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CARDOSO, Juliana Antonio – “A Gestalt-terapia no tratamento do transtorno do espectro autista – TEA. Uma intervenção possível”
ARTIGO
A Gestalt-terapia no tratamento do transtorno do espectro autista – TEA. Uma intervenção possível
Gestalt therapy in the treatment of autism spectrum disorder - ASD. A possible intervention
Juliana Antonio Cardoso
Revista IGT na Rede, v. 19, nº 36, 2022. p. 62 – 75. Disponível em http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526
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RESUMO
O artigo apresenta a pesquisa da Gestalt-terapia produzida no Brasil nos últimos vinte anos, cujo objetivo foi levantar os assuntos que os pesquisadores em Gestalt terapia no Brasil têm pesquisado nos últimos vinte anos e sua atuação com pessoas dentro do Transtorno do Espectro Autista - TEA. Utilizou-se a metodologia revisão sistemática rápida combinada a uma revisão bibliométrica, analisou-se os artigos publicados nos periódicos capes de 2002 a 2022, com o descritor “Gestalt-terapia”. Identificou-se na pesquisa que a Gestalt-terapia possui arcabouço teórico que possibilita intervenção com pessoas dentro do Espectro Autista, porém a partir de uma perspectiva diferente das práticas atualmente difundidas. Os artigos analisados são de valiosas contribuições aos interessados na prática clínica em Gestalt-terapia. Contudo a abordagem necessita de mais publicações de estudos com resultados sobre a evolução do tratamento das pessoas com transtorno do espectro autista.
Palavras-Chave: transtorno do espectro autista; Gestalt-terapia; ajustamento criativo.
ABSTRACT
the article presents the Gestalt-therapy research produced in Brazil in the last twenty years, whose objective was to raise the issues that Gestalt-therapy researchers in Brazil have researched in the last twenty years and their performance with people within the Spectrum Disorder Autistic - TEA. The methodology used was a rapid systematic review combined with a bibliometric review, analyzing articles published in CAPES journals from 2002 to 2022, with the descriptor “Gestalt-therapy”. It was identified in the research that Gestalt-therapy has a theoretical framework that allows intervention with people within the Autistic Spectrum, but from a different perspective than the currently widespread practices. The articles analyzed are of valuable contribution to those interested in clinical practice in Gestalt-therapy. However, the approach needs more publications of studies with results on the evolution of the treatment of people with autistic spectrum disorder.
Keywords: autism spectrum disorder; Gestalt therapy; creative adjustment.
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Introdução
De acordo com Côrtes e Albuquerque (2020), o autismo foi incorporado na literatura médica pelo psiquiatra Eugen Bleuler em 1911. A classificação inicial utilizada por ele foi de demência precoce, para aqueles que apresentavam uma fuga à realidade e um isolamento do mundo interior aos pacientes. Posteriormente ele substituiu pelo termo de esquizofrenia. Sendo uma ruptura entre emoção, comportamento e pensamento. Entretanto, Kanner e Asperger (CÔRTES; ALBUQUERQUE, 2020) ao utilizar o termo posteriormente, não tiveram o objetivo de associá-lo ao quadro de esquizofrenia. E sim, fazia referência a um distanciamento do mundo social.
Para Côrtes e Albuquerque (2020), o tratamento ocorre de forma multiprofissional, visto que é um transtorno do neurodesenvolvimento, afetando várias áreas do indivíduo. Dependendo das áreas afetadas, pode ser necessário intervenção de diversos profissionais como médico; psicólogo; fisioterapeuta; terapeuta ocupacional; fonoaudiólogo, psicopedagogo dentre outros.
