PIMENTEL, Adelma; VIANNA, Deivisson; LIMA, Acácia M.P. – “Pesquisa exploratória da ansiedade em universitários de medicina da UFPR/Curitiba

ARTIGO

Pesquisa exploratória da ansiedade em universitários de medicina da UFPR/Curitiba

Exploratory research on perceptions of anxiety in medical university students at UFPR/Curitiba

      Adelma Pimentel

      Deivisson Vianna

      Acácia M. P. de Lima

        

RESUMO

Um estudo qualitativo exploratório para identificar as formas que a ansiedade se manifestou na vivência de universitários do curso de medicina de Universidade Federal, Campus de Curitiba. Aprovado por Comitê de Ética, parecer 6.570.058. Método: questionário na plataforma virtual Google forms, perguntas abertas sobre qualidades e defeitos; percepção social; pensamentos e medos recorrentes; modos de lidar com a ansiedade; e uma entrevista semi-dirigida, presencial gravada em áudio sobre as demandas discentes em saúde mental; os encaminhamentos e soluções mediadas pelo Diretório Acadêmico; perfil dos alunos com ansiedade. Critérios de inclusão: voluntários, independente de gênero, cor/etnia; entre 18 e 30 anos de qualquer classe social e período do curso. Critérios de exclusão: menos de 18 e mais de 31anos, com diagnóstico de transtornos mentais distintos do espectro da ansiedade, doenças neurológicas e psiquiátricas crônicas. Resultados: indicadores de ansiedade: piadas, bullying, alguns professores imprimem medo; temer o cancelamento social; volume de trabalhos, provas, ter que decorar; inseguranças; impotência. Conclusão: o curso é fortemente influenciado pelo modelo de sociedade capitalista, orientada por símbolos de riqueza; a Gestalt-terapia pode subsidiar o estudante a realizar escolhas criativas próprias, e contribuir para o cuidado com a expressividade e a regulação da vida social baseada na autonomia e na critica as fontes causadoras de opressão social.

Palavras chave: ansiedade; medicina; universitários; Gestalt-terapia.

ABSTRACT

An exploratory qualitative study to identify the ways in which anxiety manifested itself in the experiences of medical students at the Federal University, Curitiba Campus. Approved by the Ethics Committee, opinion 6,570,058. Method: questionnaire on the Google forms virtual platform, open questions about qualities and defects; social perception; recurring thoughts and fears; ways of dealing with anxiety; and a semi-directed, face-to-face interview recorded in audio about student demands in mental health; referrals and solutions mediated by the Academic Directory; profile of students with anxiety. Inclusion criteria: volunteers, regardless of gender, color/ethnicity; between 18 and 30 years old of any social class and course period. Exclusion criteria: under 18 and over 31 years old, diagnosed with mental disorders other than the anxiety spectrum, neurological and chronic psychiatric illnesses. Results: anxiety indicators: jokes, bullying, some teachers convey fear; fear social cancellation; volume of work, tests, having to memorize; insecurities; impotence. Conclusion: the course is strongly influenced by the capitalist society model, guided by symbols of wealth; Gestalt therapy can support the student in making their own creative choices, and contribute to caring for expressiveness and regulating social life based on autonomy and criticizing the sources that cause social oppression.

Keywords: anxiety; medicine; College students; Gestalt therapy.

INTRODUÇÃO

O que é a ansiedade? Uma resposta no contexto da Psicopatologia tradicional baseada em descrição de sintomas: é uma doença. Com esta réplica o psiquiatra faz as demais indagações: quais as causas? Quais sintomas e os prejuízos, por exemplo na esfera Ocupacional. Devido a limitação deste enfoque, em base a Gestalt-terapia e a Psicologia/ Psicopatologia Fenomenológica Existencial consideramos perguntar acerca da pessoa e sua vivência: Quem é o sujeito que adoece; o que sente; quais as formas que a vivencia da sua ansiedade se manifesta? Com este enfoque reformulamos a lógica epistêmica da explicação para a compreensão; da doença para a pessoa; assim, o sofrimento subjetivo e intersubjetivo é colocado como referências para o cuidado, não unicamente para o tratamento da doença. Assim, o ponto de partida e de chegada no trabalho na clínica em saúde psíquica é sempre a experiência localizada em contextos concretos onde ocorre. Os significados dos sintomas indicam a maneira singular que cada pessoa elabora respostas as contingências humanas que geram sofrimento. (Pimentel, 2024)

