Vilã ou aliada? Contribuições da Gestalt-terapia para um olhar clínico da procrastinação
Palavras-chave:
Procrastinação, gestalt-terapia, autorregulaçãoResumo
A procrastinação tem sido vista como uma grande vilã da produtividade intensa esperada pela cultura ocidental. Em uma lógica consumista-capitalista-mercadológica, é interessante que o indivíduo esteja sempre ocupado com alguma tarefa, para que se distancie de si mesmo e busque preencher o vazio existencial consumindo produtos, serviços ou informações que tragam a ilusão de completude. O objetivo é justamente que não exista um tempo de pausa e reflexão: o ritmo de vida deve ser acelerado, acompanhando o acelerado ritmo das mudanças tecnológicas. As pessoas se mantêm desconectadas de si mesmas e desaprendem a vivenciar a pausa e, quando necessário, essa experiencia pode gerar um extremo desconforto. Esse contexto social é importante para explicar o fundo em que emerge a figura da procrastinação como demanda em psicoterapia. Procrastinar pode ser definido é o ato de não iniciar ou não dar continuidade a alguma tarefa que a pessoa entenda como necessária. Esse “não-fazer” pode trazer prejuízos concretos, como a perda de algum compromisso, e abstratos, como a sensação de incapacidade. Seja como for, torna-se um comportamento aparentemente inadequado para a pessoa que o vivencia. Portanto, é muito comum que a queixa da procrastinação apareça na clínica com essa configuração: um problema quase com vida própria, que precisa ser exterminado o mais rápido possível. É preciso, então, que o psicoterapeuta tenha atenção redobrada para receber essa demanda e olhar para além da incompreensão do cliente. Partindo do princípio de que o organismo busca se autorregular, a procrastinação não deve ser entendida como uma vilã. Ao contrário, ela se apresenta como um sintoma, ou seja, é o melhor ajustamento possível que foi encontrado pelo cliente na sua tentativa de busca pela saúde. Portanto, o desafio que se apresenta ao psicoterapeuta é o de validar a dor do cliente, que está desconfortável com seu próprio comportamento, enquanto, ao mesmo tempo, investiga de forma compreensiva a função da procrastinação a cada situação que se apresenta. Alguns casos clínicos são apresentados, para ilustrar a articulação desse tema a conceitos centrais da Gestalt-terapia. De uma forma compreensiva, apreciativa e investigativa, a procrastinação se confirma como uma importante via de trabalho terapêutico, que pode indicar caminhos de mais saúde na vida do paciente.