Neste estudo, há uma associação entre o Transtorno do Espectro Autista – TEA, que pode ser definido de acordo com o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - DSM-V como déficits na comunicação social, interação social e padrões restritivos e repetitivos de comportamento. E na concepção da Gestalt Terapia, que de acordo com Kanner e Asperger (CÔRTES; ALBUQUERQUE, 2020) o TEA é uma dificuldade na fronteira de contato e do self. A pessoa fica fixada na fronteira. Para a Gestalt-terapia o contato é essencial para o crescimento e desenvolvimento do ser humano, sendo por meio dele que nos desenvolvemos. No caso de indivíduos com TEA o contato fica interrompido.
Na atualidade, a análise do comportamento aplicada - ABA é a única prática clínica com evidência científica para o tratamento do transtorno do espectro autista (ABA..., 2018). É importante ressaltar, que é a única, por ter sido a única testada pela comunidade de medicina baseada em evidência (EMB) dos Estados Unidos, pois outras práticas clínicas dentre elas a Gestalt-terapia, não atingiram os critérios para serem testadas no último manual (EMB) realizado em 2014. Isto, não quer dizer que outras práticas clínicas sejam ineficazes. Quer dizer que não foram testadas, por não terem estudos suficientes. Dentre os benefícios da Gestalt-terapia, temos uma intervenção humanista, que visa o acolhimento, propondo intervenções que incentivem o contatar, respeitando os limites do sujeito e valorizando o seu potencial.
O presente artigo tem como objetivo investigar a literatura que associa o Transtorno do Espectro Autista – TEA e a intervenção na Gestalt-Terapia.
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O número de crianças que nascem com o transtorno tem aumentado e tem gerado impacto nas famílias e na sociedade contemporânea. Conforme demonstram os resultados apresentandos no Canal Autismo / revista autismo (PAIVA JR, 2021) De acordo com o relatório do CDC (Centro de Controle de Doenças e Prevenção), publicado em dois de dezembro de dois mil e vinte um, uma em cada quarenta e quatro crianças aos oito anos de idade nos Estados Unidos é diagnósticada dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA).
No Brasil, ainda não temos esses dados estatísticos tendo em vista que os dados passaram a ser obrigatório a partir da Lei nº 13.861/19 que institui: “Parágrafo único. Os censos demográficos realizados a partir de 2019 incluirão as especificidades inerentes ao transtorno do espectro autista, em consonância com o § 2º do art. 1º da Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012.” (NR). Estando o próximo senso previsto para realização neste ano de dois mil e vinte e dois.
O tema atravessou a pesquisadora, que teve seu filho diagnosticadodentro do espectro autista. E na época do diagnóstico, em dois mil e dezesseis, procurou estudos sobre a intervenção da Gestalt-terapia com as pessoas com TEA. Os estudos osquais encontrou foram na sua maioria dentro da análise do comportamento aplicada, não encontrando nada de significativo na abordagem da Gestalt-terapia naquela época. Identificando assim, que há uma demanda acadêmica de necessidade de aprofundamento de estudos. Tendo despertado então, o interesse em aprofundar a pesquisa: os gestalts-terapeutas não se interessam pela temática? A gestalt-terapia oferece recursos para intervenção no transtorno do espectro autista (TEA)? A gestalt-terapia é eficaz no tratamento do transtorno do espectro autista?
Podendo assim, contribuir com o desenvolvimento de pesquisascientíficas dentro da Gestalt-terapia na intervenção do Transtorno do Espectro autista – TEA, visto que o tema dentro da Gestalt-terapia ainda é escasso. Servindo de aporte teórico, para psicólogos Gestalt-terapeutas que atuam com o Transtorno do Espectro Autista, pais de autistas e demais interessados no tema. “(...) trabalhar com pessoas diagnosticadas com autismo a partir da visão da Gestalt-terapia tornou-se uma dificuldade e um desafio ainda maior, pois não havia embasamento teórico diverso e necessário para tal” (BARROS, 2014, p. 231)
Utilizou-se de uma revisão sistemática, com o método PRISMA e Cochrane (CHANDLER et al., 2022), com os descritores Gestalt-terapia; TEA. Pretendeu-se mostrar a evolução da Gestalt-terapia no Brasil nos últimos vinte anos e sua atuação com pessoas dentro do Transtorno do Espectro Autista - TEA. As seções seguintes traçam um panorama geral destes estudos e discute a inserção da Gestalt-terapia para o tratamento de TEA.