Com este fundamento realizamos um estudo qualitativo de sondagem, objetivando identificar as formas que a ansiedade se manifestou na vivência de universitários do curso de medicina da Universidade Federal do Paraná, Campus de Curitiba para refletir e contribuir a prevenção de agravos em saúde, e oferecer a gestão do curso insumos para sua política interna de prevenção.

A Faculdade de Medicina (e a Universidade como um todo) é atendida por um serviço de Psicologia vinculado à Pró-reitoria de Assuntos Estudantis, criado em 2016, para realizar “acolhimento, escuta qualificada do (s) /a (s) estudante (s) por demanda espontânea e/ou através de encaminhamentos das coordenações de curso, Programas de Orientação Acadêmica e/ou qualquer outro encaminhamento da comunidade universitária. O princípio da equidade da assistência norteia esta prática, de modo que são priorizadas situações vinculadas à realidade de estudantes em vulnerabilidade socioeconômica. (http://www.prae.ufpr.br/prae/atendimento/atendimento-psicologico/)

No Brasil, Hahn, Ferraz & Giglio (1999, p 82) descreveram aspectos da história da saúde dos universitários no século XX, a partir de observações no ambulatório de psiquiatria do Hospital-escola da Faculdade de Medicina de Botucatu, na Unicamp e na universidade estadual de São Carlos. Os autores afirmaram que “são necessárias ações de promoção e prevenção na área de saúde mental comunitária, um trabalho multidisciplinar em saúde e educação”. Na escritura, ainda apontam a Universidade de Recife como marco da “Criação do primeiro serviço de Higiene Mental e Psicologia Clínica no Brasil, junto à cadeira de clínica psiquiátrica da Faculdade de Medicina” (p.85)

Estas informações evidenciam a adesão a uma concepção clássica e ultrapassada de saúde mental dirigida à normalização dos comportamentos. De acordo com Facchinetti, Mota & Munhoz (2022, p 83), a expressão “Higiene Mental é atribuída ao psiquiatra suíço Adolf Meyer, uma estratégia de ação e um itinerário político na psiquiatria”...”Voltada à profilaxia das doenças mentais” (Hahn, Ferraz & Giglio, 1999, p.84).

METODOLOGIA

O estudo foi aprovado por Comitê de Ética, parecer número 6.570.058. Inicialmente contatamos o Diretório Acadêmico (DA) do curso de Medicina para apresentar o projeto de pesquisa, e obter uma visão geral das solicitações discentes acerca da vivência da ansiedade, bem como das estratégias que a gestão usava para prevenção em saúde mental. Em seguida nos comunicamos com quatro professores do departamento de saúde coletiva solicitando que, apresentassem a equipe de pesquisa aos alunos das turmas, em que ministravam atividades curriculares obrigatórias. Posteriormente elaborou-se questionário na plataforma virtual Google forms com um grupo de perguntas abertas, envolvendo a descrição do jeito de ser: qualidades e defeitos; percepção social; pensamentos e medos recorrentes ou persistentes, modos de lidar com a ansiedade; e realizou-se como uma universitária uma entrevista semi-dirigida, presencial gravada em áudio, em que as perguntas foram: quais as demandas discentes em saúde mental; os encaminhamentos e soluções mediadas pelo Diretório Acadêmico; perfil dos alunos com ansiedade.

