MR 3: GESTALT-TERAPIA EM COMUNIDADES: CORPOREIDADE, ARTE E CLÍNICA

Autores

  • Monica Botelho Alvim

Resumo

MR 3: GESTALT-TERAPIA EM COMUNIDADES: CORPOREIDADE, ARTE E CLÍNICA Mônica Botelho Alvim RESUMO Este trabalho discute a atuação do Gestalt-terapeuta em comunidades, buscando, a partir de uma prática extensionista com jovens de favelas cariocas, caracterizar essa forma de atuação. O projeto "Expressão e Transformação" trabalha de modo interdisciplinar os processos de subjetivação de adolescentes das comunidades. Trabalhando a partir da Gestalt-Terapia em parceria com artistas, oferecemos aos jovens um trabalho em grupo que visa proporcionar a eles a possibilidade expressiva e transformadora. No trabalho ora proposto, buscamos refletir acerca dessa prática psicológica comunitária, abordando seus principais referenciais metodológicos e o modo de intervenção e discutindo alguns fundamentos da postura do terapeuta nesse contexto. Pretendemos refletir ainda sobre a necessidade de adoção de uma perspectiva transdisciplinar. Palavras–chave: comunidades, corpo, arte. PROPOSTA Apoiado na Experiment-ação, o projeto Expressão e Transformação vem desenhando uma prática psicológica clínica da Gestalt-terapia no âmbito comunitário. Em nossa prática, fundamentada na Gestalt-Terapia e no pensamento de Merleau-Ponty, colocamos como proposta metodológica central a experiment-ação (Alvim, 2007), entendendo que o foco na experiência implica atenção ao corpo como espontaneidade que cria e conhece por meio de sua práxis, em sua imbricação no mundo. Uma praktognosia, tal como denomina Merleau-Ponty. Concebemos o fazer artístico como possibilidade expressiva e transformadora, em especial no trabalho com os jovens. A arte não é tomada apenas como recurso, mas como experiência que reacende o corpo – núcleo de significação da existência. A Gestalt-Terapia é uma clínica da experiência que “visa, em ultima instância, ampliar a capacidade de awareness, cuja dimensão inaugural é o corpo semsível, excitável e vibrante diante da diferença e da novidade do mundo e do outro” (Alvim, 2011) Merleau-Ponty se utiliza da categoria trabalho quando se refere ao corpo como uma estrutura que dota o humano do sentido da possibilidade e o projeta no âmbito da produção de novas estruturas, ação transformadora da natureza. O trabalho para ele é fala - falante-, aquela que diz o que ainda não foi falado. Nossa proposta metodológica parte de um modelo clínico enquanto práxis transformadora na comunidade e, neste sentido, é trabalho. O trabalho é criação, é estruturante (psíquico). Permite Ser por meio da experiência da criação. “O ser é o que exige de nós criação para que dele tenhamos experiência”, afirmou Merleau-Ponty (2000). Buscamos contribuir para uma psicologia interessada na retomada da dimensão sensível da consciência. Do ponto de vista do método, a experiment-ação visa produzir um trabalho que possibilite ampliação de consciência, um alargamento da possibilidade de awareness. Um retorno ao sensível, ver-se vendo, ver-se fazendo, interagindo, para que se produza o novo, o diferente. Um trabalho de ressignificação do mundo e da existência. O trabalho com os processos grupais é uma prática já instituída na Gestalt-terapia e em nosso trabalho buscamos promover um trabalho do grupo permanecendo do âmbito da intersubjetividade e da intercorporeidade.. A partir do referencial da Gestalt-Terapia, consideramos as interações processos complexos, construídos e reconstruídos cotidianamente e que devem ser estudados como uma totalidade, tendo em consideração suas faces bio-psico-sócio-cultural-política. A passagem da clínica individual para os processos clínicos no âmbito da comunidade é uma nuance que está implicada com tal compreensão. É imprescindível considerar a realidade sócio-cultural-política com um fator de grande relevância na composição do espaço vital e do campo. Um trabalho clínico na comunidade