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Procedimentos metodológicos
Os protocolos de revisão sistemática e meta-análises permitem planejar e documentar o método, agem como guardas contra decisões arbitrárias do pesquisador durante o processo de realização, reduzindo a duplicidade de revisões e permitindo colaborações (SHAMSEER et al., 2015). Esta pesquisa faz uso da revisão do tipo sistemática, utilizando protocolos de revisão rápida, de acordo com as recomendações dos métodos PRISMA e Cochrane (CHANDLER et al., 2022).
O método PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Review) traz elementos do método científico para a revisão bibliográfica, buscando justificar os critérios de inclusão e exclusão dos artigos no processo de revisão. Nesta pesquisa, os elementos do protocolo do PRISMA, tais como a justificativa da revisão, questão de pesquisa, definição de critérios de elegibilidade, fontes de informação para artigos, estratégia de busca detalhada e como os dados são gerenciados (PAGE, et al,. 2020). O método Cochrane também foi seguido em relação às suas principais diretrizes, que também contempla uso de protocolos e documentação das decisões do pesquisador (CHANDLER, et al., 2022).
A combinação de protocolos permitiu adequar as necessidades originárias para área da saúde, as quais são voltados os métodos mais utilizados de revisão sistemática. Neste estudo, a adaptação e combinação dos formulários possibilitou adotar uma revisão sistemática rápida combinada a uma revisão bibliométrica.
O processo de busca e seleção dos artigos, ocorreu na plataforma dos periódicos CAPES se deu a partir de uma análise dos artigos utilizando as palavras-chave “Gestalt-terapia”; nos últimos vinte anos (2002-2022). Na busca apareceram seiscentos e oitenta e um artigos, dos quais somente noventa e um, foram revisados por pares. Optou-se então, em fazer as análises somente destes, pois passaram por uma avaliação criteriosa de outros pesquisadores para serem publicados.
Os artigos foram analisados individualmente para verificar sobre quais temas os pesquisadores estavam estudando.
Como critérios de elegibilidade, foram os artigos que na intervenção da Gestalt terapia tem intervenção possível junto a pessoas com TEA e/ou tratavam da evolução da Gestalt-terapia. Como exemplo podemos citar o artigo de Motta (2020) “A Gestalt-terapia como clínica do encontro: compreendendo a relação dialógica”. O artigo trata da Gestalt-terapia como uma Psicoterapia dialógica, uma clínica do encontro. Algo muito potente no trabalho com TEA, visto que para a Gestalt-terapia o encontro é restaurador. Restaura afetos, contato. Outro artigo relevante que podemos citar, é o de Grubits (2019) “O desenho na Gestalt-terapia: a versatilidade
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dos traços em interface com a prática clínica”. o artigo trata sobre o desenho como recurso terapêutico, dependendo do grau do TEA pode ser um recurso possível.
E como critério de exclusão foram retirados aqueles que não tinham adequação de intervenção, tais como: Machado (2021) sob o título “O olhar da Gestalt-terapia sobre a violência contra mulheres”, o referido artigo referia a um Estudo de caso, sobre o processo de violência contra as mulheres, fugindo a proposta do tema. Outro que podemos citar como exemplo: Luczinski(2019), “Gestalt-terapia e empoderamento feminino na relação terapêutica: reverberações a partir do atendimento psicoterapêutico entre mulheres”. A temática empoderamento feminino, não se adequada à temática. E assim, vários outros apesar de virem na busca, não tratavam do tema.
