WR 7: ESTUDANDO TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE BORDERLINE E NARCISICO NA ABORDAGEM GESTÁLTICA

Autores

  • Graça Gouveia

Resumo

WR 7: ESTUDANDO TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE BORDERLINE E NARCISICO NA ABORDAGEM GESTÁLTICA Maria das Graças Gouvêa N. da Silva RESUMO O curso propõe um estudo dos transtornos na função personalidade na abordagem gestáltica principalmente a partir das referências de Yontef (1998). As noções gestálticas de self, funções de self e as especificidades da função personalidade são apresentadas. A autora discute especificamente transtornos de personalidade narcísica e borderline com apresentação de exemplos clínicos. Palavras-chave: self; função personalidade; transtorno de personalidade. A NOÇÃO DE SELF EM GESTALT-TERAPIA A proposta da Gestalt-terapia fundamentada numa perspectiva fenomenológica permite à Perls (PERLS, HEFFERLINE e GOODMAN, 1997) a formulação de uma teoria de personalidade de caráter descritivo, ou seja, a descrição do funcionamento do self no processo de contato. O conceito de “self” em Gestalt-terapia refere-se à possibilidade de compreensão de um ser que se dá no tempo, e que não pode prescindir do horizonte temporal para sua percepção de si e do mundo (PERLS, HEFFERLINE e GOODMAN, 1997; GRANZOTTO & GRANZOTTO, 2007). Este processo temporal ocorre num campo imbricado, o campo organismo-meio, e descreve o homem como um “ser-no-mundo”, não apenas a ideia de um “ser” enquanto um “si-mesmo” solipsista, e muito menos corresponderia apenas à ideia de uma “consciência” ou uma “subjetividade”. Na obra “Gestalt-terapia” de Perls, Hefferline e Goodman (1997), o self é apresentado se diferenciando em funções que emergem em diferentes momentos do processo de contato: Funções Id, Ego e Personalidade. Não devemos confundir tais funções com as instâncias do psiquismo proposto por Freud, dado que, em primeiro lugar, a compreensão gestáltica não é intrapsíquica, é relacional, de campo. No seu aspecto personalidade, podemos pensar no self como “uma realidade consistente e fechada” e no aspecto id, como um ser “para fora”, “jogado no mundo” e “aberto às possibilidades do mundo que é o seu”, aqui fazendo uma aproximação à noção de Dasein (HEIDEGGER, 1988) Em seu artigo ¨Do Self ao Selfing: o estrutural e o processual na emergência da subjetividade¨, a gestalt-terapeuta Cláudia Távora (2005) propõe entender que a noção de limite, seja mais abrangente que a noção de contorno, e sirva como metáfora para nossa compreensão da função personalidade na abordagem gestáltica. De tal modo que, o self, uma forma aberta, pode não ter contornos definidos, mas sempre terá algum limite. Távora propõe ainda usar esta metáfora para pensar o paradoxo da “subjetividade” humana de uma forma mais integrativa, e chama atenção para as lacunas que os textos originais da GT deixaram em relação ao paradoxo de nossa teoria de subjetividade. Voltando a Perls temos a compreensão de que ¨a função personalidade é a figura criada na qual o self se transforma e assimila ao organismo, unindo-a com os resultados de um crescimento anterior¨ (PERLS, HEFFERLINE e GOODMAN, 1997) - assim sendo, enquanto um sistema de atitudes adotadas nas relações interpessoais, a função personalidade é a admissão do que somos, e que organiza certa coerência, ou um contorno, em nossa identidade. Mas quando o comportamento interpessoal é neurótico, esta função se detém em alguns conceitos distorcidos e desatualizados a respeito de si próprio. Assim, para Perls, a autoconsciência da personalidade permite que o self se torne mais livre em suas escolhas, e ao mesmo tempo mais autorresponsável. E o trabalho terapêutico na GT visa ampliar e sensibilizar as funções de contato a fim de permitir a atualização da função personalidade no campo. TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE Entende-se que numa perspectiva gestáltica toda disfunção de contato implica em algum grau de disfunção das funções de self, ou seja, teremos uma disfunção das funções id, ego ou personalidade, em diferentes graus. Deve-se evitar confundir o uso do termo “personalidade”, que tem um sentido processual em GT, com o uso do termo “personalidade” na psicologia em geral, que carrega uma ideia estrutural. Novamente destaca-se que distinguir entre o processual e o estrutural é um dos cuidados que se propõe com este trabalho. Transtornos de personalidade segundo o CID-10 “ (...) compreende diversos estados e tipos de comportamento clinicamente significativos que tendem a persistir e são a expressão característica da maneira de viver do indivíduo e de seu modo de estabelecer relações consigo próprio e com os outros. (...)