CONSENTINO, Mariana. – “O Conceito de saúde proposto pela Gestalt-Terapia através dos mecanismos de resistência.”

ARTIGO

O conceito de saúde proposto pela Gestalt-Terapia através dos mecanismos de resistência

The concept of health proposed by Gestalt-Therapy through resistance mechanisms.

Mariana Consentino

        

RESUMO

Este artigo tem como objetivo analisar a perspectiva da contribuição em saúde defendida pela Gestalt-Terapia que foi significativa por meio dos processos em saúde por contato e mecanismos de resistência. Observou-se sobre esses conceitos respeitando a visão fenomenológica defendida pela abordagem e a percepção de homem em constante interação com o ambiente. Perfaz-se o processo entre ajustamento de resistência e o desfavorecer no organismo e ampliação das funções de contato. Aqui, cabe a Metodologia, base de dados das consultas de artigos. Como resultados, foi possível descrever o conceito de saúde na perspectiva gestáltica e reconhecer os mecanismos de resistência em seus múltiplos papéis. O objetivo principal deste artigo é apresentar a visão de saúde da Gestalt-Terapia a partir do entendimento do processo de contato e dos mecanismos de resistência. Acredita-se que com isso ampliar-se-á os estudos da abordagem e, também, servirá como recurso para a compreensão diagnóstica na prática clínica do Gestalt-terapeuta.

Palavras-Chave: Gestalt-Terapia; Saúde; Mecanismos de Resistência; Processo de Contato.

ABSTRACT

This article aims to analyze the perspective of health contribution advocated by Gestalt-Therapy, that was significant through contact health processes and resistance mechanisms. These concepts were observed respecting the phenomenological vision defended by the approach and the perception of man in constant interaction with the environment. The process between adjustment of resistance and disadvantage in the organism and expansion of contact functions is completed. Here, the Methodology, database of article queries, is responsible. As a result, it was possible to describe the concept of health from a Gestalt perspective and recognize resistance mechanisms in their multiple roles. The main objective of this article is to present the health vision of Gestalt Therapy based on the understanding of the contact process and resistance mechanisms. It is believed that this will expand the studies of the approach and will also serve as a resource for diagnostic understanding in the clinical practice of Gestalt therapists.

Keywords: Gestalt-Therapy; Health; Mechanisms of Resistance; Contact Process.


INTRODUÇÃO

A perspectiva de saúde na Gestalt-Terapia envolve ampliar o olhar para os múltiplos fatores que circundam a relação organismo e ambiente. Pretende-se neste artigo apresentar os tais fatores para se compreender o conceito de saúde proposto pela abordagem. Respaldado na ideia de saúde como produto de boas integrações e de um processo de contato livre de interrupções ou bloqueios. Tais interações permitem ao sujeito usar de suas relações com o mundo para modificá-las a seu favor e satisfazer as suas necessidades básicas, relacionais, sociais e emocionais.

Para se esclarecer esse processo é necessário descrever, primeiramente, a visão de homem e de mundo da Gestalt-Terapia, para depois caminhar para o conceito de contato e processo de contato. Por fim, serão apresentados os mecanismos de resistência, suas funções e as repercussões destes na concepção de saúde. O livro A abordagem gestáltica e testemunho ocular da terapia (Perls, 1988) foi utilizado como referência principal para a descrição dos mecanismos de contato. Apesar de outros autores terem contribuído ampliando os conceitos de mecanismos de resistência, foi escolhido não os abordar neste artigo. Estudar a essência é retornar às coisas mesmas, as quais se apresentam em uma relação de interação contínua e fluída com o mundo, e a Gestalt é uma abordagem relacional que valoriza e entende a vida a partir das relações, por isso parte-se da relação homem e mundo como essência deste estudo e do conceito gestáltico de saúde.