Os critérios de inclusão foram:  participantes voluntários, independente de sexo/gênero, cor/etnia; idade entre 18 e 30 anos; qualquer classe social e período do curso. Os critérios de exclusão foram:  universitários com menos de 18 e com mais de 31anos, com diagnóstico de transtornos mentais distintos do espectro da ansiedade, doenças neurológicas e psiquiátricas crônicas, descritas no DSM-V.

Para coletar respostas, a equipe de pesquisa foi a sala de aula de cada professor parceiro apresentar aos alunos a pesquisa, o convite e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Após obter a anuência dos colaboradores, com a assinatura do TCLE foi respondido o questionário. Para as análises das respostas considerou-se a hermenêutica da linguagem, e diálogo com a literatura científica (2020 a 2023) obtida nas bases de dados Scielo, Medline, e Bireme. A sistematização das respostas dos estudantes foi organizada nas categorias: a) personalidade; b) vivência da ansiedade, situando comportamentos, ações terapêuticas, medicamentos; c) suporte desejado na universidade; d) funcionamento do DA; e) demandas em saúde mental; f) práticas abusivas e racismo;

Participaram deste estudo qualitativo sete acadêmicos, sendo seis do primeiro ano do curso de medicina, duas mulheres e quatro homens. Para apresentação das percepções usamos nomes de árvores típicas do Sul do Brasil: Orquídea; Araucária e Bracatinga e Pitangueira; para os homens: Paineira, Alfeneiro, Juvevê, Ipê-roxo.

RESULTADOS

Demandas em saúde mental

No Diretório Acadêmico há uma Diretoria de Assuntos Estudantis (DAE), que cuida de questões de saúde mental dos alunos, problemas de relação, de assédio entre os alunos, acolhe denúncias, e envia para os órgãos da universidade. Há um elevado grau de ansiedade dos alunos do primeiro e do último ano. Esta vivencia é devida, respectivamente, a mudança de um modo de estudar no ensino médio, e pela proximidade à conclusão do curso, em que, muitas vezes, alguns sentem que não sabem nada, e, ainda, não tem emprego. (Orquídea)

Durante o ano de 2023 a DAE foi notificada de um caso de tentativa de suicídio; um outro caso de um menino que estava com ideação suicida, com crise de pânico. O encaminhamento foi enviar para consulta para ele na Psicologia.  

As questões atendidas pela DAE incluem diversas vulnerabilidades dos estudantes que impactam, indiretamente, a saúde mental, teve uma menina que foi expulsa de casa porque a mãe descobriu que ela era lésbica.  A gente conseguiu encaminhar ela tanto para apoio psicológico, quanto apoio de auxílio moradia, auxílio alimentação porque os pais tinham se livrado mesmo dela, e não estavam cuidando de nada; Às vezes, a pessoa tem uma cota para entrar no curso, só que a universidade não tem uma estrutura para manter ela dentro do curso. Então tem uma evasão muito grande de pessoas PCDs no curso é um sofrimento muito grande entre elas também. Pessoas longe da família, que vieram de outras cidades para morar aqui.   (Orquídea)

O perfil dos discentes que vivenciam a ansiedade, depressão e vulnerabilidades implica uma análise dos processos de entrar no curso:

São 50% de cotas para baixa renda, negros pardos, PCD.  Não sei exatamente, mas pela quantidade de cotas, eu diria que mais ou menos deve ser uns 25% ou 30% de alunos negros. Apesar de ter a cota, quando a gente olha as nossas turmas em si são bem homogêneas.  Tem poucas pessoas negras. A grande maioria é classe média, média alta, tem gente muito rica, então é bem homogêneo.