Resultados
Foram analisados os últimos vinte anos de evolução da Gestalt-terapia no Brasil, para tal foi utilizado o descritor “Gestalt-terapia” nos Periódicos CAPES. Dos quais, geraram noventa e um artigos. Foram analisados cuidadosamente e nenhum se referia ao transtorno do espectro autista. No entanto, apesar de não tratarem diretamente do autismo, quatorze destes tratam da intervenção da Gestalt-terapia. Sendo que dois deles foram retirados por não serem artigos completos e sim resenha de livros. Sendo então, analisados doze artigos com a intervenção da Gestalt-terapia. O que nos indica que é um assunto ainda pouco pesquisado dentro da área.
Os artigos foram publicados nas revistas: Revista da Abordagem gestáltica: phenomenological studies; Estudos e Pesquisas em Psicologia; Perspectivas em psicologia; Memorandum: memória e história em psicologia; Boletim entreSIS. No entanto, dentre os quatorze que aparecem na pesquisa, dois deles trata-se de resenhas: Araújo e Souza (2019) resenham do livro: situações clínicas em Gestalt terapia e os autores Quadros e Bione (2009) resenham: Gestalt-terapia, um caminho de volta para casa, então optei por excluí-los da análise por não serem artigos completos.
Os doze artigos tem propostas distintas e tem tipos diferentes. Por exemplo, encontramos estudo de caso, ensaio, pesquisa bibliográfica, revisão integrativa de literatura, análise teórico-analítica, estudo exploratório, pesquisa qualitativa de método fenomenológico de orientação semiótica, revisão bibliográfica, mas todas de cunho qualitativo.
Realizou-se leitura seletiva dos resumos dos noventa e um artigos que aparecerem na busca para verificar sua pertinência ao tema: intervenção da Gestalt-terapia com indivíduos autistas. Quando as informações contidas no resumo não atendiam, procedeu-se a leitura integral. Após as análises, nenhuma publicação atendeu
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integralmente ao critério de inclusão: intervenção da gestalt-terapia com indivíduos com autismo.
Quadro 1 – Artigos analisados na revisão sistemática
AUTORES | TEORIA PRINCIPAL | PROPOSTA |
ALVIM, 2007 | Mapeamento das relações da Gestalt Terapia com a Arte e a Estética | Neste trabalho tomamos como tarefa principal reunir alguns elementos históricos que permitam enriquecer o fundo da Gestalt-Terapia. |
QUADROS; BIONE, 2009 | Gestalt-terapia | Reflexão acerca de antigos conceitos que embasam a teoria da Gestalt e sua prática clínica em uma “roupagem” contemporânea |
MAIA; FREIRE; OLIVEIRA, 2012 | Aprendizagem | Como se dá o processo de facilitação da aprendizagem em Gestalt-terapia no ambiente acadêmico |
SILVA; BAPTISTA: ALVIM, 2015 | O contato | Queixas trazidas pelos clientes para nossa clínica e busca a partir daí uma compreensão sobre a existência no mundo contemporâneo e como vivenciamos o contato com o outro na atualidade |
FILHO; COSTA, 2016 | Esquizofrenia | Busca-se apresentar modos pelos quais o encontro pode auxiliar na promoção da saúde existencial |
ARAÚJO; QUADROS, 2018 | Redes de cuidado | Estudo sobre o cuidado; articulação da clínica individual e a psicologia social |
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ARAÚJO; HOLANDA, 2017 | Teoria da agressão | Estudo da teoria da agressão na Gestalt terapia, buscando sua compreensão a partir da literatura brasileira e estadunidense |
IMPERATORI; MACEDO 2017 | Desenho como recurso de intervenção | Articulação entre teoria e prática, compreendendo o processo do adolescer e as questões que nortearam o desenvolvimento da terapia. |
ALVIM, 2019 | Desafios da clínica gestáltica na atuação com pessoas de invisibilidade social | “como é ser adolescente nesta comunidade?” (favela do Rio de Janeiro) |
FERREIRAESCH; JACÓ-VILELA, 2019 | Gestalt-terapia chega do Brasil | Apresentar a história e o desenvolvimento da Gestalt-Terapia no Brasil |
OLIVEIRA; GRUBITS, 2019 | O desenho na Gestalt terapia | discutir a utilização do desenho na prática clínica em Gestalt terapia. |
MOTA; ASSIS; SATELIS, 2020 | Relação dialógica | compreender as experiências de profissionais de psicologia no tocante à relação dialógica em Gestalt-terapia. |
Fonte: Produzido pela autora (2022).