necessita agregar ao olhar clínico uma perspectiva que propicie aos sujeitos a construção e ampliação de consciência crítica como um primeiro e importante passo para a transformação Buscamos, em nossa práxis, orientarmo-nos pelo campo, buscando manter nossa presença e nossa atenção às forças presentes; não colocar à frente nossas expectativas; manter o olhar em perspectiva; considerar sempre a situação; manter a escuta aberta, compreensiva, curiosa e ao mesmo tempo crítica, no sentido de não-ingênua. Considerando ser a Gestalt-terapia uma abordagem de tradição fenomenológica, não podemos conceber o sujeito apartado da cultura, da sociedade e suas relações. Uma perspectiva fenomenológica que orienta a teoria e a prática da Gestalt-Terapia e que consideramos fundamental no momento de inserirmo-nos na comunidade. O papel do psicólogo, nessa perspectiva, não é de especialista frente aos "problemas psicológicos" daquela população, tampouco de assistencialista. De acordo com Andrade e Morato (2004, p. 347), necessitamos de "outra postura ética em que não existe um saber dado a priori, ou uma verdade a ser transmitida, mas uma construção conjunta de sentidos". Visão que nos conduz a uma pedagogia da autonomia, como propôs Paulo Freire (2009). Uma postura que resgate a confiança na criação e na possibilidade da diferença. Tal pedagogia não prescinde da experiência e do risco. Bondía (2002, p.18) afirma que a experiência é aquilo que nos passa, toca, afeta. Para ele, o sujeito da experiência não é aquele da informação, da opinião, do saber, mas, “território de passagem”, aquele que se abre e permite ser afetado, que sofre, uma espécie de passividade. Ele ressalta: Trata-se, porém, de uma passividade anterior à oposição entre ativo e passivo, de uma passividade feita de paixão, de padecimento, de paciência, de atenção, como uma receptividade primeira, como uma disponibilidade fundamental, como uma abertura essencial (op.cit, p.19). A experiência está envolvida radicalmente com a aventura e o risco, dimensões humanas esquecidas e evitadas. Em trabalho anterior (Alvim, 2007), onde discutimos a experiment-ação, buscamos a origem etimológica da palavra experiência que envolve a palavra experientia, que significa prova, ensaio, tentativa e o radical peri, do latim, periculum, que significa perigo e risco. Assim, experimenta-ção é uma “ação que experimenta o risco. Arriscar-se, aventurar-se, atirar-se (..) verbos indicadores de ações que mobilizam o ser rumo ao desconhecido, ao novo, ao estranho. A sair dos limites daquilo que está circunscrito ou limitado pelo alcance de nossa visão” (op.cit., p.326). De acordo com Bondía: O sujeito da experiência é um sujeito “ex-pos-to”. Do ponto de vista da experiência, o importante não é nem a posição (nossa maneira de pormos), nem a “o-posição” (nossa maneira de opormos), nem a “imposição” (nossa maneira de impormos), nem a “proposição” (nossa maneira de propormos), mas a “exposição”, nossa maneira de “ex-pormos”, com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e de risco. Por isso é incapaz de experiência aquele que se põe, ou se opõe, ou se impõe, ou se propõe, mas não se “ex-põe”. É incapaz de experiência aquele a quem nada lhe passa, a quem nada lhe acontece, a quem nada lhe sucede, a quem nada o toca, nada lhe chega, nada o afeta, a quem nada o ameaça, a quem nada ocorre (Bondía, 2002, p.19) A formação do psicólogo clínico deve ser uma formação integral, que atue na mudança e no desenvolvimento pessoal. O terapeuta precisa, antes de tudo, assumir-se como ser e presença diante do outro. Abrir-se para a diferença e para o outro permite lidar com a impotência, ambiguidade e com a complexidade do fenômeno humano. Freire (2009) propõe para a prática educativo-crítica uma postura de “propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e com o professor ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar” (p.41). Para ele, a