incompreendidos), olhos fechados, imobilidade, odores, toques, manipulação, ausência de paladar, medo, dor, ansiedade e angústia, presente tantos nos profissionais, quanto (e principalmente) nos pacientes. Diante desse campo, repleto de privações e bloqueios, como são nutridas (ou desnutridas) as funções de contato desses indivíduos que, mesmo sedados não perderam sua humanidade e, menos ainda, sua potência para contatar? II. As Funções de Contato Além dos cinco modos básicos de contato (audição, visão, paladar, olfato e tato), Polster e Polster (2001) nos falam de mais dois, que seriam: falar e movimentar-se. É por essas funções que o contato pode ser conseguido, e é pela perturbação dessas funções que o contato pode ser bloqueado ou evitado (Polster e Polster, 2001). A experiência, segundo Perls, Hefferline e Goodman (1997) acontece na fronteira de contato entre o organismo e o ambiente em que ele está inserido e é, sobre essa experiência, que o presente trabalho se propõe a refletir. É através da visão que podemos enxergar um ao outro, a nós mesmos e o ambiente como um todo. O que nós vemos, e como vemos, dá dimensão e ressonância à experiência. A audição é uma função que, hoje em dia, possui pouca estima. Ouvir um ao outro tem ficado em segundo plano numa sociedade que tem muito a fazer e se percebe “perdendo tempo” quando para para ouvir, seja o que uma outra pessoa tem a dizer ou qualquer outro tipo de som. Além disso, quando fazemos, de fato, um bom contato, é possível ouvir mais do que apenas palavras e ser afetado por aquilo que ouvimos. O toque, segundo Polster e Polter (2001) é o modo mais óbvio de fazer contato, embora haja, ainda, muitos tabus contra o toque. A imediaticidade do toque atravessa as camadas intelectuais e atinge reconhecimentos pessoais palpáveis (Polster e Polster, 2001), proporcionando, assim, uma experiência mais autêntica de contato. Através da língua identificamos sabores e, assim, discriminamos o que queremos e o que não queremos engolir. Por esse motivo a alimentação é considerada como um protótipo da manipulação e da assimilação feita pelo indivíduo em relação ao que o ambiente pode lhe oferecer (Perls, 1947). O olfato é uma das funções de contato mais subestimadas pelo homem mas, em contrapartida, é um dos sentidos de maior contato para outros animais. Buscamos, a todo tempo, evitar os odores corporais usando perfumes, desodorantes, sabonetes e, com isso, emitindo uma mensagem estereotipada (Polster e Polster, 2001) de nós mesmos. Apesar dessa desvalorização, é uma forma poderosa de se contatar o ambiente. Segundo Polster e Polster (2001), a fala possui duas dimensões: voz e linguagem. Como voz podemos entender o som que produzimos quando falamos. Contém informações valiosíssimas para o contato genuíno. A linguagem, por sua vez, se refere às palavras e à maneira de organizá-las no momento da comunicação. Por fim, mover-se se torna importante porque pode facilitar, interromper ou, até mesmo, bloquear o contato com o ambiente. Focalizar o movimento de uma pessoa, dentro de um trabalho psicoterápico com base na Gestalt-Terapia, seja ele no hospital ou no consultório, oferece grandes possibilidades de awareness. III. Reflexão Acerca das Funções de Contato em um Centro de Tratamento Intensivo Se a Gestalt-Terapia entende que a diminuição da capacidade de contato aprisiona o homem na solidão e que pode nos sufocar numa condição de mal-estar pessoal que envenena o espírito (Polster e Polster, 2001), o trabalho no CTI convida, a todo tempo, o Gestalt-Terapeuta a refletir sobre como é possível, para os pacientes dessas unidades, contatar o ambiente em que se encontra imerso e estimular que ele aconteça. Se podemos afirmar que, mesmo na interação com objetos inanimados pode haver contato, podemos afirmar o mesmo em relação a esses indivíduos, pois se encontram em estado alterado de consciência, mas não sem consciência. Como Gestalt-Terapeuta observo que o bloqueio das funções de contato afeta direta e brutalmente os atores