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DELUQUE JÚNIOR, Romano, MARTON, Cesar Augusto, COSTA, Márcio Luís – “Gestalt-Terapia nas políti cas públicas: Revisão Sistemática de Literatura”

ARTIGO

Gestalt-Terapia nas políticas públicas: Revisão Sistemática de Litera tura

Gestalt-therapy in public policies: systematic literature review

Romano Deluque Júnior

Cesar Augusto Marton

Márcio Luís Costa

Revista IGT na Rede, v. 19, nº 36, 2022. p. 03 – 23. Disponível em http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526

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DELUQUE JÚNIOR, Romano, MARTON, Cesar Augusto, COSTA, Márcio Luís – “Gestalt-Terapia nas políti cas públicas: Revisão Sistemática de Literatura”

RESUMO

Objetivou-se conduzir uma análise de literatura científica, na forma de uma revisão siste mática, sobre as possibilidades da aplicação da Gestalt-terapia, no que tange as suas te orias e técnicas, no campo da atenção psicossocial brasileira. Puderam ser identificados

artigos publicados, e devidamente indexados nas seguintes bases de dados: SciELO; Medline; Lilacs; e PubMed. Seguiu-se os critérios do Preferred reportingitems for systema tic reviews and meta-analyses (Prisma) . Foram selecionados 9 artigos que compuseram o corpus do presente trabalho. Os estudos corroboram com o fato de que a Gestalt-Tera pia pode contribuir para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas dentro do contexto do cuidado em saúde mental. Por apresentar-se como uma abordagem humanística, pos sui em seus pressupostos semelhanças com o atual paradigma de cuidado em saúde mental, principalmente no ponto em que visa perceber a pessoa ao invés da doença, bem como os seus processos de ajustamento ao invés de seu diagnóstico.

Palavras-chave: Gestalt-terapia; Saúde Pública; Comunidade; Atenção Psicossocial. ABSTRACT

The objective was to conduct an analysis of the scientific literature, in the form of a sys tematic review, on the possibilities of applying Gestalt therapy, regarding its theories and techniques, in the field of Brazilian psychosocial care. Published articles could be identi fied, and duly indexed in the following databases: SciELO; Medline; Lilacs; and PubMed. The criteria of Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses (Prisma) were followed. Nine articles were selected that made up the corpus of this work. Studies corroborate the fact that Gestalt Therapy can contribute to the development of therapeutic strategies within the context of mental health care. As it presents itself as a hu manistic approach, its presuppositions are similar to the current paradigm of mental health care, mainly to the point where it aims to perceive the person instead of the disease, as well as their adjustment processes instead of their diagnosis.

Key words: Gestalt therapy; Public health; Community; Psychosocial Care.

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Introdução

Percebe-se nos últimos anos um crescimento de projetos voltados, tanto à atenção prima ria em comunidades quanto na atenção em saúde no SUS, focados na prevenção e pro moção da saúde e na qualidade de vida (CAMPOS; DALTRO, 2016). Tais trabalhos são desenvolvidos através da atuação de equipe multidisciplinar e multiprofissional, onde cada vez mais tem-se percebido a inclusão do psicólogo. Trata-se de um campo de atua ção com demandas complexas que pedem por formas de compreensão cada vez mais adequadas e capazes de fornecer solidez teórica para esses profissionais.

O espaço público de atendimento em saúde é, por vezes, um espaço de subalternidades onde aquele em situação de vulnerabilidade social demanda por cuidado frente a profissi onais que precisam estar preparados, não apenas com o perfil de competências técnicas

e tecnológicas de suas profissões, mas ainda com um olhar humanizado que possa per ceber o outro como o outro (PIMENTEL; CASTRO, 2019). É nessa esteira que a Gestalt terapia (GT) pode ser apresentada. Tal como uma abordagem que promove o contato ge nuíno entre seres humanos, “na possibilidade de desenvolver o diálogo através de condi ções como presença, inclusão, confirmação, consideração positiva incondicional” (CAM POS; DALTRO, 2016 p.5).

A Gestalt-Terapia surge no início da década de 50 (PERLS; HEFFELINE; GOODMAN, 1997) como uma teoria e método aplicável à clínica psicoterápica, que possuía o intuito de ir além da perspectiva clínica tradicional. Fez-se surgir a partir daí, o termo ‘’aborda gem gestáltica’' que designa o uso de todo o seu arcabouço teórico e prático (SPINDOLA; MAES; TESSARO, 2021). A abordagem traz consigo uma visão de ser humano como bio psico-sócio-espiritual, sendo esta fundamentada na teoria de campo (RIBEIRO, 1999). Nesse sentido o adoecimento pode ser compreendido a partir da dimensão coletiva, que por sua vez envolve a dificuldade de lidar com fatores sociais como a presença de forte violência em comunidades, com a falta de recursos financeiros, precariedade habitacional, e até mesmo a ausência de vínculos afetivos. (BITTENCOURT; BÖING, 2017).

Trata-se de uma abordagem que investe na capacidade pessoal no que tange a autorre gulação e no poder restaurador do humano (CAMPOS; DALTRO, 2016). Assim, instiga a autossustentação em vez de posturas e atitudes paternalistas, de modo que compele os envolvidos a perceberem o ser humano como um ser de possibilidades, pressões, e au

torresponsabilidades, ou seja, um ser ‘’no’’ e ‘’para’’ o mundo. Então, o sujeito gestáltico é alguém que habita e interage com o seu entorno a todo o momento de sua existência.

Diante do exposto, com o presente trabalho objetiva-se, através de uma revisão sistemá tica de literatura, a detalhar o panorama de pesquisas em solo nacional, no que tange às possibilidades de utilização da Gestalt-Terapia enquanto corrente teórica e prática, no contexto da atenção em saúde mental. Como pergunta que norteia o escopo do presente estudo têm-se: Quais aspectos e delineamentos os estudos que tratam dos atravessa mentos entre Gestalt-Terapia e saúde coletiva, no cenário nacional, tem feito emergir, e como esses achados podem contribuir para a compreensão de uma estratégia terapêutica em saúde mental, embasada em GT e aplicável aos contextos grupais e sociais na pers pectiva da saúde coletiva?

Métodos

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Trata-se aqui, de um estudo de revisão sistemática de literatura. Para isso, identificou-se artigos publicados por revistas cientificas devidamente indexados nas seguintes bases de dados em formato digital: SciELO; Medline; Lilacs; e PubMed. Foram utilizados os crité rios do Preferredreportingitems for systematic reviews and meta-analyses (Prisma)1. Con siderou-se estudos publicados entre 1º de janeiro de 2015 e 31 de Abril de 2021, a fim de detalhar um recorte aproximado dos últimos 5 anos de pesquisas na área.