formação e o ensino traz uma exigência estética inseparável da exigência ética. A interdisciplinaridade está sintonizada com propostas que preconizam a experiência e a busca de paradigmas estéticos e expressivos, fundando uma ética da experiência, da criação e da diferença. Tais propostas se mostram de perspectivas diversas, como em Paulo Freire (op.cit), quando propõe que “ensinar exige estética e ética (...) exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação” (p.7). Vasconcelos (2009b) atribui a Sousa Santos, Guattari e Adorno um lugar de destaque na busca de uma “racionalidade estético-expressiva” (p.111). De acordo com o autor, Guattari “propõe que as ciências humanas transitem de um paradigma cientificista ou interpretativo para paradigmas ético-estéticos” (Vasconcelos, 2009b, p.66). A Gestalt-Terapia é plantada firmemente em um contexto de valores estéticos tanto quanto de idéias psicológicas, tendo sido concebida por pensadores e clínicos envolvidos em disciplinas artísticas: poesia, música, dança e teatro, que “encontraram nas artes uma visão de funcionamento ideal, a qual eles estenderam a toda atividade humana. Essa visão tornou-se a sua medida de saúde e doença e guiou sua prática em psicoterapia” (Miller, 1980, p. 1) É com base nesse referencial interdisciplinar e estético-expressivo que dirijimos nossa prática, buscando oferecer aos jovens, através da arte, da estética e do despertar do corpo e sua sabedoria, uma postura crítica, “um contraponto à uma nova ordem mundial predominante e tida como natural e inevitável”, mantendo vivo “o sonho e a utopia” por essa ordem recusados. (Freire, 2009, p.14). O trabalho e a pesquisa clínica no contexto comunitário indicam o movimento da psicologia rumo a um novo paradigma que busca o inter-relacionamento de disciplinas, áreas e campos de atuação do psicólogo. A Gestalt-Terapia, ainda que tenha origem da experiência clinica de consultório, se expandiu hoje para os ambientes educacional, organizacional e hospitalar, podendo ser inserida no trabalho comunitário. Com esse mesmo entendimento, buscamos uma clínica, tal como propõe Alvim (2009) "comprometida com fenômenos sociais e da cultura, tendo a possibilidade expressiva (ser na diferença) como elemento preventivo e terapêutico para o sofrimento psíquico e promotor de saúde mental e social". BIBLIOGRAFIA ALVIM, M.B. Desafios para a Psicoterapia diante dos dilemas da Contemporaneidade: a diferença, o público e o privado. Comunicação oral no CONPSI - 6º Congresso Norte-nordeste de Psicologia. Belém, 2009. ANDRADE, A.N. & Morato, H.T.P.M. A dimensão ética (e moral) das práticas institucionais. Revista Estudos de Psicologia UFRN, Natal, v. 09, nº 02, 2004. p.345-353. ALVIM, M.B. (2007) Ato artístico e ato psicoterápico como Experiment-ação: diálogos entre a fenomenologia de Merleau-Ponty, a arte de Lygia Clark e a Gestalt-Terapia. Tese de doutorado. Brasília: UnB/ Instituto de Psicologia ALVIM, M. B. Experiência Estética e corporeidade: fragmentos de um diálogo entre Gestalt-Terapia, Arte e Fenomenologia. Estudos e Pesquisas em Psicologia, UERJ, RJ, ANO 7, N. 1, 1º semestre de 2007b. BONDÍA, J.L. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista Brasileira de Educação, n.º 19, Jan/Fev/Mar/Abr 2002, p.20-28. Disponível em: http://www.anped.org.br/rbe/rbe/rbe.htm. Acesso em 02.01.2012 FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia - Saberes necessários à prática educativa. São Paulo, 39ª ed., Brasil: Paz e Terra (Coleção Leitura), 2009. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido, 17ª. ed. , 49ª reimpressão, São Paulo, Paz e Terra, 2010 PERLS, F. Hefferline, R. & Goodman, P. (1951/1997). Gestalt-Terapia. São Paulo: Summus. PERLS, L. Living at the boundary. New York: The Gestalt Journal Press,1992. ROBINE, J. M. O self desdobrado. São Paulo: Summus Ed., 2006

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Publicado

2014-07-29