MC 6: A CLÍNICA GESTALTICA: ESTABELECENDO CRITÉRIOS PARA UMA PSICOTERAPIA BEM SUCEDIDA

Autores

  • Luciana de Medeiros Aguiar

Resumo

MC 6: A CLÍNICA GESTALTICA: ESTABELECENDO CRITÉRIOS PARA UMA PSICOTERAPIA BEM SUCEDIDA Luciana Aguiar RESUMO Para falarmos do que seria uma psicoterapia bem sucedida, precisamos iniciar questionando os próprios objetivos da clinica gestáltica, discutindo como entendemos a noção de clínica e como suas possíveis acepções estariam em congruência com os fundamentos e modelo teórico da Gestalt-Terapia proposta por Perls, Hefferline e Goodman (1997). Granzotto & Granzotto (2007), a partir da distinção apresentada entre os significantes Klinikós e Clinamem, ilustram o sentido da clinica gestáltica que a partir de agora norteará nossas reflexões. Segundo os autores, a idéia tradicional de clinica está ligada ao adjetivo grego klinikós que designa “aquilo que se exerce ou administra junto ao leito”.(Granzotto & Granzotto, 2007, p.65) Porém esse sentido claramente assistencial inerente ao uso médico do termo, onde alguém oferece seu saber em proveito de outro alguém incapacitado de cuidar de si autonomam ente, não é o sentido postulado originalmente por Perls, Hefflerline e Goodman. Nesse sentido, entendemos que a noção de clinica proposta pelos fundadores da Gestalt-Terapia não se configura em uma forma de cuidado, acepção que é bastante veiculada no jargão gestáltico, mas antes em uma forma específica de acolhimento daquilo que emerge espontaneamente na relação terapêutica, muito mais em sintonia com o adjetivo clinamem encontrado na filosofia epicurista que nos traz a noção daquilo que desvia, do imponderável, da contingência. Dessa forma, se exercermos a clinica prioritariamente como cuidadores, corremos o risco de realizar o trabalho dos nossos clientes, declarando-os inaptos e incapazes, e de sermos implicados na manutenção do status quo de sua configuração neurótica. Em todas essas situações, percebemos que sucumbir ao desejo de cuidar, nos leva diretamente a um enredamento na teia de evitações e manipulaçõ es neuróticas do cliente, tornando-nos parciais e dificultando-nos o exercício da tarefa clinica. Da mesma forma que não trabalhamos para cuidar de alguém, tampouco o fazemos para resolver seus problemas. Ribeiro (1998) menciona Perls, dizendo que este afirmava que a Gestalt-Terapia não se interessa por problemas, mas pelas pessoas e suas possibilidades de criação diante da novidade que se apresenta a cada momento de sua existência como ser no mundo. Em outras palavras, o interesse do gestalt-terapeuta repousa nos recursos de cada um para lidar com o que a vida possa apresentar e com a possibilidade de transformar o que encontra em algo assimilável e nutritivo. Não nos cabe resolver os problemas apresentados pelos clientes. Interessa-nos a habilidade que cada um deles possui (ou não) para lidar com os eventuais problemas que surgem em suas vidas, com os recursos e capacidade para criar novas alternativas mais satisfatórias e as possibilidades que temos para mobilizar tal manancial em cada um deles. Quando uma queixa é vista como um problema a ser resolvido ou eliminado, a manifestação do cliente é considerada como algo “fora” do campo, sem nenhuma relação com os demais elementos constitutivos do mesmo. Na clinica com crianças e adolescentes, por exemplo, pais que trazem seus “filhos problema” com o intuito de obter uma resolução para seus comportamentos, não costumam ter a menor percepção de suas implicações em tais manifestações. Grande parte de nossa tarefa terapêutica será exatamente implicá-los na gênese e manutenção de tais manifestações, mobilizando sua participação ativa no processo terapêutico dos filhos, da mesma forma que na clinica com adultos vamos auxilia-los a se responsabilizarem pelas próprias vidas ao invés de apontar os outros como seus algozes. A clínica gestáltica também não está comprometida com regras, valores, ditames sociai s, ou com uma meta comportamental especifica, mas com uma abertura e acolhimento do novo, do inédito, do que deriva espontaneamente, da manifestação plena da espontaneidade criadora que aponta para múltiplas possibilidades de satisfação. Além disso, a clínica gestáltica não é para o psicoterapeuta uma busca pelo saber; de modo algum se trata de saber aquilo que ocorre com os clientes para posteriormente explicar, do alto da sapiência terapêutica, quem eles verdadeiramente são. Daí decorre que não precisamos mergulhar nos inúmeros detalhes de uma longa historia, nem fazer perguntas para satisfazer somente a nossa necessidade ou curiosidade de conhecer mais sobre conteúdos apresentados. A necessidade de abrir mão da “vontade de saber” sobre o cliente, do afã de “entender tudo” que se passa, de dar explicações imediatas para todos os seus comportamentos, e de dar soluções e encaminhamentos padronizados para o que foi “descoberto” sobre ele, precisa ser um constante compromisso do gestalt-terapeuta. Nesse momento vale