Os descritores utilizados foram: ‘’GESTALT’’ AND ‘’POLÍTICAS PÚBLICAS'' OR ‘’SAUDE MENTAL'' OR ‘’COMUNIDADE’’ OR ´´GRUPOS´´. A pesquisa compreendeu artigos publi cados em inglês, espanhol e português. Porém, a utilização dos descritores em português é proposital, pois procura-se aqui obter, justamente o panorama nacional. A pesquisa de volveu, inicialmente 362 resultados, que uma vez refinados cronologicamente, reduziram se a 168 artigos que tiveram seus resumos lidos e analisados.

Uma vez lidos e analisados os respectivos resumos, obteve-se as seguintes exclusões: 17 estudos duplicados; 99 estudos fora de escopo; 21 estudos dentro de escopo, mas fora das delimitações geográficas (Brasil); 18 artigos de opinião, carta ao editor, ou assi nados por editorial; 4 artigos que não estavam disponíveis para consulta pública. Por fim, 9 artigos foram lidos na integralidade e selecionados para compor o corpus da presente revisão.

O processo de seleção, identificação e catalogação dos resultados obtidos, bem como os critérios de inclusão e exclusão utilizados, estão exemplificados na Tabela 1; Figura 1.

Os artigos selecionados foram analisados de modo a se recolher e compilar as informa ções sobre: o tipo de estudo, tamanho e característica das amostras, metodologia, objeti vos do estudo, principais resultados e conclusões, e limitações e direcionamentos futuros. Um resumo dessas categorias está exposto na Tabela 2.

Análise dos Resultados e Discussão

A partir dos critérios de inclusão e exclusão (Tabela 1), foram incluídos 9 artigos (N=9) que tiveram suas informações compiladas e sistematizadas. Dos 9 estudos selecionados, apenas 2 utilizaram-se de pesquisa de campo: em um deles foram entrevistados 12 psicó logos, gestalt-terapeutas ou não, que trabalham na ESF do Estado do Ceará, com o obje tivo de investigar, dentro do contexto de atuação desses profissionais - a Estratégia Sa úde da Família - quanto a possibilidade de articulações teóricas e práticas a partir de um olhar Gestáltico (DIÓGENES; PONTES, 2016). O outro estudo que executou coleta de da dos com ida a campo, ouviu 8 mulheres participantes de um grupo terapêutico chamado “mulheres em foco’’, cujos objetivos são ressaltar as potencialidades presentes no pro cesso grupal, valorizando a individualidade do sujeito e a capacidade de criar novas for mas de estar no mundo, numa perspectiva de saúde e satisfação com a vida (COUTO; MACEDO, 2020).

1PRISMA Transparent Reporting of Systematic Reviews and Meta-Analyses. Otawa: The PRISMA Statement; 2014. Disponível em: http://www.prisma-statement.org/. Sugere-se ainda a leitura de Moher D, Liberati A, Tetzlaff J, Altman DG, The PRISMA Group. Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta Analyses: The PRISMA Statement. Disponível em: www.prisma-statement.org.

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Os demais estudos selecionados trataram do tema proposto a partir de estudos estrita mente teóricos. Foram 4 ensaios reflexivos de discussão teórica (LIMA, 2020; PIMENTEL; CASTRO, 2019; BITTENCOURT; BÖING, 2017), 2 estudos no formato de revisões de lite ratura sem caráter de revisão sistemática ou metanálise (PARENTE; BELMIRO, 2015; AL MEIDA, 2020), e por fim um estudo em formato de relato de experiência em supervisão de estágio (CAMPO; DALTRO, 2016). De modo geral, os estudos selecionados corroboram entre si, que a GT possui aplicabilidade no cenário de atenção psicossocial em saúde mental. Os autores dos estudos selecionados trazem, cada um a seu modo, contribuições distintas no que tange a esse ponto.

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Figura 1.

Fluxo

grama -

Pro

cesso de seleção dos estudos pesqui

sados.

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Tabela 1. Critérios de inclusão e exclusão. Critérios

Inclusão Exclusão

Estudos Publicados entre 1º de Janeiro de 2015 e 31 de Abril de 2021.

Estudos que apresentaram objetivos, métodos e resultados claramente definidos.

Estudos que se enquadraram no escopo pre tendido, e o fizeram abordando o contexto geo gráfico pré-estabelecido (Brasil).

Estudos em inglês, espanhol e português. Estudos publicados que contemplassem dis cussões sobre a prática da Gestalt-terapia no contexto da RAPS (Rede de Atenção Psicos social), na figura de seus diversos serviços e equipamentos, tais como: CAPS; SRTs; UAs; e os leitos de atenção integral (em Hospitais Ge rais e nos CAPS III)

Estudos publicados fora dos limites temporais estabelecidos.

Estudos fora do escopo pretendido, e que em bora tratassem do tema da Gestalt-terapia e o serviço público de saúde, o faziam a partir de um viés que não contemplasse o tema da sa úde mental.

Estudos que trataram da temática a partir do viés pretendido, mas que o fizeram fora das delimitações geográficas pré-estabelecidas (Brasil).

Teses, dissertações.

Estudos assinados por editorial, cartas ao edi tor, de opinião e materiais educativos/informati vos.

Lima (2020) constrói uma discussão acerca do ato de cuidar em GT, não no sentido de se apontar modos corretos ou incorretos de se cuidar em Gestalt-Terapia, mas para possibili tar uma abertura de horizontes que permitam um maior entendimento a respeito da tarefa do cuidado, e se tais entendimentos são compatíveis com uma visão gestáltica a respeito

do mesmo. A autora ressalta que o cuidado é uma tarefa inerente a todo ser humano, pois se hoje alguém existe, é porque em sua vida fora cuidado.

Desde o nascimento, somos carentes de cuidado e sem alguém que nos

cuide, de fato pereceremos. O estado de fragilidade em que nascemos não diz respeito apenas a uma necessidade de cuidados físicos, mas também

nascemos emocionalmente dependentes e, desde o início de nossas vi

das, necessitamos receber alimentação e outros cuidados essenciais à

nossa subsistência, como também atenção, proteção e afeto (LIMA, 2020

p. 1052).

Segundo a autora, para uma conceitualização de cuidado em Gestalt-Terapia, há de se retornar a Heidegger (1889 - 1976) quando este utilizava o seu equivalente em língua alemã - sorge (cuidado) - num sentido de preocupações referentes ao futuro. Já em for mato de verbo - sorgen (preocupar-se) - o autor atribuía-lhe duplo sentido: sobre estar preocupado com algo, ou em relação a tomar conta de algo ou alguém (LIMA, 2020). Hei degger enfatizava que o cuidado é inerente ao próprio ser (Dasein), um modo próprio da existência humana. Essa posição dual frente ao conceito de cuidado - o voltar-se para si, e também para o outro - caminha em concordância com a conceituação de cuidado a par tir do ponto de vista holístico, organísmico, e da teoria de campo que, juntos, perfazem o conceito gestáltico de cuidado (LIMA, 2020).

