MARIANNA, Débora; CAVALCANTI, Danielle. – “A mulher no puerpério e seus aspectos emocionais: uma visão gestáltica”.

ARTIGO

A mulher no puerpério e seus aspectos emocionais: uma visão gestáltica

Women in the puerperium and their emotional aspects: a gestalt view

Débora Marianna                

Danielle Cavalcanti


RESUMO         

No campo vivencial da mulher no puerpério, pode ser vivido diversas peculiaridades existenciais que são manifestações indivisíveis as dimensões biológicas, psicológicas, sociais e espirituais, partindo da compreensão do ser humano como um ser biopsicossocioespiritual, solicitando da mulher a capacidade de um constante ajustamento criativo. Tal vivência é compreendida como um processo singular e pode ser atravessada pelo sofrimento, dependendo do contexto em que ocorre. O presente artigo tem como finalidade compreender os aspectos emocionais que permeiam a mulher no período puerperal. Como resultados, revelou conhecimentos relacionados a pluralidade de vivências das mulheres no puerpério, reconhecendo a individualidade, além do cuidado integral as mulheres durante o período puerperal, onde foi visto que para que elas possam exercer a função materna, além do desenvolvimento de seu autossuporte, considerando a importância de uma rede de apoio como heterossuporte. Assim como também se constatou a importância e o desenvolvimento de mais estudos acadêmicos como prevenção e promoção da vivência da mulher no puerpério a partir de uma visão gestáltica.

Palavras-chave: Gestalt-Terapia, Maternidade, Puerpério.

ABSTRACT

In the experiential field of the woman in the puerperium, diverse existential peculiarities can be experienced that are indivisible manifestations of the biological, psychological, social, and spiritual dimensions, starting from the understanding of the human being as a biopsychosocialspiritual being, requiring the woman to have the ability to constantly adjust creatively. Such an experience is understood as a singular process and can be crossed by suffering, depending on the context in which it occurs. The present article aims to understand the emotional aspects that permeate the woman in the puerperal period. As a result, it revealed knowledge related to the plurality of women's experiences in the puerperium, recognizing individuality, in addition to comprehensive care for women during the puerperal period, where it was seen that in order for them to exercise the maternal function, in addition to the development of their self-support, considering the importance of a support network as heterosupport. Likewise, the importance and development of more academic studies as prevention and promotion of the woman's experience in the puerperium from a gestalt perspective were also found.

Keywords: Gestalt-Therapy, Maternity, Puerperium.


INTRODUÇÃO

A experiência de gestar uma vida, do nascimento do bebê e do tornar-se mãe, são momentos significativos vividos pelas mulheres. Conforme Arrais (2005, p.19), “O puerpério é definido como o período que sucede o pós-parto, esse período pode ser estendido por sessenta dias após o nascimento do bebê.” (apud JESUS, 2017). O organismo da mulher passa por diversas mudanças para a volta do seu estado pré-gestacional. Não obstante, Gutman (2016) retrata esse momento do puerpério para além desse período de sessenta dias, pois não se trata da visão isolada as mudanças no corpo físico, mas sim da totalidade em que cada mulher vive.

De acordo com Gutman (2013):

Parece-me oportuno considerar o período puerperal como um rito de passagem que dura pelo menos dois anos, ao longo dos quais a mãe compartilha seu campo emocional fusionalmente com o campo emocional do bebê. É a época em que a díade “mãe-bebê” navega no mar de acordo com suas próprias leis: lentas, apaziguadas, silenciosas, redondas, ressonantes e misteriosas. Durante esse processo, o mundo distante fica ainda mais longe. Essa experiência pode provocar alterações repentinas de consciência e clarões de intuição. (pág. 23).

Nesse contexto, o tornar-se mãe é um processo de transição para cada mulher, pois o início da maternidade pode gerar dúvidas e mudanças, encontrando diversas formas de sentimentos ambivalentes, que se tornam singulares na vida de cada uma. Essas transformações significativas, de acordo com Maldonado (2000, p.25) estão relacionadas à “reorganização da vida, aquisição de novos aprendizados, adaptação à nova fase, conciliação com a vida profissional”, entre outros. Visto que implicam em mudanças profundas na relação conjugal, reorganização dos seus papéis sociais, na ressignificação de seu lugar no mundo e sua identidade.