Seguindo estes entendimentos, a noção de saúde engloba o ciclo de contato, os ajustamentos criativos e os mecanismos de resistência que vão atuar diante das mobilizações que desorganizam o organismo. A partir dessas mobilizações o sujeito é cativado a buscar em suas experiências formas de sanar as necessidades que aparecem em destaque. O objetivo do organismo é retornar ao equilíbrio, que foi desarmonizado pela figura que se destacou Tais tentativas são a melhor forma encontrada por ele naquele momento, nomeadas de ajustamentos criativos.

Quanto mais o sujeito puder lidar, satisfatoriamente, com as situações que se apresentam, maior é a sua capacidade de ajustar-se criativamente e em melhores condições o seu desenvolvimento acontece. Estudar a essência é buscar entender o entre, o como esse organismo está se ajustando diante desta ou daquela necessidade. O conceito de saúde não é restrito ao bom ou mal funcionamento do organismo, mas a qualidade das suas interações a partir da relação homem e mundo.

Em vista disso, ressalta-se que o objetivo geral deste artigo é apresentar a visão de saúde da Gestalt-Terapia através a partir do entendimento do processo de contato e dos mecanismos de resistência. Acredita-se que com isso ampliar-se-á os estudos da abordagem e, também, servirá como recurso para a compreensão diagnóstica na prática clínica do Gestalt-terapeuta.

METODOLOGIA

A pesquisa trata-se de uma revisão de literatura de cunho descritivo, onde foram utilizados livros de autores de referência na Gestalt e artigos acadêmicos disponíveis na plataforma Scielo - Brasil. A principal referência é o livro Gestalt-Terapia (Perls, Hefferline e Goodman, 1997). Dessa forma, foram selecionados textos relevantes sobre o tema discutido a fim de alcançar o objetivo proposto.

A visão de homem e de mundo à luz da Gestalt-Terapia

Perls, Hefferline e Goodman (1997) defendem uma visão fenomenológica de ser humano. A partir desta, pode-se compreender que o sujeito irá constituir a sua singularidade, unicidade e originalidade através e na sua relação com o meio. Se pensar em estudar o sujeito em sua essência, não é possível entendê-lo sem considerar seu contexto ampliado, os fatores sociais, a família, a cultura e o tempo-histórico em que vive. Aguiar (2015) complementa que é a partir dessas interações ininterruptas com o mundo, desde o nascimento até o fim da vida, que o homem aprende, se diferencia, se transforma e se desenvolve como pessoa com características únicas.

Partindo deste entendimento de sujeito, pode-se pensar que ao longo do ciclo vital e através dessa contínua interação com o meio o sujeito é influenciado e transformado por suas experiências no mundo. O que também evidencia o seu protagonismo ativo nestas experiências, podendo então torná-las mais assimiláveis, sendo este um processo de troca mútua entre organismo e mundo. Para Aguiar (2015), o ser humano já é singular se for considerar a sua genética, mas também por este se constituir com base nas relações que estabelece, nas experiências vividas e nas circunstâncias com as quais precisa lidar, sendo a sua forma final, a cada momento, única e constantemente mutável.

Essa interação foi chamada de contato por Perls, Hefferline e Goodman (1997). O contato é entendido como fluxo ininterrupto que se dá na experiência da relação organismo e ambiente. Ribeiro (2017) concebe o contato como uma energia, uma força presente no ser, aquilo que dá movimento aos corpos. O autor acredita que os corpos se comunicam energeticamente através desse processo, e é neste que o contato acontece e a própria relação organismo e ambiente se dá. Pensando essa energia como movimento, e é no movimento que a relação acontece, dando e recebendo energia, é possível de se entender o contato como uma sensação que é experienciada.

Schillings (2014) discorre que o sujeito está sempre em contato com o mundo, seja para a realização de suas necessidades básicas, seja para necessidades mais complexas como as emocionais e relacionais. Segundo a autora, para haver contato é preciso que algo mobilize ou apareça na fronteira, entre sujeito e ambiente, e provoque uma sensibilização no organismo. Cardella (2014) complementa que na Gestalt-Terapia o sujeito é compreendido como um ser de fronteiras, que está com o outro sem deixar de ser ele mesmo e, também, para poder tornar-se quem é. A fronteira é onde acontece a experiência, é onde se dá o contato, sendo esta uma divisão entre sujeito e mundo ou o sujeito e o outro.