Orquídea apontou que há um conjunto de agentes que promovem pressão psicológica entre os estudantes, a gente vê muito entre os alunos crise de choro e ansiedade durante as aulas. Tem bastante gente que acaba não conseguindo ir para aula por causa de ansiedade. Em período de receber nota também. Eu acho que depressão é muito forte também entre os alunos, não só tentativa de suicídio: “não tenho vontade de estudar, não tenho vontade de ir pra aula, uma sensação de, não adianta eu ir que não vai dar em nada, vou continuar indo mal”. Há muita cobrança por desempenho.  Acho que o perfil do aluno de medicina é um aluno que geralmente é alguém que estudou muito, é uma pessoa que geralmente ia bem na escola, foi super bem no vestibular, tende para se cobrar demais. E a estrutura da universidade, dos professores, como um todo de querer que o aluno seja sempre muito bom, saiba tudo sempre. Às vezes até a família, porque você faz medicina, então, acaba te cobrando mais. Como se fosse uma coisa muito extraordinária.

Racismo e abusos

Foi descrito por Orquídea várias formas de abusos e racismo nas relações no curso,

A gente tem que fazer as denúncias; conversar com a pessoa, encaminhar para atendimento psicológico, porque as pessoas ficam bem abaladas psicologicamente. Geralmente essas denúncias envolvem professor, ou colegas. A pessoa se sente muito vulnerável dentro da estrutura da universidade. A gente compartilha nota de repúdio do coletivo negro.

Embora a DAE tente exercer ações de proteção acerca dos abusos, elas ficam limitadas ao âmbito formal. O relato aponta uma avaliação crítica da falta de sentido de algumas práticas abusivas entre professores contra estudantes, e entre estudantes. Importante ressaltar que Orquídea não generalizou a postura de violações a todos os docentes e a todos os estudantes - Claro que tem muitos professores bons que a gente tem.

O que depreendemos da narrativa de Orquídea foi que os universitários ao entrar na universidade vivenciam perdas da condição de adolescente no ciclo do desenvolvimento, e não recebem suportes para o modelo pedagógico peculiar ao curso de medicina, precisando fazer esforços pessoais para ajustamento criativo, o que nem sempre é alcançado, favorecendo a manifestação da ansiedade. Conforme Pacheco (et al, 2017, p. 30), Sintomas de ansiedade e de depressão são comuns no decorrer de qualquer curso superior, porém quando se trata do curso de medicina. Essa graduação, por sua dinâmica extenuante, desencadeia nos universitários, estresse, ansiedade e depressão, o que afeta drasticamente sua qualidade de vida.”

Passamos a situar o que os universitários revelaram em relação a personalidade, o jeito de ser de cada um e a vivência da ansiedade, organizados no quadro abaixo:

Quadro 1. Jeito de ser

Fonte: autores, 2024.

 A vivência da ansiedade foi caracterizada pelos universitários elencando as principais qualidades e defeitos: Araucária: compreensiva e atenciosa; Bracatinga: sincera, carismática; Paineira: Compreensivo, focado e leal; Alfeneiro: Otimista, alegre, sociável, empático, criativo, inteligente; Juvevê: Inteligente, leal, determinado, persistente, perfeccionista e carinhoso; Ipê-roxo: Minhas principais qualidades são a capacidade de gerir pessoas, ser extremamente calmo e bem relacionado. Os principais defeitos foram: Araucária: Me importo muito com a opinião alheia; Bracatinga: teimosa; Paineira: Ansiedade, insegurança e teimoso; Alfeneiro: não humilde se acham passar do ponto em conversas (falar demais) egoísta querer chamar atenção demais hiperatividade; Juvevê: tímido, preocupado, impulsivo, perfeccionista e inseguro. Ipê-roxo: Meus defeitos são: dificuldade em negar algo ou lidar com a necessidade de levar a rejeição para terceiros. Costumo assumir muitas responsabilidades que não me cabem, mesmo enxergando que pessoas têm visões diferentes gosto de tentar molda-las para que tudo seja o “mais eficiente” possível. Muitas vezes creio que tenho dificuldade de mudar de opinião em relação a muitas coisas inclusive em relação a pessoas

            Quanto ao modo de serem vistos, ou seja, a percepção social, temos que Araucária considera que as pessoas lhe acham compreensiva e atenciosa; Bracatinga: espontânea e divertida, sociável; Paineira: Uma pessoa que não se enxerga como realmente é e que por vezes deixa a ansiedade e pessimismo tomarem conta, por vezes deixando isso atrapalhar a vida familiar, profissional e no relacionamento; Alfeneiro: as pessoas me percebem como alegre, participativa, social e sem vergonha. As vezes posso ser visto como muito desinibido e gera transtornos com meus relacionamentos sociais; Juvevê: fechado, introvertido, engraçado e persistente. Um pouco ansioso e preocupado; Ipê-roxo: As pessoas me percebem como uma pessoa geralmente que tranquila, que lida bem com os demais e já ouvi muitas vezes que transmito paz.