A experiência da maternidade causa, segundo Maldonado (1980 apud Tourinho, 2009, p.3), uma reconfiguração do self, pois com a chegada dos filhos, a formação da rede de comunicação entre a família sofre alterações com um filho, o que é diferente de possuir dois e assim sucessivamente. Conforme Bock (1999), fala que “A maneira como percebemos um determinado estímulo irá desencadear nosso comportamento.” É uma reacomodação daquilo que se é, do que foi construído na vida da mulher até dado momento, para aquilo que vai se tornar a ser.

De acordo com o Manual Técnico de Pré Natal e Puerpério do Ministério da Saúde (2006), concorda que os aspectos emocionais da gravidez, do parto e do puerpério, são reconhecidos hoje, quando há diversos estudos que retratam esse período como um tempo de grandes transformações psíquicas, que acontece uma importante transição existencial na vida da mulher.

Conforme Jesus (2017), as mulheres no período da gestação e no puerpério, sofrem algumas alterações como: cansaço físico, falta/excesso do apetite, insônia ou sono em excesso, nível de ansiedade elevado, sentimento de tristeza, desamparo e angústia, dificuldades na relação conjugal, aproximação ou afastamento do parceiro e alterações no humor. Dentro da visão gestáltica do processo de adoecimento, compreende-se de forma multifatorial as manifestações de patologias, como por exemplo a depressão pós-parto (ou depressão puerperal).

Todavia, Sarmento e Setubal (2003) relatam que com a chegada do bebê, a mulher desperta episódios de ansiedade e sintomas depressivos comuns ao momento vivido. Assim como são necessários o acompanhamento familiar e o trabalho psicoterapêutico durante a gravidez, no puerpério se torna fundamental esse cuidado e acolhimento, onde muitas vezes isso pode ser confundido com a depressão patológica. Importante ressaltar que, ao falar de uma mulher que passou por um processo de gravidez, parto e agora está no período do puerpério, buscar a sua autorregulação entre os sentimentos agradáveis e desagradáveis, dentro do processo de autoconhecimento de sentimentos que são legítimos para um período rodeado de transformações é de suma importância para a sua saúde mental de forma saudável. Com isso, Gutman (2017), reflete sobre o cuidado que deve ter no diagnóstico da depressão pós-parto, pois relata que:

Para que uma depressão pós-parto real se instale é necessário haver um importante desequilíbrio emocional ou psíquico anterior ao parto, somado à experiência de um parto malcuidado (uma cesariana abusiva, ter passado pelo parto sozinha ou sem a companhia de afetos, ter sido vítima de ameaças durante o trabalho de parto ou ter sofrido desprezo ou humilhações por parte dos assistentes), agregando também uma cota importante de desproteção emocional depois dele. (Pág. 23).

Entretanto, ela reforça que a mulher poderá lidar com essas alterações de diferentes formas, a depender dos recursos em que ela enfrentará essas mudanças, como o apoio emocional, solidariedade, companhia, espaço de escuta, distanciando-se da patologização, superando o desconcerto que pode ser produzido com sua inquietação emocional.

É imprescindível compreender com mais intensidade os aspectos emocionais da mulher que vivencia o puerpério e suas possíveis implicações, analisar as influências e possibilidades da rede de apoio como contribuinte para uma vivência saudável da maternidade e ampliar conhecimentos teóricos relativos à mulher no puerpério, sob o olhar da Gestalt-terapia, abordagem teórica que foi utilizada no seguinte artigo.

Portanto, esse artigo trata-se de uma pesquisa teórica, com procedimento bibliográfico, buscando compreender os aspectos emocionais da mulher que vivencia o puerpério, tendo como perspectiva a Gestalt-terapia como linha teórica de embasamento, uma abordagem humanista, fenomenológica e existencial, que se preocupa com a valorização do humano, compreendendo o ser humano na sua totalidade e seu potencial criativo.

Considerou-se conveniente a utilização da abordagem qualitativa, mais adequada para um maior aprofundamento do fenômeno pesquisado, de natureza básica e objetivos exploratórios. Foi utilizado referenciais teóricos relativos a esse tema, por meio de fontes como artigos de periódicos científicos, datado entre 1988 a 2017, disponibilizados na biblioteca SciELO, utilizando dos seguintes descritores: Gestalt-terapia, puerpério, mulher, maternidade e aspectos emocionais.