No quadro 1 estão apresentadas as informações (autores e o ano de publicação, teoria principal e proposta do artigo) dos artigos que permaneceram nesta revisão sistemática rápida combinada a uma revisão bibliométrica.
Percebeu-se que inicialmente os pesquisadores se dedicavam mais na parte histórica da Gestalt-terapia conforme verificamos em ALVIM (2007) no qual o artigo trata da relação da Gestalt-Terapia com a arte e com a estética reunindo seus elementos históricos. E corroborando QUADROS & BIONE (2009), propõem uma discussão dos conceitos que embasam a Gestalt-terapia e a sua prática clínica fazendo a relação com a contemporaneidade.
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Posteriormente, verificou-se que os autores seguem procurando falar das práticas em Gestalt-terapia conforme MAIA et al. (2012), discutem como se dá o processo de facilitação da aprendizagem em Gestalt-terapia no ambiente acadêmico. E ainda, SILVA et al. (2015), se dedicam ao estudo do contato, a partir das queixas trazidas pelos clientes para nossa clínica e busca a partir daí uma compreensão sobre a existência no mundo contemporâneo e como vivenciamos o contato com o outro na atualidade. Seguido de FILHO e COSTA (2016), que discorrem sobre o estudo da esquizofrenia, buscando apresentar modos pelos quais o encontro pode auxiliar na promoção da saúde existencial.
Depois, ARAÚJO e QUADROS (2018) estudam sobre as redes de cuidado, realizando uma articulação entre clínica individual e a psicologia social. Ampliando o conceito de clínica individual para uma clínica social, tão demanda na contemporaneidade. Uma clínica crítica, sendo mais acessível a maior parte da população.
No entanto, ARAÚJO e HOLANDA (2017) retomam estudos conceituais da Gestalt terapia, pois realizam estudo sobre a teoria da agressão na Gestalt-terapia, buscando sua compreensão a partir da literatura brasileira e estadunidense. Novamente IMPERATORI e MACEDO (2017), seguem pesquisando sobre as práticas da Gestalt-terapia, pois pesquisam sobre o desenho enquanto recurso terapêutico. Articulando a teoria e prática e compreendendo o processo do adolescer e as questões que nortearam o desenvolvimento da terapia. ALVIM (2019) retoma o estudo de questões sociais, à medida que pesquisam sobre os desafios da clínica gestáltica na atuação com pessoas de invisibilidade social. FERREIRAESCH e JACÓ-VILELA (2019), retomam as pesquisas sobre a história e o desenvolvimento da Gestalt-terapia no Brasil. Os autores OLIVEIRA e GRUBITS (2019) continuam os estudos sobre a utilização do desenho na clínica da Gestalt-terapia.
MOTA, ASSIS e SATELIS (2020), articulam as experiências de profissionais de psicologia no tocante à relação dialógica em Gestalt-terapia. Ao analisarmos esta evolução nos últimos dez anos percebe-se que os estudos em Gestalt-terapia seguem uma análise predominantemente qualitativa, o que se justifica a partir do seu método fenomenológico. As propostas de estudos ao longo do tempo possuem uma diversidade, tendo apenas o estudo com relação ao desenho tendo se repetido e nenhum dos estudos se dedicaram aos estudos com TEA. Ficando os estudos nos últimos dez anos entre história da Gestalt-terapia, conceitos e intervenções de uma forma ampla.