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Então, em Gestalt-Terapia, pode-se pensar o cuidado como uma composição entre afeto, pensamento, ação, e contextualização. Ou seja, vai para além do ato de prestar atenção ou ter condutas em relação ao outro, mas é ousar perceber esse outro dentro de um mo saico onde estão presentes aspectos afetivos, físicos, sociais, e culturais que compõem a

sua realidade. Característica bastante interessante do processo de cuidado em Gestalt Terapia, é que durante o processo de desenvolvimento do ser humano, este vai deixando de ser dependente de cuidados alheios para, aos poucos construir-se a partir de uma no ção de autocuidado e auto apoio (LIMA, 2020). Segundo a autora:

[…] podemos considerar que, do ponto de vista da Gestalt- terapia, o pro

cesso de ser cuidado evolui para um aprendizado do autocuidado. Quanto mais se amadurece, menos a pessoa depende do cuidado alheio, pois

cada vez mais é capaz de cuidar de si mesma e de construir referenciais

próprios de suporte. Visto assim, o processo de amadurecimento é um pro cesso de construção de autonomia e de libertação de relações de extrema dependência (LIMA, 2020 p. 1055).

Embora a Gestalt-Terapia tenha nascido como uma proposta psicoterápica de atendimento individual, a mesma fora adotada no trabalho com grupos em diversos con textos, tanto é que Perls (1983-1970), seu reconhecido fundador, cria, no final de sua vida uma comunidade baseada em princípios gestálticos, onde viria a defender que a GT não se restringia à psicoterapia, mas que se tratava de uma forma de vida, aplicável aos mais variados cenários e contextos (LIMA, 2020). Tal expansão de possibilidades da aborda gem gestáltica não é por acaso, e pode ser bastante exitosa para o trabalho da clínica ampliada onde, inclusive, pode-se fazer uso de seus diversos recursos, como a música, o teatro, a argila, entre outros (LIMA, 2020).

Pimentel e Castro (2019) discorrem sobre o conceito gestáltico de ajustamento cri ativo, e a subalternidade que afeta a autoestima de mulheres negras e lésbicas. Além disso, os autores apresentam o uso da criatividade como estratégia para enfrentar impas ses culturais que infelizmente, ainda hoje afetam essas populações.

A criatividade é uma estratégia de enfrentamento existencial que as clien

tes adquirem, na medida em que, as intervenções clínicas gestálticas favo recem a atualização da autocompreensão e o desvelamento dos jogos de

poder presentes na cultura em que as clientes estão inseridas; portanto o

delineamento do objeto de estudo se insere no escopo da clínica ampliada, já que Gestalt-terapeutas, atualmente trabalham nos serviços básicos e de alta complexidade em saúde, bem como na Rede de Assistência Psicosso cial (RAPS) voltada para a saúde mental. (PIMENTEL; CASTRO, 2019

p.2).

A escolha pelo tema, deve-se à percepção, por parte dos autores, da alta incidência da população negra e de mulheres na Região Norte, muitos dos quais, segundo os autores, manifestam reduzido capital cultural para a superação de vivências de subalternidade.  De acordo com o IBGE, entre 2012 e 2016 na região Norte, 72,3% da população se de clarou parda, 19,5% branca e 7,0% preta (PIMENTEL; CASTRO, 2019). Então, a partir de um diálogo crítico com textos das áreas da saúde, em especial os sobre a clínica gestál tica, e sua relação com a experiência da diversidade sexual, se é apresentado um ensaio reflexivo de discussão teórica, cujo objetivo é discutir os modos como a técnica e o con ceito gestáltico de ajustamento criativo pode auxiliar no enfrentamento da subalternidade, e da fragilidade que afeta mulheres negras e lésbicas.

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Mesmo em face da Política Nacional de Humanização, tem-se emergido episódios de desrespeito, preconceito, e de humilhações, em especial no que tange ao tema da saúde sexual e reprodutiva, que afetam diretamente as mulheres negras e lésbicas que utilizam dos serviços de saúde na atenção básica (PIMENTEL; CASTRO, 2019). Eis que sobre vêm uma série de jargões e apelidos pejorativos como: “lésbicas não engravidam” e “es sas daí não precisam passar por ginecologista, e sim por urologista”. Segundo os autores:

O ajustamento criativo, enquanto processo, é fundamento para o desenvol vimento da função do self, uma vez que autorregula e tem como meta o

atendimento de demandas e necessidades da pessoa, potencialidades

transformadas na relação plena entre organismo e meio, sendo “o self é

um ‘eu’ relacional, processual e consciente” (PIMENTEL; CASTRO, 2019

p.8).

Ao passo que a mulher negra e lésbica assume a responsabilidade pela criação e condi ção do seu bem-estar, estará justamente vivendo o ajustamento criativo. A partir do mo mento que tem a consciência de si mesma, ficará pronta para resolver situações adver

sas, mostra-se, assim que o autorreconhecimento irá restaurar e equilibrar sua saúde mental. Logo, pode-se concluir que ao experimentar a pluridimensionalidade de ser quem ela é, as portas para identificar sua sexualidade, seu corpo e sua cor irão se abrir, possibi litando enfrentar o preconceito e o seu crescimento enquanto pessoa/cidadã, tal como é proposto pela abordagem gestáltica.

Almeida (2020) argumenta pela possibilidade de articulação entre a literatura de base gestáltica no cuidado em saúde mental, em particular, devido às noções teóricas de po tencialidade, singularidade, liberdade e responsabilidade na relação homem/mundo. A au tora elabora uma discussão que visa refletir sobre a atuação do psicólogo gestáltico no Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB)2, no contexto da sa úde mental.

Sabendo que a OMS (1948) conceitua o significado de saúde como um estado de com pleto bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença, há de se per ceber que tal concepção está relacionada ao cenário sociocultural, econômico e psíquico de cada pessoa, emergindo daí, uma dinâmica altamente atravessada por novos determi

2O Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB) foi criado pelo Ministério da Saúde em 2008 com o objetivo de apoiar a consolidação da Atenção Básica no Brasil, ampliando as ofertas de saúde na rede de serviços, assim como a resolutividade, a abrangência e o alvo das ações. Atualmente regulamentados pela Portaria de Consolidação nº 2, os núcleos configuram-se como equipes multiprofissionais que atuam de forma integrada com as equipes de Saúde da Família (eSF), as equipes de Atenção Básica para populações específicas (consultórios na rua, equipes ribeirinhas e fluviais) e com o Programa Academia da Saúde.Esta atuação integrada permite realizar discussões de casos clínicos; o atendimento compartilhado entre profissionais, tanto na Unidade de Saúde como nas visitas domiciliares e possibilita a construção conjunta de projetos terapêuticos de forma a ampliar e qualificar as intervenções no território e na saúde de grupos populacionais. Essas ações de saúde também podem ser intersetoriais, com foco prioritário nas ações de prevenção e promoção da saúde. Para saber mais, sugere-se visitar https://aps.saude.gov.br/ape/nasf.