UM OLHAR DA GESTALT-TERAPIA PARA VIVÊNCIA DO PUERPÉRIO

A Gestalt-terapia possui uma visão holística de ser humano e de mundo, o que se compreende que o sujeito é visto como um todo, sendo ele maior que a soma de suas partes, pois só pode ser entendido dentro das interações entre as partes que o compõem, no campo com o qual está em relação. Em termos equivalentes à gestação, a mulher em seus aspectos emocionais, fisiológicos, ambiente e os fenômenos que emergem, são manifestações de um todo integral (Brito, 2015). Uma das teorias básicas utilizadas pela Gestalt-terapia é a Teoria de Campo, tendo como um dos expoentes Kurt Lewin, a qual aqui se evidencia para a compreensão da interação entre indivíduo-meio

Yontef (1998) relata que todas as partes que existem e acontecem no mundo do sujeito pertencem a um campo onde se inter-relacionam, no qual nenhum fenômeno pode ser visto de maneira isolada, visto que é apenas uma parte desse campo onde é dinâmico e não estático, ou seja, a todo o momento ele pode se reconfigurar. A mulher no puerpério vive uma experiência complexa que a todo momento se reorganiza de acordo com as suas necessidades, como fruto da interação do meio, o todo é reorganizado, surge uma nova organização, uma nova Gestalt. Considerando, então, esta relação de indivíduo-meio, a partir da Gestalt-terapia, a compreensão desse momento de vida da mulher no puerpério como único e singular de cada uma delas.

Fonseca (2010) relata que a maternagem emerge na construção de vínculos que se estabelecem na relação. Desta maneira, a forma como se dá a essa experiência, o sentido e o contato do campo de cada puérpera são fundamentais na compreensão singular. Contudo, ainda na visão deste autor, a forma, ou seja, o tocar, olhar, falar, ouvir e a qualidade do contato será manifesto de maneiras diferentes, pois considera-se a história de vida de cada mulher, os contatos que ela estabeleceu e os significados que atribuiu a este maternar. As vivências desses contatos estabelecidos ocorrem no campo do indivíduo, onde o sentido depende da percepção entre individuo-meio. Portanto, a experienciação, significação e organização do campo de cada sujeito determinarão a qualidade do contato estabelecido (RIBEIRO, 1997, P.13).

É fundamental compreender a diferenciação entre a capacidade de reprodução e a maternidade. A capacidade de reprodução é uma condição biológica a algumas mulheres, entretanto, a maternidade consiste num fenômeno social e cultural. Arrais e Mourão (2013) afirmam que a experiência de ser mãe está longe de ser algo de ordem biológica e que não impreterivelmente irá oferecer apenas momentos alegres, muito menos somente momentos tristes, pois se apresentará de forma única, singular, de acordo com as condições e escolhas de cada mulher, independentemente de sua capacidade reprodutiva.

Ainda hoje, persiste diversas concepções ao que se relaciona o ser mulher e o ser mãe, levando o ponto de vista do instinto materno ou que a mulher possui um dom da maternidade. Embora, como já foi dito aqui que essa experiência da maternidade vai para além de ser algo biológico, observa-se essa relação referente ao meio de construção de vinculação afetiva do cuidado e do acolhimento da mãe com seu bebê.

Perls, Hefferline, Goodman (1997, [1951], p. 45) certificam que “todo contato é ajustamento criativo do organismo e ambiente. Resposta consciente no campo como orientação e como manipulação é o instrumento de crescimento do campo”. Entende-se como ajustamento criativo, o ato de ajustar-se criativamente, com o movimento de autorregulação organísmica, dando abertura para o novo, as diferentes possibilidades, interações com o organismo e o meio no qual está inserido, e o processo de adaptação a diversos estímulos. Segundo Ribeiro (2006) o sujeito passa por esse processo de autorregulação organísmica no mundo e por meio dele, ou seja, quando há o equilíbrio entre corpo-meio.

Nesse caso, a forma como a mulher se relaciona com o seu meio caracteriza-se como ajustamento criativo, pois suas vivências no puerpério são formas de criatividade e adaptação às mudanças resultantes da maternidade, onde ela passa pelo processo de autorregulação organísmica ao interagir com o organismo-meio.