De acordo com Ferreiraesch e Jacó-Vilela (2019), o surgimento da Gestalt-Terapia ocorreu nos EUA no ano de 1951 como uma nova abordagem em psicoterapia por Fritz Perls. Um dos pontos centrais desta abordagem é uma visão humanista relacional do processo. E ancorado no estabelecimento de vínculo e suporte do terapeuta irá ser o self-suporte do cliente. Conforme Ferreiraesch e Jacó-Vilela
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(2019) ressaltam que é na fronteira entre o organismo e o ambiente que a experiência ocorre e esta é fundamental para estabelecimento de contato e promoção de crescimento.
Neste sentido, Peixoto (2019) coloca que os afetos que surgem no campo, diante do ambiente e a situação, nos afetam e afetam nosso cliente. Nos constituindo seres na relação. E este afeto promovido nesta relação, na minha visão pode ser algo que possibilite na constituição do contato dos clientes com TEA.
Outro ponto da abordagem, que pode ser citada é o existencialismo dialógico que de Martin Buber, que se caracteriza como uma filosofia do encontro, pois se inscreve na esferado inter-humano conforme. No âmbito da Gestalt-terapia, a psicoterapia de base dialógica consideraa totalidade do indivíduo, visando restaurar o relacional do homem. E este encontro, esta relação proporcionará a cura (MOTA; ASSIS; SATELIS, 2020).
No artigo “o fundo estético da Gestalt-terapia”, de Mônica Botelho Alvim (2007), tem como objetivo apresentar as relações da Gestalt-terapia com a arte e a estética. É um trabalho que descreve as experiências de seus fundadores Fritz, Laura e Paul Goodman com a arte e de como ela dirigiu o trabalho para o método fenomenológico, buscando identificar o que acontece em detrimento do porquê. Favorecendo a experimentação no aqui-agora. Onde o terapeuta precisa de muita intuição e sensibilidade no seu trabalho. Com aquilo que surge no aqui-agora na relação com o cliente. Sabendo que cada cliente com TEA é único e que nenhum é igual ao outro, é nesta relação com o que emergir, e com a intuição e sensibilidade do terapeuta que ele irá propor o experimento.
“A perspectiva gestáltica, que apoia o atendimento clínico em
questão, éuma abordagem que abriga entre suas bases conceituais
afenomenologia e a relação dialógica que vão favorecer o contato e a
awareness, possibilitando a ampliação das possibilidades de
diminuição do sofrimento. Para isso contamos com o que o
clientetraz como figura no aqui e agora, não cabendo neste modelo
psicoterápico protocolos e prazos a serem aplicados e que possam
sercontabilizados e processados numa outra forma de se produzir
conhecimento”. (ARAÚJO; QUADROS, 2018, p.3)
Neste sentido, Araújo e Quadros (2018) referem que a intervenção diária, muitas vezes é impossível enquadrar uma intervenção padronizada, tendo em vista as especficidades de cada cliente. Ao nos remetermos ao espectro autista isso faz ainda mais sentido, tendo em vista a diversidade do espectro. Ainda mais que nem sempre o “o melhor tratamento possível” nem sempre é possível na realidade do cliente. Então nada melhor do que estudar dentro das possíbilidade de cada cliente, o que é possível.
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Em relação às intervenções da Gestalt-terapia podemos elencar diversas, dentre elas uma que faz sentido na intervenção com TEA é a Gestalt-pedagogia. Maia, Freire e Oliveira (2012) ressaltam que o objetivo principal é proporcionar o desenvolvimento de potencialidades do indivíduo criando as condições necessárias e reconhecendo as necessidades na relação com o mundo.