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nantes no que tange aos processos de adoecimento. Para Almeida (2020), o homem ges táltico é um ser-no-mundo, que vive e convive com seu meio, e, ao mesmo tempo trans forma-o, e é-se transformado por ele.

Diante disso, Perls (2002) condiciona o homem ao seu potencial criativo e reconstrutivo que, de maneira crescente e criativa, tende ao equilíbrio, que por sua vez só pode ser al cançado por meio da ‘’awareness’' - uma figura singular de comunicação e conhecimento. A partir desse pressuposto, o psicólogo orientado pela Gestalt-Terapia deve acompanhar o sujeito em seu inevitável encontro com a dor, enquanto este demanda por cuidado e amparo, ‘'pois fugir configura-se enquanto um estado de não-ser, já que a mudança e o crescimento se dão a partir do encontro com aquilo que é, ao invés de tentar se o que não é’' (ALMEIDA, 2020 p. 174).

A experiência no NASF-AB traz consigo desafios à prática dos profissionais da saúde, em especial aos psicólogos, pois, ao adentrar no universo da coletividade e do trabalho inte grado - característica da clínica ampliada – se está diante de um trabalho que transcende

o modelo assistencial de se promover saúde, para um outro com o olhar para a territoriali dade. Algo que demanda por um entendimento de homem muito mais histórico e holístico, pois aqui a ideia central não é prover um atendimento clínico mediante uma queixa ou um sintoma, mas a partir de um histórico de vida pré-conhecido pelos profissionais da rede.

Nesse sentido:

[…] o aporte teórico e prático da abordagem gestáltica pode atuar como

ferramenta valiosa para as práxis dentro dos novos dispositivos de cuidado em Saúde Mental, principalmente no que diz respeito à atuação do profissi onal de psicologia, respectivamente na AB, através NASF-AB, que ampa

rada por uma abordagem humanista de cunho fenomenológico-existencial, possibilita novos olhares sobre o homem e suas diversas manifestações

saudáveis e não saudáveis, repercutindo nos modos de atenção e cuidado (ALMEIDA, 2020 p. 179).

O estudo apresentado por Almeida (2020) possui a característica de lançar bases para novas pesquisas no campo da atenção pública em saúde, sobretudo com a utilização de referenciais teóricos ligados ao métodos fenomenológicos, fomentando assim, a compre ensão de pesquisadores e psicólogos atuantes no referido campo, e apresentando uma abordagem focada no ser-no-mundo e no ser com os outros, abordagens tais que insti guem uma postura empática e criativa, por parte desses profissionais, na relação com o outro - paciente ou não.

Bittencourt e Böing (2017) apresentam um ensaio reflexivo de discussão teórica, a res peito de uma experiência de estágio curricular obrigatório, cujo objetivo é construir uma reflexão com base no pensamento sistêmico e na gestalt-terapia, sobre atuações especifi cas da Psicologia e ações interdisciplinares a partir da experiência de estágio curricular em um CAPSi. Para as autoras, o pensamento sistêmico, a Gestalt-terapia e práticas da Psicologia podem contribuir para além das práticas inerentes à profissão de psicólogo, como a psicoterapia e a avaliação psicológica, mas ainda, para o aumento da qualidade das ações interdisciplinares e intersetoriais. Segundo as autoras:

A experiência no CAPSi teve, como base epistemológica, o Pensamento

Sistêmico e como suporte teórico e metodológico, teorias sistêmicas e da

gestalt-terapia. Ambas as abordagens teóricas relacionam-se aos preceitos

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do SUS e se propõem a compreender o sujeito em um contexto, que en

volve questões pessoais, relacionais, históricas, políticas, econômicas e

sociais ao longo do tempo (BITTENCOURT; BÖING, 2017 p. 58).

Neste mesmo contexto, o saber e a prática comum ao psicólogo, que utilizando de sua escuta e olhar, com foco nas relações e significados atribuídos pelos sujeitos demandan tes de cuidado às suas próprias experiências, podem contribuir para o desenvolvimento de uma relação profissional/paciente empática que se proponha a perceber o mundo do sujeito a partir da perspectiva dele e de seu contexto, potencializando o processo de inter venção específica e interdisciplinar (BITTENCOURT; BÖING, 2017).

Nessa esteira, propõe-se a colocar a ‘'doença'' entre parênteses, com o objetivo de perce ber o sujeito e seu sistema de necessidades. O olhar então, deixaria de ser exclusiva mente técnico - o que não é o mesmo que renegar a doença - mas sim ter de reconhecer os aspectos genéricos dos processos de adoecendo juntamente do ato de aprender com a variação, ouvindo o paciente e investigando o caso em particular.

Nesse sentido, o objeto de investigação e intervenção é o conjunto de con dições concretas de existência da população, seus determinantes nos pro cessos saúde-doença, suas expressões em experiências de sofrimento de sujeitos singulares (BITTENCOURT; BÖING, 2017 p. 58).

Por fim, embasando-se pelo pensamento sistêmico e pela Gestalt-Terapia, reitera-se a importância de um diagnóstico situacional e contextualizado, a fim de sobrepor a doença pelo sujeito, esse último com as suas vivências, histórias e contextos. Trata-se, pois, de referenciais epistemológicos que consideram um trabalho que vise o paciente de modo integral - de acordo com os princípios do SUS - em especial com o conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas denominado Projeto Terapêutico Singular (PTS).

Campos e Daltro (2015) também apresentaram um estudo em formato de relato de expe riência em supervisão de estágio cujo objetivo é o de discutir a utilização de metodologias para modalidades de estágio em Psicologia, com base em Gestalt-terapia de curta dura ção, e a ação terapêutica nos moldes gestálticos no contexto de plantão psicológico. Se gundo as autoras, a Gestalt-Terapia traz consigo uma visão de homem bio-psico-sócio espiritual, fundamentada na Teoria de Campo, e nesse sentido, o adoecimento é compre endido ressaltando-se a dimensão coletiva, que também precisa ser considerada e tra tada.