Essa sensibilização representa o início do ciclo do contato. Primeiramente o sujeito é impactado por uma sensação ou excitamento, que representa a fase do pré-contato, a partir da qual ocorre o contato em si e uma figura é formada, figura esta, que é a representação da necessidade em destaque. Uma vez com figuras claras, o organismo busca satisfazê-las a partir das possibilidades oferecidas pelo meio ou com o seu próprio potencial. Com a necessidade satisfeita, a gestalten se fecha, representando a fase do pós-contato, fase em que as experiências são assimiladas e têm-se a nutrição do organismo (Ribeiro, 2017).

Alvim (2016) relata que é no processo de contato que formas espontâneas são geradas. Tais formas podem ser entendidas como sentidos para aquela situação específica. Normalmente, são expressas corporalmente: gestos, expressões faciais, retrações musculares, curvaturas, na fala e nas expressões. A autora continua e defende que cada forma é uma configuração, provisória, que se dá naquela experiência. E mantém-se neste ciclo, até que outra mobilização apareça e a forma se configure ou mude novamente. Esse movimento acontece ao longo de toda a vida, e é através do processo de contato que as experiências são criadas e armazenadas como ferramentas para se usar diante das necessidades e demandas que surgirem posteriormente.

O conceito de saúde, o processo de contato e os mecanismos de resistência

A Gestalt-Terapia irá defender o conceito de saúde através do ciclo de contato e dos ajustamentos criativos. A partir do processo de contato, o sujeito é capturado por algo no mundo, que irá gerar uma mobilização, que poderá ser reconhecida e validada pelas funções de contato e interpretada através dos sentidos: visão, audição, tato etc. Isto que é reconhecido se torna uma figura, que impulsiona o organismo a se movimentar para atendê-la, elaborá-la ou dar conta dela. O objetivo principal do organismo é retomar o equilíbrio, que foi desarmonizado pela figura em destaque. Esse movimento, de tentativa de retorno ao equilíbrio, foi descrito por Perls, Hefferline e Goodman (1997) como autorregulação organísmica.

A forma como o sujeito tentará retomar o equilíbrio foi nomeada de ajustamento criativo por Perls, Hefferline e Goodman (1997), que acreditavam que essa capacidade criadora seria uma característica da natureza humana, algo que nasce com o sujeito e é aprimorado ao longo de seu desenvolvimento e das assimilações feitas a partir das suas experiências no mundo. Quanto mais condições o sujeito tiver para lidar com as situações que se apresentam, de forma satisfatória, maior é a sua capacidade criadora e em melhores condições o seu desenvolvimento acontece. Sendo assim, pode-se entender que naquele momento tal ajustamento criativo é a melhor forma encontrada pelo organismo de enfrentar a situação aparente.

Cardella (2014) faz uma interlocução da Gestalt-Terapia com a poesia de Juan Jimenez, e explica que uma criatividade que ajusta e um ajustamento que cria polaridades que se inter-relacionam vão compor a totalidade. Essa totalidade representa o sujeito e suas diversas características, físicas, biológicas e relacionais, formando assim um todo. Para a autora é a partir do processo de criação de ajustamentos que o sujeito irá se moldar e se constituir. Ajustar-se criativamente é colocar a sua marca nos acontecimentos da vida, personalizando-a, modificando-a e atualizando as potencialidades na relação com o meio.