A criatividade tem duas ligações; uma com o ato criativo e com os criados. [...] a outra ligação é com a espontaneidade, sendo esta considerada a matriz do crescimento criativo. Espontaneidade-automaticidade, que deixava de considerar os mais profundos significados da espontaneidade, tornando-a de certo modo incontrolável e particularmente característica do comportamento animal. (MORENO, 1984, p. 147).

O indivíduo deve possuir essa capacidade de ajustamento para, assim, possuir um equilíbrio com o meio, estimulando o modo criativo de ser e agir com o mundo. Para Mendonça (1997, p. 6), o ajustamento criativo pode ser definido como “todo processo que nos facilita a continuidade da vida; a sobrevivência, o desenvolvimento, o crescimento, não só na dimensão orgânica corporal, como nas dimensões psíquica, social e espiritual”. Mendonça (1997, p. 6) acrescenta, por fim, que “[...] a autorregulação é a tendência natural e inata do organismo de se reequilibrar, quando o seu equilíbrio biológico ou psíquico é interrompido”.

Ciornai (1995) ressalta pela perspectiva da Gestalt-terapia, que a visão de ser humano é considerada como um ser que se transforma constantemente, onde a ideia de um ser pronto não cabe. Partindo desta premissa, a mulher puérpera tem como possibilidade reorganizar-se através da sua relação com o meio, mesmo com circunstâncias adversas, o seu organismo é capaz de desenvolver meios adaptativos, podendo lidar de forma criativa, elaborando cada vez mais sua experiência de forma única e singular. Nesse sentido, é possível considerar que a Gestalt-terapia busca compreender as vivências de forma singular, pois o modo como é vivido e sentido cada experiência depende também do seu fundo e da sua relação com o mundo.

De acordo com Cardella (2014), a criatividade e o ajustamento devem ser dependentes um do outro, pois o ajustamento sem a criatividade é uma adaptação em excesso naquele meio, já a criatividade sem o ajustamento não há uma funcionalidade, ela ainda acrescenta que: 

Ajustar-se criativamente é viver a vida como fluxo, na interação com os outros e os acontecimentos, apropriando-se e criando recursos, assumindo a responsabilidade e a cocriação do próprio destino – pois, se não podemos determinar integralmente o que nos acontece, somos livres para escolher e responsáveis por como vamos viver as experiências, ofertando ou não a elas um sentido (p.114).

Assim, a forma como esse contato acontece no momento do puerpério, essa mulher pode tornar-se transformadora do seu momento de vida, viabilizando a recriação da sua realidade. Ainda para a autora, ajustar-se criativamente é colocar sua própria marca nos acontecimentos da vida, atualizando, assim, suas potencialidades e singularidades, reinventando-se constantemente nesse processo.

A mulher puérpera experimenta uma ambivalência de sentimentos interno-externo, que por muitas vezes tem dificuldade de integrar, visto que a sociedade ainda romantiza esse período da maternidade como um momento mágico, a mãe que ama incondicionalmente o seu filho e que visa a maternidade como fenômeno natural e biológico. Gutman (2017), analisa essas exigências sociais, quando menciona que:

Nossa sociedade tem pressa em voltar à normalidade. Todos querem que a mãe volte a ser a mesma de antes, que emagreça depressa, que interrompa a lactação, que volte ao trabalho, que se mostre esplêndida.... Enfim, que esteja afinada com os tempos que vivemos. É a era da internet, do e-mail, do telefone celular, da televisão via satélite, dos aviões e das estradas de alta velocidade. O mundo anda na velocidade da luz enquanto as mães submergem nas trevas do recolhimento, conservando suas novas formas e pedindo silêncio. (pág. 29)

Esses, entre outros conflitos, podem dificultar nessa integração, fazendo com que a mulher atravesse seu processo maternal negando a si mesma. Sendo assim, disponibilizar um espaço de escuta que promova acolhimento, autoconhecimento, podendo refletir sobre as suas vivências é fundamental para estimular a integração dessas mulheres de maneira saudável (GUSMÃO, 2014).