Acerca das relações na universidade as respostas foram: Araucária apontou: Acredito que pela personalidade acolhedora, consigo criar um ambiente mais agradável para meus colegas; Bracatinga: devido ao meu carisma sou muito sociável; Paineira: Por me considerar leal, possuo poucos amigos mas que sabem que podem confiar na amizade minhas qualidades influenciam as relações na forma exposta na resposta anterior, facilidade em fazer amizades, facilidade em me relacionar;  Alfeneiro: minhas qualidades influenciam as relações na forma exposta na resposta anterior, facilidade em fazer amizades, facilidade em me relacionar; Juvevê: Demorei a fazer amizades por conta da personalidade mais introvertida, mas desde quando fiz, faço o máximo para defendê-los; Ipê-roxo: Minhas qualidades fazem com que eu consiga manter relacionamentos saudáveis com algumas pessoas com maturidade e sinceridade.

 Forma e dinâmica da ansiedade

Araucária: O fato de me preocupar tanto com a opinião alheia toma um tempo considerável da minha rotina e chega a moldar minhas ações; Bracatinga: a utopia de que tenho que saber de tudo; Paineira: Por ser focado, não me importo o quão difícil seja a atividade, sempre tento fazer da melhor maneira possível. Em relação aos defeitos, entendo que a insegurança e ansiedade me impedem de me envolver em mais projetos e atividades extracurriculares; Alfeneiro: minha postura alegre e participativa me ajuda no processo de fazer amizades, tenho facilidade em fazer amizades, porém a mesma característica positiva de conversar demais me leva a relações negativas, sendo julgados por fazer piadas em momentos inconvenientes e muitas vezes julgado por chamar atenção demais e por isso criando algumas inimizades com colegas de turma; Juvevê: Dificultam a participação durante as aulas e na hora de tirar dúvidas. No entanto, me ajudam a aprender melhor o conteúdo em casa e melhor me preparar para as provas; Ipê-roxo: Acho que minhas qualidades me ajudam a ter um bom relacionamento geral, não costumo criar inimizades e tenho o costume de me fechar em grupos com relacionamentos mais duradouros. Meus defeitos fazem com que eu tenha um distanciamento maior com algumas pessoas e muitas vezes nem me abro a determinados indivíduos por timidez ou falta de vontade de alcançar novos contatos. O que acaba limitando minha rede.

Alguns fatores de agenciamento da ansiedade no curso estão dispostos no quadro abaixo

Quadro 2. Fontes de ansiedade

Fonte: os autores

Os universitários consideram que a pressão de cursar medicina provoca: em Araucária: somatização, dores de cabeça quase que diárias, me isolo; tenho síndrome do intestino irritável, aftas, roo unhas;  Bracatinga: não consigo dormir, e estudo mais para alcançar meu objetivo; medo de perder a concentração uso cafeína, pó de guaraná e estimulantes; Paineira: Entendo ser necessária para a profissão; Alfeneiro: a pressão até agora está sendo leve e tranquilo de lidar; Juvevê: Sempre em conversa com os familiares; Ipê-roxo: Ainda não vivenciei muitos problemas, mas sinto que a carga horária muito cheia me afeta em me afastar de coisas que gostaria de fazer. Como por exemplo voltar a treinar judô que era algo muito presente na minha vida.  Ressalto efeitos físico e psicológico da vivência da ansiedade: Araucária.