¨ Deseja-se destacar ainda a perspectiva multiaxial introduzida no diagnóstico psiquiátrico a partir do DSM III, que procura contemplar a diversidade de aspectos da vida do paciente e suas experiências, na medida em que este sistema multiaxial ¨envolve uma avaliação em diversos eixos, cada qual relativo a um diferente domínio de informações¨ (DSM-IV TR, 2003). Entende-se neste estudo que a proposta de avaliação multiaxial é coerente com os pressupostos da GT, pois destaca uma perspectiva de campo. Numa síntese do DSM e do CID atuais, os seguintes transtornos são definidos como transtornos específicos da personalidade: Paranóica; Esquizóide; Dissocial (anti-social/ psicopática); Instável (tipo impulsivo e tipo borderline); Histriônica (Histérica); Anancástica (TOC); Esquiva; Dependente. Outras: Narcísica; Passivo-agressiva. Este estudo destaca que na Gestalt-terapia autores como Yontef, propõe claramente um trabalho diferenciado para pessoas com determinados transtornos de personalidade (que ele chama de desordens de caráter, numa nomenclatura antiga), destacando os transtornos narcísicos e borderlines. E o gestalt-terapeuta canadense Gilles Delisle, dedica a este estudo, toda uma obra ¨Personality Disorders – a Gestalt therapy perspective (1999).¨ Em GT, a denominação transtorno de personalidade se aplica quando há um transtorno abrangente das possibilidades de contato da pessoa com o mundo. Um transtorno de personalidade ocorre quando, a função de ego, leia-se contato, ao invés de estar a serviço do self em suas possibilidades na relação com o mundo está a serviço da função personalidade. Compreendemos aqui que um transtorno de personalidade refere uma implicação mais global, do que um sintoma neurótico, interferindo de forma ampla na orientação da pessoa no mundo, pois é um fenômeno que abarca toda a estrutura do self. Segundo Yontef (1998): “Os neuróticos mostram awareness reduzida, ansiedade elevada, depressão e conflito interno, mas continuam tendo interesse e capacidade de manter contato com a realidade consensual e certo grau de empatia.” (p 306) Ainda segundo Yontef (op. cit), nas pessoas com transtorno de personalidade, em geral, esta capacidade está severamente afetada, pelas dificuldades de coesão pessoal. Esse distúrbio se dá na aquisição de sentido de coesão e/ou incapacidade de se relacionar num contexto, considerando contexto como o percebido consensualmente, e/ou ainda a incapacidade de fazer contato interpessoal íntimo adequado e dialógico. Segundo ele, todos os transtornos de personalidade apresentam alguma dicotomia de funções da personalidade, isto é, um déficit nos processos de integração. Já segundo Delisle (1999, p.19) ¨ um transtorno de personalidade é um padrão de organização inflexível e mal adaptativo, envolvendo os três componentes básicos de experiência, de tal forma que o indivíduo experimenta uma deterioração de sua função social ou ocupacional ou uma angústia subjetiva, ou ambos.¨ Delisle destaca como componentes básicos da experiência os aspectos: cognitivo, emocional e comportamental. TRANSTORNO DE PERSONALIDADE NARCÍSICA A característica essencial do Transtorno da Personalidade Narcísica é um padrão invasivo de ¨grandiosidade, necessidade de admiração e falta de empatia¨ (DSM-IV TR), que começa no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos. Pessoas narcisicamente orientadas exigem um suporte externo para manutenção de seu equilíbrio. São autocentrados, mas não centrado sobre seu self “verdadeiro” - entendendo-se por um self verdadeiro como uma orientação “self-outro-centrado”. Narcisistas são confluentes e campo-depedentes, tratando o ambiente como se existisse para lhes dar suporte, onde o outro só entra como instrumento ou objeto. Yontef observa que a “autoimagem inflada do narcisista ajuda a evitar a experiência vergonhosa de se esgotar e esvaziar” (YONTEF, 1998, p310). E que estes se encontram duplamente alienados: alienados do outro (porque não percebe o outro como uma pessoa) e alienado de seu próprio self (porque só percebe a si-mesmo como uma imagem). Destaca que a vulnerabilidade narcísica não é suficiente para justificar o diagnóstico de TP narcísica: a incapacidade de reagir com empatia às necessidades e sentimentos dos outros é parte essencial do diagnóstico. Na prática clínica desta autora as observações anteriores de Yontef foram importante contribuição na compreensão e atenção terapêutica de alguns pacientes nos quais foram observadas as características aqui definidas. Ratifica-se com neste trabalho e em anterior (SILVA, 2009) que a capacidade de trabalhar dialogicamente, cuidando da inclusão e da presença na relação terapeuta-cliente, sustentada numa atitude empática, que segundo Yontef, é a maneira mais adequada de oferecer um vínculo terapêutico às pessoas com TP narcísico, e oferece boas perspectivas ao trabalho em gestalt-terapia. TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE A característica essencial do TP Borderline é um padrão invasivo de ¨instabilidade dos relacionamentos interpessoais, autoimagem e afetos, e acentuada impulsividade que começa no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos¨ (DSM-IV TR). Comparando os dois tipos de vínculo, Yontef (1998) afirma que: ¨Onde o narcisista quer espelhamento e sintonia empática, os borderlines querem que o terapeuta os aceite, querem fundir-se e também querer ser cuidados, e que se faça seu problema desaparecer. Onde o narcisista está absorvido com sua autoimagem, o borderline está fragmentado. Onde o narcisista alterna inflação e deflação, o borderline desaba, entrando em estado de fúria, pânico ou psicose temporária.¨ (p. 338-339) Yontef se utiliza da noção psicanalítica de constância objetal para se referir à singularidade das questões borderlines. Entendendo que há para estas pessoas um déficit na capacidade de constância objetal, assim, o que não é visto, não existe, e pode ser muito difícil permanecer com a imagem de uma pessoa depois de ter-se separado dela. E deste modo, as separações significam abandono e ameaça de desintegração ou de morte. Ao discutir a atitude terapêutica no acompanhamento destas pessoas, Yontef, dá ênfase no contato como conceito e princípio terapêutico, e sugere que a GT seja uma terapia mais adequada para o trabalho com pessoas borderline. Ainda segundo este autor, para tais pessoas, a conectibilidade equivale à fusão, e a separação ou autonomia equivalem ao abandono. Assim, trabalhar o sentido de abandono do borderline e suas defesas é uma tarefa árdua, difícil, prolongada, mas necessária. Este processo fortalece o sentido “verdadeiro” do “eu”, através da possibilidade de sua conexão e separação com o terapeuta numa relação self-outro centrada. Este processo se dará em ciclos repetidamente no decorrer da terapia e da vida do paciente (SILVA, 2009). REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS OMS - Organização Mundial de Saúde/ CBCD - Centro Brasileiro de Classificação de Doenças/ Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - CID-10. São Paulo: EDUSP, 2008. DELISLE, G., Personality Disorders – a Gestalt therapy perspective, Montréal,Québec: CIG Press - Les Editions du Reflet, 1999. FADIMAN, James & FRAGER, Robert. Teorias da Personalidade. São Paulo: Harper & Row do Brasil, 1979. MÜLLER-GRANZOTTO & MÜLLER-GRANZOTTO, M.; R. Fenomenologia e Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2007. HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 1988. PERLS, Frederick Salomon, HEFFERLINE, Ralph & GOODMAN, Paul. Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 1997. TÁVORA, Cláudia B. Do Self ao Selfing: o estrutural e o processual na emergência da subjetividade. In Gestalt-terapia e Contemporaneidade. Campinas: Ao Livro Pleno, 2005, p 103 -143. SILVA, M. G. G. N. A insustentável leveza do ser: reflexões de uma gestalt-terapeuta no acompanhamento de pessoas com transtorno “borderline”. XII Encontro Nacional de Gestalt-terapia e IX Congresso Nacional de Gestalt-terapia, Vitória(ES), Setembro/ 2009. ZINKER, Josep C., A Busca da Elegância na Psicoterapia: uma abordagem gestáltica com casais, famílias e sistemas íntimos, São Paulo: Summus, 2001. YONTEF, Gary M., Processo, Diálogo e Awareness. São Paulo: Summus, 1998.

Publicado

2014-07-29