Ribeiro (2006) reflete sobre o cuidado como “olhar a pessoa como uma totalidade, é olhá-la como ela se apresenta a si mesma e ao outro, é respeitar o outro em sua integridade” (p. 100). Portanto, observa-se que a compreensão ao momento vivido e a singularidade da mulher puérpera, vendo-a de forma integrada, é primordial para fornecer um ambiente seguro, podendo manter uma relação saudável consigo e com o mundo.

De acordo com Zinker (2007) quanto mais ferramentas e recursos esse indivíduo possui, cada vez mais ele desenvolve seu processo de ajustamento criativo, tendo mais possibilidades de viver o mundo de forma mais saudável e funcional. De maneira geral, a mulher no puerpério, marcada pela ambivalência de sentimentos: alegria, tristeza, euforia, cansaço, medo, surpresa, que possui um meio com uma grande limitação de exposição desses sentimentos, dificulta a relação natural da criatividade. Estar em um campo limitante pode afetar diretamente os seus recursos. Portanto, o heterossuporte é crucial para o encontro dessa e outras potencialidades.

Gutman (2013) retratou que nesse início da maternidade, o suporte é essencial no papel de esteio emocional da mulher, pois por muitas vezes acredita-se que todo ser humano é autossuficiente, ou seja, tem que dar conta de tudo sozinho.

Seja quem for a pessoa apoiadora, a verdade é que precisamos de, pelo menos, uma. Da própria mãe. De outra mãe capaz de substituí-la. De alguma amiga experiente ou com excelente disposição para nos ajudar. De uma rede de amigas. De um grupo de mães que se reúnam para ficar menos sozinhas e compartilhar experiências. (GUTMAN, 2013, pág. 21).

Uma rede de apoio pode ter função reparadora para essa mulher puérpera, lhe dando suporte necessário para que não se sinta desamparada e solitária. Pois, historicamente, a criação das crianças era feita em grupos como aldeias e tribos. Segundo Andrade (2014), o suporte é essencial para qualquer contato, onde, na ausência deste, pode se desencadear sentimentos e comportamentos disfuncionais, como ansiedade, culpa, insegurança, sobrecarga física e emocional, baixa autoestima.

D’Acri, Lima e Ogler (2007) refletem sobre o pensamento de Perls quando ele fala de hetero e autossuporte, onde dizem que:

A natureza nos dá a dica de que um suporte nutritivo caminha do próximo para o distante, do externo para o interno. Pensemos no bebê no ventre materno, onde recebe, para seu desenvolvimento, tudo de que precisa do meio externo (mãe). À medida que vai desenvolvendo seu autossuporte, se diferencia e distância daquilo que lhe dera suporte inicialmente (receber pronto do meio), direcionando-se para uma autossuficiência (um apoio ancorado mais em si e menos no meio). (pág. 29).

Tendo em vista que a mulher puérpera pode ter diversos heterossuportes, sendo essa sua rede de apoio, ela poderá lidar de forma mais saudável com a experiência vivida, desenvolvendo seu processo de crescimento contínuo, onde o apoio ambiental é transformado em autossuporte.

Gutman (2017) explana a importância desse apoio quando fala que:

Transformar-se em “mãe-bebê” é atravessar o puerpério em um estado de consciência de outra ordem. É preciso que as mães enlouqueçam um pouco, e para isso elas precisam do apoio daqueles que as amam, que lhes permitam abandonar sem risco o mundo racional, as decisões lógicas, o intelecto, as ideias, a atividade, os horários, as obrigações. É indispensável submergir nas águas do oceano do recém-nascido, aceitar as sensações oníricas e abandonar o mundo material. (pág. 25).

Ainda segundo a autora, quando as mães encontram esses espaços no quais o que lhes acontece não só é compartilhado, mas, além disso, é aconselhável, o pós-parto passa a ser um momento de travessia, pois ao avaliar as polaridades, passa a ser algo integrado. As mulheres que têm a intenção de atravessar essa travessia, percebida como um processo de transição existencial, reconhecem a contínua mudança no processo materno. Nesse aspecto, a cada fase do desenvolvimento do filho e da família, há a necessidade de uma nova reconfiguração, de ajustamento criativo e autorregulação organísmica, que não se reduz apenas aos primeiros anos de vida da criança, mas sim, por todo ciclo vital da maternidade.