Assim Ferreiraesch e Jacó-Vilela (2019), referem que a intervenção da gestalt terapia a pessoa não é ajustada a um sistema, a uma regra. E, sim ao seu próprio ajustamento criativo. E entendemos que os clientes com TEA poderão então, dentro da sua forma relacional, do seu ajustamento criativo de estar no mundo, podem vir a se desenvolver, estabelecer contato, dentro de suas possibilidades de estar no mundo. “A Gestalt-terapia prima pelo estabelecimento do vínculo de confiança, cabendo ao Gestalt-terapeuta portar-se de acordo com as características da relação dialógica: inclusão, que se configura comoa entrada fenomenológica do terapeuta na vida do cliente” (OLIVEIRA; GRUBITS 2019, p. 8)
Alvim (2019) ressalta que para a gestalt-terapia, contato é o tempo-lugar do encontro. O encontro com o outro, com o diferente, com o novo, com o estranho diferente de mim, e nesta fronteira entre eu-outro que o contato acontece. E por meio dele que o crescimento ocorre. Neste sentido, a Gestalt-terapia é uma abordagem em psicoterapia clínica que vai na contramão dos manuais, regras em detrimento da experimentação, do que emerge do campo relacional.
Considerações finais
A partir dos resultados encontrados, podemos verificar que a abordagem clínica da gestalt-terapia mesmo ainda tendo poucos estudos na área, pode também ser utilizada em indivíduos com TEA. Por exemplo, quando analisamos sua forma de intervenção, a partir do método fenomenológico que prioria o que acontece, em detrimento do porque podemos verificar que nos individuos com TEA, vamos trabalhar o que acontece com aquele cliente. A forma que ele se apresenta, a forma que ele se relaciona e auxiliá-lo e encontrar a melhor forma de estar no mundo e acreditando no seu potencial e na sua forma de ajustamento criativo.
Outro ponto que podemos citar está ancorado no estabelecimento do vínculo e self suporte. O terapeuta irá ser o self-suporte inicialmente do cliente. Para a Gestalt terapia, o estalebelecimento do vínculo é fundamental no estabelecimento de contato. Uma das dificuldades dos indivíduos com TEA é a dificuldade no estalececimento do contato e esta relação terapeuta-cliente irá favorecer o restabelecimento do contato. A partir da experiment-AÇÃO vivenciada no campo psicoterapêutico, o terapeuta irá propor intervenções, de acordo com a disponibilidade do cliente e com aquilo que emerge no campo, do que é possível naquele momento. “intervenção da gestalt-terapia a pessoa não é ajustada a um
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sistema, a uma regra. E, sim ao seu próprio ajustamento criativo”. (FERREIRAESCH; JACÓ-VILELA, 2019)
Dentre as inquietações da pesquisadora foi identificar se a gestalt-terapia oferece recursos para intervenção no transtorno do espectro autista – TEA. Ao longo da pesquisa identifica-se que esta abordagem clínica possui recursos para intervenções, no entanto a partir de outra perspectiva das práticas amplamente difundidas. Com relação se os gestal-terapeutas não se interessam pela temática não foi possível a partir da pesquisa identificar, no entanto deixa como sugestão o aumento de estudos não só bibliográfico, mas de estudos de casos, que os psicólogos que atendem esta clientela possam publicar mais e contribuir para o desenvolvimento científico da abordagem. Os artigos analisados são valiosas contribuições disponíveis aos interessados na prática clínica em gestalt-terapia.
A abordagem possui teoria que instrumentalizam o gestalt-terauta a intervir diante de um cliente com o fenômeno do transtorno do espectro autista. Contudo, a abordagem precisa ainda avançar em termos de publicações de pesquisas científicas.
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Endereço para correspondência
Juliana Antonio Cardoso
E-mail: julianaantoniocardoso@hotmail.com
Recebido em: 19/09/2022
Aprovado em: 31/12/2022
Revista IGT na Rede, v. 19, nº 36, 2022. p. 62 – 75. Disponível em http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526