Figura 3. Medos associados a ansiedade e situações que os provocam

 

Sobre os pensamentos recorrentes e persistentes temos: Araucária: Que todos me odeiam, que eu sou burra, preguiçosa...Bracatinga: envergonhar quem me ama;  Paineira: Possibilidade de desistir; Alfeneiro: ansioso com medo de cancelamento e com medo dos colegas não gostarem de mim; Juvevê: Raramente tenho pensamentos do tipo. Quando os tenho, penso que tudo vai dar errado; Ipê-roxo: Geralmente é a tentativa constante de não estar preparado e que deveria fazer

mais. Mesmo que não seja uma responsabilidade minha penso sempre em como resolver. As formas de lidar com os pensamentos incluem em: Araucária: Não lido com meus pensamnetos; Bracatinga não lido; Paineira: Procuro pensar e focar somente nos pontos os quais tenho controle; Alfeneiro: ir pra festa, conversar com amigos e com os pais; Juvevê: Tiro um tempo para analisar os eventos e possíveis consequências; Ipê-roxo: Lido sempre com a tentativa de resolver ou canalizar esses problemas pra não me afetar, utilizá-los ao mesmo.

As estratégias de lidar com a ansiedade foram: Araucária: Não lido, isso me atrapalha porque acaba prejudicando meus estudos e relações pessoais; Bracatinga: não sei; Paineira: Procuro fazer exercícios físicos; Alfeneiro: lido com ansiedade conversando com meus pais, meus colegas, encontrando os amigos em festas e me divertindo; a prática de esportes com certeza também me ajuda; Juvevê: Converso com meus parentes e amigos que já passaram por situações semelhantes; Ipê-roxo: Lido com minha ansiedade tentando me distrair com outras coisas e pensando principalmente o que eu posso fazer e o quanto x coisa me afeta. Geralmente tento pensar que quando não posso fazer nada ignoro a situação para amenizar a ansiedade desnecessária; Lido tentando me distrair e não me preocupando mesmo que muitas vezes não seja 100% eficientes. Atividades que me distraiam como atividade física e festa me ajudam também;

Os suportes que os acadêmicos gostariam de receber na universidade são: Araucária: Apoio psicológico para o tratamento dessa ansiedade que é quase incapacitante; Bracatinga: psicoterapia; Paineira: Formas de estudar e apoio a saúde mental; Alfeneiro: apoio de coordenadores que limitem a militância e o cancelamento dentro de sala de aula, sinto que há um abuso mental dos alunos que não se enquadram em nenhuma minoria e acabam ficando muitas vezes cercados e impedidos de agir e se expressar da maneira que queiram; Juvevê: Um corpo docente decente. Como estou no início do curso, não cheguei a precisar de muito auxílio extracurricular; Ipê-roxo: Creio que dentro dos meus aspectos ainda não necessito de apoio direto, mas talvez mais espaços de descanso para utilizar as janelas de aula para verdadeiramente repousar seria importante.

DISCUSSÃO

Em conjunto, os indicadores contribuem para conhecer, compreender e desenvolver políticas internas em saúde mental. A ansiedade de Araucária é vivenciada em manifestação psicossomática, ela tem síndrome do intestino irritável (SII),

85% dizem que os sintomas coincidiram ou foram precedidos por problemas psicológicos como conflitos emocionais, grandes tensões, morte de parente. É comum que problemas emocionais exacerbem os sintomas. Os pacientes demonstram ansiedade e depressão; às vezes “fobias”. O ponto central da abordagem psicológica é fazer com que o paciente reconheça os fatores que a desencadeiam, e aprenda a lidar com eles. Raramente o psiquiatra precisa ser consultado. (Damião &  Moraes-Filho, 2001)

Outros indicadores de ansiedade citados pelos participantes da pesquisa, no cotidiano em sala de aula foram: piadas, bullying, alguns professores imprimem medo; quando temem o cancelamento social; ter inimizades; sair da turma e ficar fora do grupo inicial com quem começou o curso. Destacamos a preocupação com o volume de trabalhos, provas, ter que decorar e não assimilar; inseguranças; impotência.