Segundo Antony (2007), a Gestalt-Terapia defende o desenvolvimento humano como um processo contínuo de ajustamentos criativos impulsionados pela capacidade de autorregulação organísmica. A Gestalt propõe um sujeito em contato com o seu campo e que vai construindo, gradativamente, a sua história através dos seus ajustamentos criativos, participando do mundo, adquirindo recursos e domínio daquilo que é apresentado no mundo, experimentando, integrando e, também, transformando para a sua assimilação. Antony (2007) e Aguiar (2015) acordam que essas aquisições e transformações acontecem desde o nascimento até a morte. Por isso, não defendem um estágio final a ser alcançado, mas a possibilidade de mudança em qualquer momento da vida.

O que foi descrito refere-se a um funcionamento saudável, no qual o ciclo do contato não é bloqueado ou interrompido e a integração do sujeito se dá através de ajustamentos criativos funcionais. Schillings (2014) afirma que um funcionamento saudável consiste no enfrentamento das circunstâncias da vida como elas se apresentam, buscando atender às suas necessidades e as demandas do mundo. Para isso, a pessoa irá usar de sua capacidade criadora para encontrar a melhor forma para aquele momento, fechando a gestalten, dando lugar a outra necessidade e seguindo assim com o fluxo do contato.

Em contradição, pode acontecer de o sujeito não conseguir lidar com a situação em destaque, não fazendo ajustamentos criativos satisfatórios ou até causando mais perdas do que ganhos. Nesse caso, como defendeu Schillings (2014), existe a indisponibilidade na forma criativa de viver e o contato está interrompido ou bloqueado, o que se configura como um funcionamento disfuncional. Para Perls, Hefferline e Goodman (1997), esse funcionamento é entendido como estrutura de contato que se apresenta como excesso de atenção à figura dominante, em que o contato é evitado ou bloqueado e a situação não pode passar de maneira fluida para outra.

Com a tarefa incompleta, o organismo mantém-se em constante tentativa de regulação e a energia de resolução fica presa nessa tarefa. Perls, Hefferline e Goodman (1997): “Todas as vezes que uma tensão suficiente se acumula no organismo para tornar a tarefa dominante, tenta-se novamente encontrar uma solução” (p.101). E com isso, o contato é evitado como proteção contra a ansiedade gerada pela energia contida. Se esse comportamento se repetir, tornando-se habitual, pode-se então considerar esse um funcionamento neurótico.

Perls (1988) defende que a neurose é um funcionamento que surge na interrupção dos processos contínuos da vida e se nutre com as situações incompletas que não puderam prosseguir satisfatoriamente, ou seja, a neurose se dá na interrupção do contato. É a repetição da tentativa de autorregulação organísmica de uma situação anterior, que se apresenta novamente. Com a interrupção do contato a excitação é suprimida, impedindo que novas figuras se formem. Schillings (2014) complementa que a neurose é um ciclo que se retroalimenta. Sem o contato claro, o sujeito não consegue identificar suas fronteiras e fica perdido na relação com o mundo, e consequentemente, não consegue usar de ajustamentos que promovam o seu crescimento.

A fim de ampliar o entendimento do funcionamento saudável e funcionamento neurótico, serão apresentadas as formas de contato retratadas por Perls (1988) e posteriormente ampliadas por Polster e Polster (2001), diferenciando às das formas de evitação de contato e resistência. Reforça-se que outros autores contribuíram com outros conceitos de mecanismos de contato, porém, foi escolhido não os abordar neste artigo. A resistência é qualquer força intrapessoal que interfira no fluxo de contato, atuando como uma barreira para o movimento natural do sujeito. Entretanto, Polster e Polster (2001) defendem que o mecanismo de evitação de contato também pode atuar, igualmente, como defesa do organismo diante de uma possibilidade de ameaça ou quando se julgar que o contato poderá ser prejudicial.

Todo sujeito busca administrar a sua energia a fim de obter um bom contato com seu meio, buscando a autorregulação organísmica descrita anteriormente. Nem sempre aquilo que é oferecido pelo ambiente é bom para o sujeito. Se pensarmos em uma sociedade em constante mudança e crescimento diante da revolução digital por exemplo, tem-se um sujeito com inúmeras possibilidades para o contato acontecer. É importante filtrar aquilo que seja promotor de bons contatos. Polster e Polster (2001): “O crescimento depende da renovação das possibilidades do contato entre os diversos aspectos do indivíduo” (p.82).