Muitas vezes, o papel do psicólogo atuante nas Unidades de Saúde da Família (USF) consiste em, na forma de psicoterapia de curta duração, auxiliar o cliente a ‘'encontrar so luções para lidar com fatores sociais, como a presença da violência em uma comunidade, a escassez de recursos financeiros, a precariedade de habitação etc’’, de modo que […] ‘’o contexto social é sempre considerado como um fator de doença e cura (CAMPOS; DALTRO, 2015 p.62). Sendo assim, o suporte teórico trazido pela Gestalt, para esses pro fissionais, parece ser bastante pertinente, ‘'pois este investe na capacidade da pessoa em se autorregular e no poder restaurador do humano, e enfatiza a autossustentação e não o paternalismo’' (CAMPOS; DALTRO, 2015 p.62). Segundo Ribeiro (1999):

Gestalt-Terapia individual de curta duração é um processo no qual cliente

e psicoterapeuta se envolvem em soluções imediatas de situações de

qualquer ordem, vividas pelo cliente como problemáticas, utilizando todos

os recursos disponíveis, de tal modo que no mais curto espaço de tempo o

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cliente possa se sentir confortável para conduzir sozinho sua própria vida

(p. 76).

No contexto do estágio, dizem as autoras, foi o diálogo que se mostrou como a peça mais importe no trabalho psicoterapêutico, daí, estar atento ao humano, e às relações que se estabelecem entre todos os participantes, é a principal tarefa que se impõe para o tera peuta aprendiz. Nesse sentido, é demasiadamente importante desenvolver a capacidade de estar verdadeiramente presente, para fazer contato com a essência de cada um, e po der ver a humanidade em cada pessoa (CAMPOS; DALTRO, 2015). Outro ponto rele vante parece se assentar sobre a dimensão social, as vivências de cada um, as crises e as mazelas sociais atuantes no entorno.

Diógenes e Pontes (2016) apresentaram uma pesquisa qualitativa em saúde, cuja ver tente é hermenêutico-fenomenológica, em uma perspectiva crítico-dialética, de narrativas orais. Para a coleta de dados, utilizou-se de entrevistas abertas. Com o estudo, os auto res expuseram como objetivo, investigar, na atuação de psicólogos atuantes na Estratégia Saúde da Família (ESF) quanto a possibilidade de articulações teóricas e práticas a partir de um olhar Gestáltico. Foram entrevistados 12 psicólogos, gestalt-terapeutas ou não, que trabalham na ESF do Estado do Ceará.

Nas entrevistas realizadas foi percebido que a maior parte dos psicólogos utiliza-se de abordagens psicológicas de cunho humanista, onde a Gestalt-terapia está inserida, inclu sive, mais da metade deles citaram nominalmente a abordagem como sendo a de sua es colha para atendimento psicológico. Ademais, segundo os autores:

Pensando nas contribuições conceituais, filosóficas e metodológicas da

GT, é possível estender tais contribuições para os outros profissionais de

saúde, caso se identifiquem com uma visão de homem que é um todo uni ficado e integrado, responsável pelas escolhas de sua vida, capaz de se

transformar e se reinventar em busca da sua saúde (DIÓGENES; PON

DES, 2016 p. 169).

De modo geral, a Gestalt-Terapia parece ter aceitação dos psicólogos entrevistados que trabalham na ESF, sendo a principal contribuição da abordagem para tal cenário de aten dimento, a visão de totalidade do ser humano, uma vez que é exigência da ESF trabalhar com visão integrada de um sujeito singular, compreendido num contexto amplo que leva em consideração o seu entorno social (DIÓGENES; PONTES, 2016). Ainda há de se di zer que, quando uma abordagem psicológica parte do princípio de uma visão de homem que se aproxima das diretrizes do SUS e da ESF, e o psicólogo consegue, através de téc nicas e de capacitação, unir tais formações na sua prática cotidiana, uma atuação qualifi cada neste contexto é bastante facilitada.

Santos et Al. (2017) publicaram um ensaio reflexivo de discussão teórica cujo objetivo é o de promover um diálogo entre a Terapia Comunitária Integrativa (TCI), a partir de verbali zações de participantes de rodas de TCIs. Para os autores, a Gestalt-Terapia é uma abor dagem de psicoterapia que crê em um ser holístico, sempre integrado ao meio. A mesma

reúne em seu arcabouço teórico técnicas, e estratégias terapêuticas baseadas em um modelo fenomenológico (SANTOS et Al., 2017). Ainda segundo os autores:

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DELUQUE JÚNIOR, Romano, MARTON, Cesar Augusto, COSTA, Márcio Luís – “Gestalt-Terapia nas políti cas públicas: Revisão Sistemática de Literatura”

O Gestalt-terapeuta acredita que toda pessoa tem em si potencialidades

que permitem que elas façam a melhor escolha possível para elas, na

quele momento. Quem sabe o que é melhor para a pessoa é ela própria e não o terapeuta. Ele é somente um facilitador para que o cliente se co

nheça e se perceba. Deste modo é possível que ele encontre a forma mais adequada de fechar suas “gestaltens” abertas. Assim, se auxilia o cliente a uma atitude dentro da psicoterapia, que implica em acreditar no desenvol vimento, no crescimento humano e na construção de uma relação (p. 203- 204).

Já a Terapia Comunitária Integrativa (TCI) é uma metodologia criada pelo psiquia tra e antropólogo Prof. Dr. Adalberto Barreto, da Universidade Federal do Ceará, que teve seu início no ano de 1987 como uma técnica que visava responder às demandas do Cen tro de Direitos Humanos da Comunidade do Pirambú, a maior favela do Estado do Ceará (SANTOS et Al., 2017). Hoje, a TCI é aplicada em diversas áreas, como no enfoque so cial, de saúde, ou na educação. Rodas de TCI consistem em um espaço de acolhimento e compartilhamento de sentimentos e experiências de vida. Observou-se, no estudo pro posto por Santos et Al. (2017), que as técnicas e procedimentos gestálticos podem contri buir para com aprimoramentos no decorrer de grupos de TCI. Os autores discorrem:

No transcorrer das rodas de TCI nota-se que sua rigidez estrutural poderia permitir uma maleabilidade, como há na GT, possibilitando um maior con

tato com as demandas explicitadas, para tal indica-se a inserção de vivên cias e experimentos, propiciando uma experimentação dos fenômenos.

Desta maneira, se acredita que os efeitos das discussões seriam mais efi cazes. Visto que vivenciar produz maior consciência do que o discurso (p.

211).

Em resumo, para os autores, a interdisciplinaridade entre as duas abordagens colabora para a adaptação do sujeito em seu ambiente através da invocação de soluções criativas para o seu dia a dia. Esse processo de ajustamento criativo empedra o ser humano e o relega mais autonomia, instigando-o a se expressar livremente e sem amarras, e a acei tar-se como de fato é. Além disso, as abordagens permitem a ressignificação de sua pró pria história de vida, bem como um crescimento pessoal amplo e contínuo ao longo de sua trajetória.

Couto e Macedo (2020) apresentam um estudo de caso sobre um trabalho realizado entre março e dezembro de 2019 em estágio integrado de Psicologia, num serviço-escola de uma universidade comunitária do sul do Brasil. O estudo tem como objetivo relatar a ex periencia de estágio de um grupo terapêutico de mulheres a partir de uma análise medi ante o olhar gestáltico. Trata-se de um grupo terapêutico aberto, com possibilidade de in gresso de novos participantes. Essas são geralmente mulheres, a partir de 40 anos, com demanda para terapia de grupo.