lembrar o que Perls, Hefferline e Goodman. (1997) assinalam a respeito do processo terapêutico: o objetivo da psicoterapia não é o de o psicoterapeuta se dar conta de algo sobre o cliente, mas do cliente se dar conta dele mesmo. (p.56) Isso aponta para a importância do psicoterapeuta trabalhar sua própria ansiedade de “saber” e “entender”, que geralmente atende para a necessidade de sentir-se um “bom terapeuta”, e de estar sempre afinado e fundamentado em uma postura de “não saber” para junto ao cliente, acolher e pontuar o que emerge como estranho e desviante para ambos na sessão terapêutica: um olhar perdido, uma lembrança, uma interrupção brusca, uma raiva repentina ou uma vontade de ir embora. Nem cliente, nem psicoterapeuta sabem de antemão o que isso significa ou o que está acontecendo. O desdobramento disso que emerge e spontaneamente vai acontecer no momento mesmo de seu surgimento e cabe ao psicoterapeuta facilitá-lo, apontando, questionando e propondo algo a partir do desvio. Trata-se assim de uma postura de comprometimento e disponibilidade com o que surge como desvio na sessão terapêutica, com aquilo que nem o cliente nem o psicoterapeuta conhecem, e que pode se mostrar ora como manifestação da criatividade do paciente, ora como hábitos e inibições. Sendo assim, podemos formular agora algo mais claro a respeito da meta da experiência clinica em Gestalt-Terapia que nos levará a uma psicoterapia "bem sucedida": viabilizar a manifestação, na relação terapêutica, das interrupções neuróticas e também da criação saudável do cliente. Isso nos conduz prioritariamente para a forma de manifestação daquilo que surge e não para o conteúdo fornecido pelo cliente. Por isso não precisamos na clinica de adultos que o cliente nos conte detalhadamente sua historia e nem nos importa na clinica com crianças e adolescentes, se eles falam daquilo que seus responsáveis apontam como sendo suas questões ou seus sintomas. O que nos interessa é principalmente a forma como o cliente traz (ou não traz) o que quer que seja para a sessão e o que “escapa” muitas vezes de um discurso combinado ou planejado, reprodutor da fala familiar e do grupo social acerca do que seriam suas questões e a razão pela qual se encontra naquele espaço. Assim, a ênfase na forma permite que observemos como ele se relaciona, como lida com situações novas, como usa seu corpo no espaço, como usa sua voz, como se movimenta, se expressa e também como se interrompe. Em outras palavras, é através da ênfase na forma que podemos observar como os clientes constroem suas possibilidades de satisfação na relação com o mundo, bem como se alienam, se interrompem, se dessensibilizam e se imobilizam. O grande desafio do manejo clínico em psicoterapia é exatamente lidar com as expectativas que incidem sobre a psicoterapia, sobre a relação terapêutica e sobre o trabalho do psicoterapeuta, de modo que não percamos de vista a ênfase na forma. A essa demanda enunciada pelo cliente junto ao psicoterapeuta, denominaremos “apelo” e é frente a tal apelo que o psicoterapeuta precisará se posicionar para a partir dele realizar suas intervenções. Para Perls (1977), o critério de um tratamento bem sucedido é atingir o grau de integração que facilite seu próprio desenvolvimento (p.78) Para que tal objetivo seja alcançado, a Gestalt-Terapia propõe formas de intervenção clinica baseadas na descrição e frustração dos ajustamentos evitativos e no convite a descrição fenomenológica da experiência do cliente. Tal forma de intervenção propicia por um lado, a emergência segura de situação ansiogenicas, as quais o cliente responde por meio de ajustamentos neuróticos; por outro, o estabelecimento de novos fundos de experiências a partir do uso de experimentos (Zinker, 2007) que o permitem criar outras formas de ajustamentos mais saudáveis. Sendo assim, concluímos que os critérios de uma psicoterapia bem sucedida repousam na fidelidade do psicoterapeuta as formulações teóricas originais da Gestalt-Terapia, com ênfase no método fenomenológico e suas derivações técnicas. Palavras-chave: objetivos da clinica; papel do psicoterapeuta. PROPOSTA Com base na literatura disponível em Gestalt-Terapia, constatamos a presença de uma discussão incipiente a respeito dos critérios relativos ao que seria uma psicoterapia bem sucedida. A pergunta acerca do que daria ao psicoterapeuta a convicção de que seu trabalho foi realizado a contento e de que suas intervenções aconteceram a favor do incremento da saúde psicológica do seu cliente, obtém respostas pouco precisas no bojo da literatura gestáltica disponível. A escassez de literatura sobre o tema também nos priva da oportunidade de refletir acerca dos objetivos da clinica gestáltica e, particularmente, da posição ocupada pelo psicoterapeuta diante daquele que o procura e de seu papel como gestalt-terapeuta, fundamentado no alicerce dos pressupostos teóricos da abordagem. Seria o objetivo da clinica gestáltica atender a demanda dos clientes para