inseridos nesse campo. A sedação, muitas vezes, é utilizada para que o paciente “permita” que uma máquina controle sua respiração e respire “por ele”. Tudo o que se ouve, nesses ambientes, são sons de máquinas e gemidos. Por conta da sedação o paciente fica o tempo todo de olhos fechados, num “sono” induzido. O paladar não tem espaço. A alimentação é realizada através de sondas que levam o alimento até o estômago ou intestino com a exclusiva finalidade de absorção dos nutrientes. O cheiro que se percebe nesse ambiente é o de fezes, urina, materiais hospitalares, sangue, ou seja, odores, em sua maioria, essencialmente humanos, mas dos quais tentamos nos livrar em boa parte do tempo. O toque é restrito. Muitos familiares, durante o trabalho psicoterapêutico, demonstram receio e, por isso preferem não tocar o paciente com medo de influenciar no quadro clínico ou esbarrar em algum aparelho ao qual o paciente está conectado. Além de tudo isso, os pacientes sedados ficam impossibilitados de se comunicar verbalmente com os familiares, com a equipe e com outros pacientes. Até mesmo os pacientes com baixo nível ou nenhuma sedação que foram traqueostomizados (Traqueostomia é um procedimento cirúrgico no pescoço e que pode ser usada para facilitar a chegada de ar aos pulmões) encontram muita dificuldade para se comunicar optando, muitas vezes, por não fazê-lo. Esses mesmo pacientes são, também, privados de ingerir qualquer tipo de líquido, o que gera um sofrimento visível. Dentro de uma unidade de tratamento intensivo, mesmo os pacientes sem sedação ficam impossibilitados de se movimentar. Não podem levantar da cama para tomar banho, fazer suas necessidades fisiológicas no banheiro, pois, diante de todo quadro clínico perdem força e resistência muscular para se sustentarem e, para prevenir danos maiores, são impedidos de realizar essas atividades que, antes, eram tidas como cotidianas. O trabalho do Gestalt-Terapeuta inserido em uma unidade de tratamento intensivo é potencializar os contatos tanto quanto possível através do trabalho psicoterapêutico, mesmo que breve, com o paciente e sua família e mais continuado com a equipe de cuidadores. Trabalhar a fim de modificar a organização do ambiente físico da UTI proporcionando um contato mais genuíno com a realidade que se apresenta é apenas uma parte pequena do trabalho. De suma importância é o trabalho com os familiares, incentivando e convidando ao toque, à comunicação, ao contato visual, a ouvir o indivíduo adoecido. E dando espaço para que este se expresse da maneira que for possível naquele momento, pois, com base na concepção de homem da Gestalt-Terapia, este é um ser potencialmente criativo que busca, a todo tempo, sua auto-regulação: o homem possui uma força que o movimenta na direção da satisfação de suas necessidades que, em última instância, é a auto-realização do ser, ou seja, o princípio orgânico pelo qual o organismo se desenvolve plenamente (Martins, 1995). Se entendemos o contato como vitalizador, é através dele que esses pacientes podem buscar a auto-realização do ser, ou seja, buscar a vida. E o psicoterapeuta pode proporcionar essa busca, dando espaço para suas manifestações, mesmo que mínimas, já que são as fronteiras, os locais de contato que constituem o ego (Perls, 1947). BIBLIOGRAFIA MARTINS, A.E. A concepção de homem em Gestalt-Terapia e suas implicações no processo psicoterápico. Revista do I Encontro Goiano de Gestalt-Terapia, Vol. 1, Número 1, 1995. PERLS, F.S. Ego, Hunter and Aggression. Londres: George Allen & Unwin Ltd., 1947. PERLS, F; HEFFERLINE, R; GOODMAN, P. Gestalt-terapia. 2a Ed. São Paulo: Summus, 1997. POLSTER, E; POLSTER, M. Gestalt-Terapia Integrada. São Paulo; Summus, 2001. ROMANO, B. W. Princípios para a prática da psicologia clínica em hospitais. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. SILVA, M. J. P; DOBBRO, E.R.L. Reflexões sobre a importância da mente na recuperação do paciente em coma. Revista O mundo da Saúde; 24(4):249-54, 2000.

Publicado

2014-09-18