As autoras relembram que a abordagem gestáltica fundamenta-se em uma perspectiva fenomenológica-existencial, e possui uma visão de sujeito que é único e singular, em constante interação com o seu meio e entorno. A partir da perspectiva das políticas públi cas, o grupo terapêutico, enquanto modalidade de intervenção, mostra-se como um re curso bastante importante, e que pode servir c como um espaço de promoção e produção de saúde (COUTO; MACEDO, 2020).

Revista IGT na Rede, v. 19, nº 36, 2022. p. 03 – 23. Disponível em http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526

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A proposta do trabalho com grupo visa ressaltar as potencialidades pre

sentes no processo grupal, valorizando os sujeitos em sua individualidade

e capacidade de criar novas formas de estar no mundo, numa perspectiva de saúde e satisfação com a vida […] a intervenção em grupo baseada na Gestalt-terapia pode ser uma estratégia terapêutica bastante eficiente ao

considerar os fenômenos que aparecem no encontro, valorizando o que

acontece entre as pessoas, por meio do acolhimento e da escuta, reconhe cendo o outro em sua forma genuína e singular de ser (COUTO; MA

CEDO, 2020 p. 63-64).

Ainda há de ressaltar que, em grupos terapêuticos, o tempo em que os participantes fre quentam importa. Quanto maior o tempo, maior a afinidade e a fluidez das conversas, transformando o grupo em um espaço de convivência, levando o grupo a um estágio de interdependência e intimidade. Sendo assim, a proposta do grupo terapêutico é, ressaltar as potencialidades presentes no processo grupal, valorizando a individualidade do sujeito e a capacidade de criar novas formas de estar no mundo, numa perspectiva de saúde e satisfação com a vida.

Por fim, as autoras reiteram que embora haja referenciais teóricos que trabalhem o tema dos grupos terapêuticos, muito ainda há de ser feito no que tange às aproximações do método com a Gestalt-Terapia. Ademais estudos com os chamados ‘’grupos gestálti cos’'3 já vem sendo amplamente publicados.

Por último, Parente e Belmiro (2015), através de uma revisão de literatura sem caráter de revisão sistemática ou metanálise, provocam uma discussão sobre como a Gestalt-terapia pode contribuir para o papel do acompanhante terapêutico, e apresentam diversos pontos

relevantes, em especial aqueles que dizem respeito ao entorno de onde o paciente está inserido.

As autoras concluem que a Gestalt-terapia pode servir de embasamento teórico para a prática do acompanhante terapêutico, e possui condições de dar suporte teórico para a abordagem, tendo em vista que ambas são compreensivas, e deslocam o foco dos seus trabalhos da doença do sujeito, para compreendê-lo como um todo, paralelamente influ enciado pelo seu ambiente, e altivo em seu processo de acompanhamento.

Há de se considerar ainda, a visão holística de homem que trata a Gestalt-Terapia, de modo a considerar a interação entre organismo e ambiente para compreender suas pró prias ações e emoções. Sendo assim, reitere-se: o ser humano deve ser visto como um todo, não sendo priorizadas partes em detrimento de sua integralidade

Tabela 2. Tipo de estudo, tamanho e característica das amostras, metodologia, obje tivos do estudo, principais resultados e conclusões.

3Para saber mais, sugere-se a leitura de: BORIS, G. D. J. B. Grupos gestálticos: uma proposta fenomenológica de facilitação da cooperação. Estud. pesqui. psicol., Rio de Janeiro, v. 13, n. 3, p. 1124-1158, 2013.

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Autoria

e ano de publicaç ão

Tamanho e

caracterís tica das

amostras

Metodologia do estudo

Objetivos do estudo

Principais resultados e

conclusões

1

Lima,

2020

-

Ensaio

reflexivo de

discussão

teórica.

Propor e discutir uma reflexão sobre a visão de cuidado em Gestalt terapia, bem como

acerca das implicações da abordagem na atua ção do gestalt-tera peuta.

Cuidar gestalticamente é incentivar a autonomia, respeitar todo e qualquer ser humano, no seu modo de ser e estar diante do outro humildemente pois para a GT somos todos seres-no-mundo, atravessados pela existência mundana onde somos cuidados e cuidadores.

Na GT nao existe uma “receita” de cuidado. Aprendemos com o outro e em cada momento o modo próprio e singular de estar com, em cada situação, contexto e ambiente.

2

Pimentel; Castro,

2019

Textos

produzi

dos nos

anos 90

até 2018

que pos

suiam afi nidade

teóricas

junto ao

tema pro posto.

Ensaio refle xivo de dis

cussão teó

rica.

Discutir o conceito ges táltico de ajustamento criativo e a subalterni dade que afeta a auto estima de mulheres negras e lésbicas.

Mesmo ante a Política Nacional de Humanização, o tratamento desres peitoso, preconceituoso e humi lhante, em especial no que tange à saúde sexual e reprodutiva, atinge em cheio as mulheres negras e lés bica que fazem uso dos serviços de saúde na atenção básica.

O uso de jargões como: mulheres lésbicas não engravidam; ou não precisam ir ao serviço de ginecolo gia, sugerem a falta de acolhimento para essa população.

O ajustamento criativo beneficia a identificação com seu corpo, sua cor, sua sexualidade; amar-se, e apreciar cognitivamente seu valor pessoal. Pertencer a um grupo fami liar constitui a primeira fronteira da aprendizagem social do autorreco nhecimento; seguida pela vincula ção ao grupo de pares, de trabalho, de lazer, etc. Deste modo a afirma ção da identidade e da saúde men tal da mulher negra e lésbica requer estratégias criativas, pessoais e co letivas de superação da subalterni dade.

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Autoria

e ano de publicaç ão

Tamanho e

caracterís tica das

amostras

Metodologia do estudo

Objetivos do estudo

Principais resultados e

conclusões

3

Almeida,

2020

-

Revisão de li teratura sem caráter de re visão sistemá tica ou meta nálise.

Discutir sobre a interlo cução entre a gestalt terapia e o cuidado em saúde mental, com ên fase na atuação do psi cólogo (a) no núcleo ampliado de saúde da família e atenção bá sica (NASF-AB).

Percebe-se que o aporte teórico e prático da abordagem gestáltica pode atuar como ferramenta valiosa para as práxis dentro de novos dis positivos de cuidado em Saúde Mental, principalmente no que diz respeito à atuação do profissional de psicologia, respectivamente na AB, através NASF-AB, que ampara por uma abordagem humanista de cunho fenomenológico-existencial, possibilita novos olhares sobre o homem e suas diversas manifesta ções saudáveis e não saudáveis, repercutindo no modos de atenção e cuidado.