Quando o sujeito se depara com algo possivelmente prejudicial, os mecanismos de resistência vão atuar como bloqueios para esse contato, com o objetivo de proteger o organismo dessa possível ameaça. Perls (1988) apresenta quatro mecanismos de resistência: introjeção, projeção, confluência e retroflexão. Polster e Polster (2001) contribuem acrescentando o quinto mecanismo, que foi nomeado de deflexão. Os autores concordam que a resistência pode ser considerada prejudicial quando o bloqueio do contato se tornar um movimento crônico e a função bloqueadora atuar em situações de forma inconsciente e até sem a necessidade de bloqueio.

Na introjeção o sujeito retira do meio aquilo de que precisa, aceitando ou rejeitando o que é oferecido. Perls (1988) descreve que o que é retirado do meio chama-se introjeções ou introjetos, e o mecanismo pelo qual essas introjeções são assimiladas pelo sujeito é a introjeção. Se está sendo defendido um sujeito que se constitui na e a partir da sua relação com o meio, considera-se que é através dos introjetos assimilados que a personalidade se molda e as habilidades necessárias para o desenvolvimento são adquiridas. A introjeção é o mecanismo pelo qual se incorpora normas, modos se ser e agir, comportamentos, valores etc.

Para uma introjeção saudável, o que é absorvido pelo organismo precisa ser assimilado inteiramente, para que se torne do sujeito e que ele possa fazer o que quiser com isso. Ou seja, o sujeito se torna capaz de organizar a experiência para que esta se torne mais acessível, criando aquilo que ele necessita. Como exemplo: pode-se comparar a introjeção com a ingestão de alimentos. Para que a comida vire nutriente para o corpo é preciso que ela seja mastigada e digerida, para então ser absorvida. Ou seja, molda-se algo para que possa ser usado. Se for engolida sem passar por esse processo, o corpo não conseguirá usá-la em sua totalidade.

Na introjeção neurótica o sujeito não tem a oportunidade de desenvolver a sua personalidade de forma autônoma, pois engole o que o meio lhe oferece sem digerir e com isso sem assimilar de forma nutritiva. Sendo assim, as normas, os comportamentos, os modos de ser e de pensar absorvidos não são, verdadeiramente, do sujeito. Perls (1988) complementa que essa personalidade introjetiva fica imobilizada para qualquer crescimento e desenvolvimento posteriores, uma vez que o sujeito fica ocupado administrando as necessidades impostas pelo mundo, enquanto as suas próprias necessidades ficam em segundo plano.

A projeção é a tentativa de transferir a responsabilidade para o meio ou para o outro daquilo que, originalmente, é do sujeito. Polster e Polster (2001) discorrem que ao usar a projeção, o indivíduo não pode aceitar seus sentimentos e necessidades porque acredita que não sejam adequados. Ao negar o que sente, ao negar que sejam seus, está negando uma parte de si mesmo e da sua própria experiência, transferindo essas características para o mundo ou para outra pessoa. Sendo assim, aquele que projeta deixa de ser ativo em seu processo de desenvolvimento, em sua própria vida e passa a viver vítima das circunstâncias, renunciando ao seu poder de escolha.

Perls (1998) complementa que na projeção a fronteira de contato entre sujeito e ambiente é exageradamente deslocada a favor do mecanismo neurótico para que seja possível negar e não aceitar as partes indesejáveis de si. Dessa forma, o sujeito se distancia de sua essência, evita as suas necessidades e passa a agir de acordo com o que o ambiente permite. Polster e Polster (2001) concordam, afirmando que a projeção acontece diante das introjeções neuróticas e podem levar ao sentimento de autodesvalorização e autoalienação.