Nesse contexto, em que a mulher se torna coadjuvante do seu próprio processo, a Gestalt-terapia busca a estimulação da sua awareness, que segundo Ginger (1995) “se caracteriza pela consciência de si e a consciência perceptiva; é a tomada de consciência global no momento presente, a atenção ao conjunto da percepção pessoal, corporal e emocional, interior e ambiental” (p, 254). Auxiliando a parturiente na busca de si mesmo, desenvolvendo seu potencial humano, construindo uma existência mais autêntica, estimulando-a na concentração dos fenômenos no aqui-agora, estando presente de forma genuína e ativa na experiência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa pesquisa não tem o objetivo de dar um marco definitivo a esfera do tema estudado, pelo contrário, abrange pontos a serem explorados e compreendidos nesta temática da maternidade e do puerpério dentro da perspectiva da Gestalt-terapia, onde encontro lacunas de novos estudos a luz dessa abordagem.

Com isso, leva-se em consideração o período do puerpério como um estado significativo na vida de cada mulher, percebemos a importância de caminhar cada vez mais sobre uma percepção mais adequada e acolhedora, respeitando a singularidade de cada uma, entendendo o que representa para ela a chegada de um bebê e de um novo papel que é ser mãe, buscando compreender assim, sua forma de ser e estar no mundo.

É importante estar atento, de forma integrada a vivência de cada mulher, do parto e da maternidade, pois cada maternar é único e singular, podendo ser vivido de formas diferentes. A maternidade traz um mundo de descobertas e transformações, no qual devemos olhar não somente para o bebê que chega, mas também, para a mulher que torna a ser mãe.

Com os possíveis sentimentos ambivalentes diante desse momento, a mulher quando abrange uma integração e se desenvolve de forma funcional, ela reconhece e passa a lidar com situações inacabadas. Logo, a forma como o seu campo se organiza pode influenciar a qualidade de contato consigo e com seu bebê. Quando há uma melhora na qualidade desse contato, a puérpera se permite a reorganizar seu campo de vida, a se adaptar a novas situações, podendo vivenciar esse período de forma mais saudável. A experiência de contato pleno, permite a mulher olhar para dentro de si mesma, revendo comportamento, pensamentos, crenças e valores.

Outro importante aspecto dessa pesquisa foi a relevância de uma rede de apoio como uma ferramenta de heterossuporte para as mulheres no puerpério. Onde é preciso costurar várias formas de suporte, acolhimento, segurança e força. A importância de dar voz a essas mulheres, podem diminuir distâncias na espera do que é desconhecido. O compartilhamento de suas dores e alegrias, dificuldades e aprendizados, tendo acolhimento e cuidado a suas emoções, pode criar assim, um espaço único e potencializador de sua própria experiência como fundamental para sua saúde materna.

Baseado nessas premissas, essa pesquisa procurou compreender a influência do período puerperal nos aspectos emocionais da mulher, promovendo a tomada de consciência do processo do puerpério para as mulheres, famílias, profissionais de saúde e, em geral, a sociedade. É necessário esclarecer que, embora existam psicopatologias acerca do período do ciclo gravídico puerperal, é necessário um olhar para os fenômenos comuns nesse momento vivido, onde pode ser confundido com diagnósticos precoces.

Considera-se de suma importância a busca de conhecimento e aprendizagem dessa temática no contexto acadêmico, não só na graduação de Psicologia, mas também nas graduações da área de saúde. Pois, torna-se indispensável que cada profissional de saúde seja preparado e tenha conhecimento do ciclo gravídico puerperal, agindo de maneira compreensiva e empática, dando o suporte necessário a essa mãe, sua família e o bebê. Além da promoção e prevenção da saúde mental da mulher, onde o tema da maternidade e do puerpério vem sendo mais estudado e discutido nos últimos anos, com um aumento significativo da produção científica sobre o tema a partir da década de 2000.

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Endereço eletrônico:

Débora Marianna

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Danielle Cavalcanti

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Submetido em: 19 de dezembro de 2023
Publicado em: 28 de dezembro de 2023

v. 20 n. 38 (2023): Sumário – IGT na Rede, vol. 20, Nº 38, p. 0 –. Disponível em http://www.igt.psc.br