4

Bitten

court;

Böing,

2017

-

Ensaio refle xivo de dis

cussão teórica

Refletir com base no Pensamento Sistêmico e da Gestalt-terapia, sobre atuações especi ficas da Psicologia e ações interdisciplinares a partir da experiencia de estágio curricular em um CAPSi.

O pensamento sistêmico, a Gestalt terapia e práticas da Psicologia po dem contribuir não só para as práti

cas especificadas da profissão, como a psicoterapia e a avaliação psicológica, mas também para a qualidade das ações interdisciplina res e intersetoriais. À medida que se reconhece, valorize e qualifica o trabalho do outro, mesmo discor dando e percebendo as diferenças, relações saudáveis entre a equipe podem ser criadas e fortalecidas. O saber e a prática do psicólogo, com a sua escuta e olhar focados nos contextos das relações e signifi cados atribuídos pelos sujeitos às suas experiências com ferramentas teóricas e metodológicas específi cas para compreensão de aspectos intrapsíquicos e interrelacionais, contribuem para o desenvolvimento de uma relação empática que se propõe a perceber o mundo do su jeito a partir da perspectiva dele e de seu contexto, potencializando o processo de intervenção específica e interdisciplinar.

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Autoria

e ano de publicaç ão

Tamanho e

caracterís tica das

amostras

Metodologia do estudo

Objetivos do estudo

Principais resultados e

conclusões

5

Campo;

Daltro,

2016

-

Relato de ex periência em supervisão de estágio

Discutir a utilização de metodologias para o estágio, tais como a  Gestalt-terapia de

curta duração e a ação terapêutica nos moldes gestálticos no contexto de plantão psicológico.

No contexto do estágio, o diálogo mostrou-se uma peça importantís sima no trabalho psicoterapêutico: estar atento ao humano, e às rela ções que se estabelecem entre to dos os participantes, para o aluno, terapeuta-aprendiz, foi importante desenvolver a capacidade de estar

verdadeiramente presente, para fa zer contato com a essência de cada um, e poder ver a humanidade em cada pessoa.

Outro ponto importante foi compre ender e incluir a dimensão social, a vivência da carência como crise, a

necessidade de atuação para me lhorias sociais.

6

Dióge

nes;

Pontes,

2016

Foram en trevista

dos 12

psicólo

gos, ges

talt-tera

peutas ou não, que

trabalham na ESF do Estado do Ceará.

Trata-se de

uma pesquisa qualitativa em saúde, cuja

vertente é fe nomenoló

gica-herme

nêutica, em

uma perspec tiva crítico-di alética, de

narrativas

orais. Utilizou se, como ins trumento de

coleta de da dos, entrevis tas abertas.

Investigar na atuação de psicólogos na Es tratégia Saúde da Fa

mília quanto a possibi lidade de articulações teóricas e práticas a partir do olhar Gestál tico.

A Gestalt-terapia tem aceitação dos psicólogos que trabalham na ESF; e a principal contribuição da aborda gem para esse cenário é a visão de totalidade do ser humano, já que é exigência da ESF e da CA trabalhar com visão integrada de um sujeito singular, compreendido num con texto amplo. Conclui-se que,

quando a abordagem psicológica possui visão de homem que se aproxima das diretrizes da ESF e o psicólogo consegue unir ambas as formações na sua prática, uma ga rantia de atuação qualificada neste contexto é facilitada.

7

Santos et Al., 2017

-

Ensaio refle xivo de dis

cussão teó

rica.

Promover um diálogo entre a Terapia Comu nitária Integrativa, a partir de verbalizações de participantes de ro das de TCIs.

Conclui-se que ambas as teorias apresentam uma profunda ligação em suas práticas, mesmo sendo uti lizadas de formas diferentes, onde ambas proporcionam ao indivíduo bem-estar, autoconhecimento, res ponsabilização e consciência, pro movendo através de suas práticas a capacidade do indivíduo desenvol ver a resiliência, levando o mesmo a um empoderamento social e indi vidual.

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Autoria

e ano de publicaç ão

Tamanho e

caracterís tica das

amostras

Metodologia do estudo

Objetivos do estudo

Principais resultados e

conclusões

8

Couto;

Macedo,

2020.

8 mulhe

res partici pantes do grupo te

rapêutico

“mulheres em foco.”

Estudo de

caso sobre

um trabalho

realizado en tre março e

dezembro de 2019 em está gio integrado de Psicologia.

Relatar a experiência de estágio de um

grupo terapêutico de mulheres a partir de um olhar gestáltico.

Em grupos terapêuticos, o tempo em que os participantes frequentam importa. Quanto maior o tempo, maior a afinidade e a fluidez das conversas, transformando o grupo em um espaço de convivência, le vando o grupo a um estágio de in terdependência e intimidade.

A proposta do grupo terapêutico é, ressaltar as potencialidades presen tes no processo grupal, valorizando a individualidade do sujeito e a ca pacidade de criar novas formas de estar no mundo, numa perspectiva de saúde e satisfação com a vida.

9

Parente;

Belmiro,

2015.

Revisão de li teratura sem caráter de re visão sistemá tica ou meta nálise.

Repensar a contribui ção da gestalt-terapia para a prática do

acompanhante tera pêutico.

A Gestalt-terapia pode servir de em basamento teórico para a prática do acompanhante terapêutico, pois possuem condições de dar suporte teórico para a abordagem, tendo em vista que ambas são compreensi vas, e deslocam o foco dos seus trabalhos da doença do sujeito, para compreender como um todo, influ enciado pelo seu ambiente e altivo em seu processo de acompanha mento.

A Gestalt-Terapia e as Contribuições para o Tema da Atenção em Saúde Mental

Ao ponto em que a Gestalt-Terapia parece se tratar de uma abordagem compreensiva, que desloca o conteúdo manifesto para a forma como este interage no campo orga nismo/ambiente, tem-se a partir disso uma perspectiva não patologicista sobre o tema da saúde mental. Deixa-se assim, de perceber o paciente como objeto foco da intervenção, para tê-lo então como pessoa que, inserida e em constante interação com seu meio, pro cura-se ajustar-se de maneira criativa para evoluir e superar as suas dificuldades. De acordo com a perspectiva gestáltica, ao confrontar-se com os desafios que lhes são im postos, o ser-no-mundo, nesse momento tido como um portador de adoecimento mental, não se trata de um incapaz, mas de alguém cujo adoecimento fora a melhor forma encon trada para o enfrentamento de suas vivências (MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRAN ZOTTO, 2012).