De acordo com Pacheco (et.all, 2017, p. 30)

A evitação/fuga é a principal maneira que os estudantes de Medicina usam para lidar com o estresse.... Os programas de graduação médica devem ser avaliados de maneira crítica de forma a garantir que o estresse nos discentes se mantenha em um nível manejável. É importante cuidar das relações aluno/aluno, aluno/professor, da saúde mental de alunos que escolheram dedicar suas vidas a cuidar da vida de outrem.

O “cancelamento social”, é outra situação importante de situar. Melo & Vasques (2021, p 5) conceituam a “cultura do cancelamento" como, “A tentativa de ajustar condutas inadequadas por supostas transgressões sociais”.  Além disso, afirmam que se manifesta em duas formas: na interação pessoal, o “boicote”, e mediada pelas redes sociais virtuais, derivada de “Uma visão binária do mundo para o ativismo que pode se configurar como inquisitorial, desconectado com a luta por equidade e inclusão. Ora, em sala de aula o “boicote” faz parte do “currículo oculto”.

Sobre o “currículo oculto”, Farias, (2017, p.2) refere que são “Modos de vivência e convivência dos alunos nas escolas, especialmente quanto ao que não está escrito nem é determinação expressa dos entes educacionais para cumprimento pelos alunos. O autor completa, “Toda e qualquer norma, atitude, maneira de falar, de vestir, de andar, comportar, por parte daquelas pessoas que exercem influência no recinto escolar, tudo isso faz parte do que se pretende ensinar, por exemplo, o conformismo, o individualismo e a obediência”. (p.9). A partir deste fundamento pensamos na problemática de uma próxima pesquisa qualitativa: as ideologias que permeiam o universo da formação de médicos mantêm um círculo vicioso, manifesto na ausência dos mesmos na participação de reuniões nos Centros de Atenção Psicossocial?

Por fim consideramos que para os discentes compreendam e lidem melhor com os fatores que provocam ansiedade no curso: medo, impotência, insegurança, pensamentos recorrentes é necessário a pratica do cuidado solicitude, diálogo, superação de preconceitos sobre a saúde mental da equipe que realiza cuidados do outro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A fenomenologia existencial na focalização da ansiedade permite desvelar os sentimentos e as significações que as formas da ansiedade adquirem na vida da pessoa; e  a clínica Gestáltica permite  aproximar-nos dos aspectos subjetivos da vivência da ansiedade, enfatizando a compreensão das sínteses pessoais oriundas da visão de mundo, bem como concretizar o protagonismo dos clientes em seu tratamento e cuidado.

Realizar pesquisas empíricas em enfoque qualitativo é fundamental para conhecermos a complexidade intrínseca e vinculada a vivência da ansiedade dos universitários de medicina. Os perigos reais e os imaginados provocam pensamentos recorrentes, medo e energia acumulada sobrecarregando o corpo, sem finalizar a realização da necessidade, devido a percepção distorcida da valência das mesmas, o que impede a pessoa de identificar o que precisa de atenção imediata. Os resultados dos estudos podem contribuir para que a gestão do curso refine ou crie uma política permanente de cuidados psíquicos, o que favorece que os universitários ampliem a consciência do processo emocional ligado a formação em medicina, possibilitando desenvolver suportes para perceber saídas, alternativas modos de confrontar as ações que lhes geram ansiedade.

No modelo de sociedade capitalista e orientada por símbolos de riqueza, a intervenção clínica em Gestalt-terapia pode subsidiar a efetividade das escolhas pelos estudantes, ou seja, refutar as exigências que imputam modos de existir irrealistas, padronizados abrindo espaço para ser quem é.

Também a abordagem gestáltica das formas de vivenciar a ansiedade, aplicada em contextos universitários pode contribuir para o cuidado com a expressividade e a regulação da vida social baseada na autonomia e na critica as fontes causadoras de opressão social.

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