que os transformemos em pessoas diferentes? O u colaborar com as expectativas do contexto escolar no que concerne a um parâmetro de rendimento e comportamento estabelecido para todas as crianças? Ou ainda aplacar a ansiedade dos responsáveis, da escola, de outros profissionais e da própria criança apontada por eles? Ou de corroborar os diagnósticos da moda que coisificam a pessoa e medicalizam a espontaneidade? Ou de descobrir os meandros sutis e inconscientes da gênese dos comportamentos apresentados pelo cliente para depois explicá-lo e traduzi-lo para ele mesmo e o mundo que o cerca? Ou finalmente de ajustá-lo, produzindo comportamentos adequados e aceitos em sua família e grupo social? Como se posicionaria o psicoterapeuta diante do apelo daqueles que o procuram no cenário contemporâneo? Seria o psicoterapeuta um cuidador oferecendo seu saber e suas soluções para aqueles que não o conseguem fazer de forma autônoma? Seria o psicoterapeuta um prestador de serviços realizando algo para o cli ente que ele mesmo não gostaria de fazer e que, portanto, resolveu terceirizar? Seria o psicoterapeuta um mestre, um oráculo, um ser superior que precisará acompanhar a pessoa por toda a vida? Ou ainda um modificador de comportamento, um “cirurgião plástico da alma”, que com suas técnicas manipulará e moldará as pessoas às demandas da sociedade de consumo? Segundo Perls, Hefferline e Goodman (1997) é característico da neurose a presença de tentativas criativas de aniquilação ou disfarce de excitamentos ansiogênicos e diante disso, o psicoterapeuta é convidado a ocupar o lugar de parceiro na tentativa de manter tais excitamentos sob controle. Em outras palavras, o que as pessoas que nos procuram esperam é que as ajudemos a se manterem ainda mais eficientes em seus ajustamentos neuróticos, já que sozinhas não conseguem mais dar cabo a empreitada, sendo que a satisfação desses apelos é o que elas entendem como uma psicoterapia bem sucedida . Verificar quais são as expectativas dos clientes e esclarecer exatamente o que podemos fazer, ou seja, em que consiste de fato o nosso trabalho, quais as possibilidades e limitações, é tarefa primordial do psicoterapeuta desde o momento inicial da terapia. É de igual importância que o psicoterapeuta possa prestar atenção em suas próprias expectativas e fantasias, tais como a de entender tudo de uma vez só, de fornecer devoluções mirabolantes e respostas geniais, de ser aceito e amado e de ser visto como o profissional perfeito. Identificar esses elementos em nós mesmos é condição básica para que possamos trabalhá-los, evitando assim interferências na tarefa terapêutica. Fundamentar o critério de “sucesso” de uma psicoterapia na remissão dos sintomas apresentados por ocasião da queixa é uma tentação comum, bem como argumentá-lo a partir da satisfação dos apelos da família, cônjuge ou grupo social, ou ainda da amenização e estabilização de quadros psicopatológicos. Trabalhar para a resolução de problemas e aniquilação de sintomas, com a promessa de cura e a consequente possibilidade de alta enunciada pelo psicoterapeuta, significantes herdados da ciência médica, muitas vezes termina por perpassar a condução do processo terapêutico, levando-nos a questionar a respeito do que afinal de contas é o objeto de intervenção clinica na Gestalt-Terapia e quando e de que forma isso é realizado satisfatoriamente. Acreditamos que rever tais pontos e formular respostas às questões levantadas, contribui para delinearmos um contorno mais claro para o papel do Gestalt-terapeuta, permitindo uma clareza maior a respeito de suas possibilidades de intervenção, cumprindo assim efetivamente a tarefa clinica a que a Gestalt-Terapia se propõe. Utilizaremos como base para essa discussão o referencial formulado por Perls, Hefferline e Goodman (1997) na obra inaugura l da Gestalt-Terapia, os escritos posteriores de Perls (1977; 1979) e as recentes contribuições ao campo da Gestalt-Terapia, apresentadas por Robine ( 2006 ) e Granzotto & Granzotto (2007). Tendo como base tal referencial, que aponta para a possibilidade do exercício de trás diferentes clinicas em Gestalt-Terapia neurose, psicose e aflição - cabe ressaltar que nos ocuparemos aqui exclusivamente da discussão em torno das vicissitudes da clinica da neurose e do que seria uma psicoterapia bem sucedida dentro dessa perspectiva. BIBLIOGRAFIA GRANZOTTO & GRANZOTTO. Fenomenologia e Gestalt-Terapia. São Paulo: Summus, 2007. PERLS, HEFFERLINE & GOODMAN. Gestalt-Terapia. São Paulo: Summus, 1997. PERSL, F. A abordagem gestaltica e testemunha ocular da terapia. Rio de Janeiro: Zahar, 1977. RIBEIRO, W. .Existência - Essência: Desafios teóricos e práticos das psicoterapias relacionais. São Paulo: Summus, 1998. ROBINE, J.M. O self desdobrado: perspectiva de campo em Gestalt-Terapia. São Paulo: Summus, 2006. ZINKER, J. Processo criativo em Gestalt-Terapia. São Paulo: Summus, 2007.

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Publicado

2014-07-29