Nessa esteira, parte-se do pressuposto que todo contato é algo dinâmico, inventivo e ativo, pois se está a todo o momento lidando com o novo e, por vezes inesperado, ten-

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tando assimilá-lo (PARENTE; BELMIRO, 2015). Então, segundo Perls, Hefferline e Good man (1997), todo contato é ajustamento criativo do organismo e ambiente, porém o pro cesso não é executado de maneira passiva, sendo a subjetividade humana a responsável por eleger aquilo que deve ou não ser assimilados, experimentados ou constatados. E é nesse ponto onde os fatos percebidos como nocivos ou maléficos não serão assimilados, mas tentar-se-á defender-se deles através de mecanismos como introjeção, projeção, confluência e retroflexão.

Sendo assim, episódios de surto e adoecimento mental não ocorrem de forma aleatória ou eventual, mas se tratam de uma manifestação em resposta para algo - ou uma de manda - que o sujeito não possui, naquele momento, a resposta. Eis que a emerge-se tal vez o mais relevante papel ético da clínica gestáltica: o de não exigir do sujeito aquilo que o mesmo não tem condição de ‘’ser’’, mas acolhê-lo em sua singularidade, tendo como tarefa ética acolher os ajustamentos de busca e estabelecer o manejo das demandas para as quais aqueles ajustamentos são respostas (MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER GRANZOTTO, 2012; PARENTE; BELMIRO, 2015).

Nesse sentido, a Gestalt-terapia acredita que o crescimento e a mudança

ocorrem a partir do momento em que se torna cada vez mais o que é e

não, quando tenta ser o que não é. Para isso, é necessário que na relação terapêutica sejam explicitados e aceitos todos os pensamento e desejos,

mesmo desagradáveis e dolorosos, pois só assim a pessoa pode se expe rienciar e a mudança ocorrer. Assim, faz parte do papel do Gestalt-tera

peuta possibilitar subsídios para que a pessoa possa ser o que é, e a partir daí construir uma base sólida para que possa caminhar sozinha. No en

tanto, para que isso aconteça é preciso que a mudança seja vista como

ligada ao risco, o risco de experimentar novas situações e papéis, para que ela possa chegar ao que é (SILVA, 2012 p.219)

Segundo Ribeiro (2006), um trabalho cuidadoso do Gestalt-Terapeuta consiste em colocar o cliente diante de suas reais possibilidades para que, ao vivenciar suas contradi ções internas, possa descobrir que a palavra fácil não pertence ao mundo dos adultos, mas sim ao das crianças. Eis que a forma gestáltica de vislumbrar o sujeito em adoeci mento mental torna-se, diante do exposto, semelhante ao do novo paradigma de cuidado em saúde mental, pois ambos visam perceber esse indivíduo de forma contextualizada, e habitando um ecossistema biopsicossocial, ao tempo em que se prioriza uma visão com preensiva e multifatorial da doença, enquanto processo dinâmico de autoconstrução (SILVA, 2012).

Tendo em mente que o novo paradigma de cuidado em saúde mental, proveniente da Reforma Psiquiátrica possui, como uma de suas premissas básicas a percepção do in divíduo - portador ou não de adoecimento mental - como um ser que detém potencialida des naturais que lhe possibilitam ir em busca de sua autorregulação e de seu equilíbrio organísmico como um todo, e percebido a partir de seu entorno, pode-se dizer que a perspectiva gestáltica muito tem a contribuir para o tema, ao passo em que reconhece o homem enquanto senhor de sua história e possibilidades, e capaz de trilhar o seu cami nho em busca de escolhas mais saudáveis.

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Contribuições da Gestalt-Terapia para a discussão de Políticas Públicas de atenção em Saúde Mental

1 - As relações de vulnerabilidade pelas quais passou o ser humano, no decorrer de suas vivências, poderão influenciar potenciais estados de fragilidade e subalternidade futuros.

2 - Para um afinamento do conceito gestáltico de atenção em saúde mental, há de se re conhecer o ponto de vista holístico, organísmico e a teoria de campo.

3 - Um dos objetivos do profissional terapeuta, numa abordagem grupal ou social, e em basado pela Gestalt-Terapia, deve ser ajudar a construir e reforçar uma noção de autocui dado e de auto apoio para com seus pacientes.

4 - Os processos de adoecimento e de sofrimento mental podem ser percebidos através do prisma do ajustamento criativo, que é dinâmico, ou seja, uma reação organísmica com o intuito de superar as dificuldades envoltas às vivências individuais.

5 - O homem gestáltico é um ser-no-mundo, que vive, transforma e é transformado cons tantemente por seu meio. Não é, pois, um objeto de análise, de pesquisa, ou um número de prontuário.

6 - Há de se possuir um olhar para a territorialidade quando a se trabalhar com saúde mental, o histórico pessoal passado importa e repercute no aqui-e-agora do paciente.

7 - Tanto grupal, como individualmente, deve-se colocar o diagnóstico de lado para se perceber o sujeito e seu sistema de necessidades, ouvindo-o e investigando as suas rela ções de cuidado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Todos os estudos corroboram com o fato de que a Gestalt-Terapia pode contribuir para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas dentro do contexto da atenção em saúde mental. Por apresentar-se como uma abordagem humanística, possui em seus pressu postos semelhanças com o atual paradigma de cuidado em saúde mental, principalmente ao ponto em que visa perceber a pessoa ao invés da doença, bem como os seus proces sos de ajustamento ao invés de seu diagnóstico.

Um desafio bastante grande, para os profissionais que atuam no serviço público de aten ção à saúde mental, parece ser o de perceber o potencial criativo e reconstrutivo do ser humano, que por vezes encontra-se em situação de grave adoecimento e de sofrimento mental. Trata-se aí de identificar aspectos em suas vivências que lhes trazem desajusta mento, e nesse sentido o profissional terapeuta deve, aos poucos, amparar o paciente em seu encontro com a dor e com o estado de não-ser, pois o auto crescimento somente se dá quando a partir do encontro com aquilo que se é.

Para tal, o entendimento de homem histórico e holístico de faz necessário, pois as marcas do passado se fazem presentes em comportamentos e escolhas. As vivências de cuidado - e da falta dele - manifestam-se no modo de ser-no-mundo do sujeito, em seu aqui-e agora, ou seja, em sua relação com o meio. Cuida-se, pois, um dia se foi cuidado, e

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nesse sentido, o cuidado e figura sine qua non para a existência humana. Pode aprender muito sobre a história de vida de uma pessoa, e sobre seus processos de adaptação e ajustamento criativo, a partir da perspectiva do cuidado.

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência

Romano Deluque Júnior

E-mail: romanodeluque@gmail.com

Cesar Augusto Marton

E-mail: cmarton23@gmail.com

Márcio Luís Costa 

E-mail: marcius1964@gmail.com

Recebido em: 09/04/2022

Aprovado em: 31/12/2022

Revista IGT na Rede, v. 19, nº 36, 2022. p. 03 – 23. Disponível em http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526