Por outro lado, na confluência essa fronteira não é identificada, sujeito e ambiente se percebem como um só organismo. Em uma confluência saudável, o sujeito ainda não possui as condições necessárias para se diferenciar do meio e precisa da confluência para se nutrir. Perls (1988) dá como exemplo de confluência saudável as necessidades que um bebê recém-nascido tem dos cuidados dos adultos próximos, e tal contato é fundamental para um primeiro vínculo significativo e que servirá como propulsor do desenvolvimento desse bebê. Ainda segundo o autor, o bebê irá, gradativamente, formar a sua individualidade, criando condições de se diferenciar dessas primeiras relações e do mundo e estabelecendo fronteiras claras.

Porém, quando esse sentimento de identificação se torna crônico e o indivíduo é incapaz de perceber a diferença entre si mesmo e o mundo, o seu desenvolvimento é prejudicado. Um sujeito em confluência não consegue perceber as suas próprias necessidades, pois está imerso na demanda dos outros e do ambiente, não conseguindo discernir o que lhe é próprio e o que é do outro. E com isso, passa a investir as suas energias para dar conta das necessidades que aparecem na confluência, que muitas vezes não condizem com as suas reais necessidades. Perls (1988) afirma que por não reconhecer a fronteira entre indivíduo e mundo, o sujeito confluente não consegue um bom contato nas suas relações, por isso, ele vive as emoções, necessidades e atividades em confusão, até não mais se dar conta do que quer realmente fazer e da forma como se impede de fazê-lo.

Já na retroflexão a fronteira é clara, se reconhece a divisória entre indivíduo e mundo. O sujeito que retroflete faz consigo mesmo o que gostaria de fazer ao outro ou faz consigo o que gostaria que o outro fizesse com ou por ele. Para Perls (1988) na retroflexão se direciona as energias para fora e concentra as atividades para dentro, se colocando no lugar do meio como alvo da necessidade. O autor continua e afirma que o homem não pode simplesmente atender aos seus impulsos e que alguns desses precisam ser contidos, por isso, a retroflexão saudável acontece quando se interrompe um impulso destrutivo.

Polster e Polster (2001) reforçam que quando uma pessoa retroflete constantemente, bloqueando o contato, essa energia fica retida no corpo e não se move para uma ação, uma vez que toda a energia está voltada para a contenção desse impulso. Para que o organismo reestabeleça o equilíbrio é preciso quebrar essa imobilização, dando nova direção para a energia contida. O perigo de direcionar essa energia unicamente para si mesmo é o organismo não suportar e o movimento ser autodestrutivo, podendo desencadear comportamentos que ferem física e emocionalmente o sujeito.

Como forma de complementar o trabalho de Perls (1988), o casal Polster e Polster (2001) criaram o quinto mecanismo de resistência: a deflexão. Os autores o descrevem como manobra para evitar o contato direto com outra pessoa ou com uma situação julgada ameaçadora, com a intenção de diminuir a energia do contato real. Dessa forma, a necessidade fica enfraquecida, e sem uma figura clara a ação é menos efetiva. A deflexão auxilia o organismo diante de uma situação naturalmente difícil de ser vivida, da qual a pessoa precisa diminuir a intensidade do contato para poder estar nessa experiência ou conseguir se afastar.

O problema está quando a pessoa se torna dependente desse mecanismo ou não consegue mais distinguir quando este é necessário. Como o contato é bloqueado ou evitado no funcionamento neurótico, a individualidade é formada por características de um eu não eu. Uma personalidade confusa impede que o sujeito se perceba em sua essência e se diferencie dos outros e do meio no qual está interagindo. Perls (1988) acredita que essa confusão, esse não se identificar, é de fato a neurose, que se apresenta através dos mecanismos de resistência e que caracteriza a desintegração do sujeito e os comportamentos contraditórios aos seus sentimentos e necessidades, gerando com isso o sofrimento.

Se a neurose se constitui a partir de identificações disfuncionais e um contato enfraquecido, pode-se entender que a saúde é o produto de boas identificações e de um processo de contato livre de interrupções. Com isso, pode-se afirmar que a noção de saúde para a Gestalt-Terapia está ligada ao bom funcionamento do organismo, de boas relações e de um fluxo de contato livre e fluido. A partir disso o organismo irá se nutrir de identificações satisfatórias e que promoverão um desenvolvimento saudável.

Vale reforçar que, os mecanismos de resistência não são originalmente prejudiciais para o organismo, pelo contrário, eles atuam como ajustamentos criativos diante da necessidade de organização organísmica. O prejuízo está no enrijecimento dos mecanismos de resistência. Quando esses comportamentos se repetem, sem consciência, com o contato enfraquecido ou bloqueado. O objetivo principal dos ajustamentos criativos é promover satisfação e preenchimento ao sujeito, os mecanismos devem possibilitar que isso aconteça, permitindo ao sujeito nutrir-se de suas relações e modificar o mundo para que possa assimilar as experiências.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para o entendimento de saúde em Gestalt-Terapia, foi descrito a visão de homem e de mundo, a qual se descreve um sujeito em relação com o ambiente e é a partir desta que ele vai construindo gradativamente a sua história. Através de um processo de contato fluido e de ajustamentos criativos funcionais o sujeito participa do mundo, adquire recursos e habilidades, experimenta, transforma e assimila. Como algo natural, o próprio organismo busca pelo retorno ao equilíbrio que permite a possibilidade de o contato acontecer em uma eterna relação de troca.

Sendo assim, o conceito de saúde pode ser entendido como um processo contínuo de ajustamentos criativos e mecanismos de resistência impulsionados pela capacidade criadora de autorregulação organísmica e fruto de um processo de contato fluido, livre de bloqueios e interrupções. O desenvolvimento saudável do sujeito consiste em enfrentar as circunstâncias da vida como elas se apresentam, buscando a melhor forma naquele momento. E para isso, usa-se da capacidade criadora para encontrar o melhor ajustamento para dar conta disso que se apresentou como figura, fechando as gestalten de forma satisfatória, dando lugar a novas experiências, e assim seguindo em um fluxo contínuo ao longo da vida.

Caso o processo de contato tenha algum bloqueio ou evitação, a pessoa não consegue lidar com as circunstâncias de uma boa forma, seus ajustamentos criativos são precários e as suas figuras não são claras o suficiente. Logo, algo impede que a capacidade criadora ocorra de forma satisfatória e o contato é interrompido ou bloqueado, o que este artigo está defendendo como adoecimento. Com o processo de contato bloqueado, a figura em destaque não se resolve, algo fica inacabado e a situação não pode passar espontaneamente para outra.

Diante do exposto, pode-se entender que com um processo de contato obstruído o funcionamento do organismo fica adoecido, com o qual o sujeito irá escrever a sua história a partir de relações enfraquecidas que formam uma personalidade constituída por características de um eu não eu. Com a personalidade confusa, o contato é fraco e o sujeito não consegue se diferenciar ou se perceber em sua essência. Essa confusão é de fato a neurose, que se apresenta através da rigidez dos mecanismos de resistência.

Pode-se concluir que o conceito de saúde na perspectiva da Gestalt-Terapia é fruto de um processo de contato fluido e da atuação dos mecanismos de resistência a fim de promover satisfação e preenchimento às necessidades do sujeito e as circunstâncias do mundo. Esse funcionamento deve possibilitar que o sujeito use de suas relações e experiências para criar, modificar e assimilar aquilo que lhe é necessário. Em suma, se a neurose está na rigidez, então a saúde está no fluxo livre, ela se dá como produto de identificações e ajustamentos satisfatórios.

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Endereço eletrônico:

Débora Marianna

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Submetido em: 29 de julho de 2023
Publicado em: 28 de dezembro de 2023

v. 20 n. 38 (2023): Sumário – IGT na Rede, vol. 20, Nº 38, p. 0 –. Disponível em http://www.igt.psc.br