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AZEVEDO, Diéssica Coleraus Radecki, SCHROCK, Camila Garcia Galvão Costa - “Os sabores e  dissabores do psicólogo no atendimento ao comportamento suicida: vivências na Residência  Multiprofissional em Saúde Mental

ARTIGO

Os sabores e dissabores do psicólogo no atendimento ao  comportamento suicida: vivências na Residência Multiprofissional  em Saúde Mental

The psychologist’s pleasant and unpleasantness in attending to suicidal  behavior: experiences in the Multiprofessional Residency in Mental Health  

Diéssica Coleraus Radecki de Azevedo

Camila Garcia Galvão Costa Schrock

Revista IGT na Rede, v. 18, nº 35, 2021, p. 260 –281. Disponível em http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526

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RESUMO

O comportamento suicida é uma demanda complexa e frequente nos atendimentos  de Saúde Mental, sendo ainda considerado um tabu. Havendo pouquíssimas  publicações a respeito do que o psicólogo sente no atendimento a este tipo de  demanda. O objetivo deste artigo foi descrever sentimentos e reflexões nas  vivências enquanto psicólogo no atendimento ao paciente com comportamento  suicida e seus familiares utilizando como embasamento teórico a Gestalt-terapia. O relato de experiência foi escolhido como método de pesquisa, a partir da narração  de algumas situações vivenciadas no programa de Residência Multiprofissional de  Vilhena-RO, na área de Saúde Mental. Para consolidar este artigo foi realizada  pesquisa bibliográfica. As considerações trouxeram um convite à reflexão sobre o  ser psicólogo e o fazer psicologia, principalmente, diante do comportamento de crise  suicida, propiciando recursos para que diante do sofrimento, o psicólogo não fique  submerso na dor do outro.

Palavras chaves: Gestalt-terapia, suicídio, atuação (psicologia).

ABSTRACT

Suicidal behavior is a complex and frequent demand in Mental Health care, suicide is  still taboo. There are very few publications about waht the psychologist feels in meeting  this type of demand. The objective of this article was to describe feelings and  reflections in the experiences as a psychologist in the care of patients with suicidal  behavior and their families using Gestalt-therapy as a theoretical basis. The  experience report was chosen as a research method, based on the narration of some  situations experienced in the Multiprofessional Residency program in the city of  Vilhena-RO, in Mental Health. To consolidate this article, a bibliographic research was  carried out. The considerations brought an invitation to reflect on being a psychologist  and acting out psychology, especially in the face of suicidal crisis behavior, providing  resources so that, in the face of suffering, the psychologist does not submerge himself  in the pain of the other.

Keyswords: Gestalt-therapy, suicide, acting out (psychology).

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Introdução

A morte é uma possibilidade. Todo ser que vive, consequentemente morrerá.  Entretanto, nosso organismo anseia pela vida, e falar sobre morte e morrer, gera  incômodo, desconforto. Oliveira (2020) afirma que o assunto morte, está ausente  das discussões cotidianas e as pessoas não querem falar e nem ouvir sobre morte.  E se algo considerado normal e inerente a condição humana é tão difícil de ser  falado e explicado, quem dirá a morte auto provocada, o suicídio.

É assustador a quantia crescente do número de casos de suicídio. Mais de 800 mil  pessoas morrem por ano em consequência de suicídio e a cada 40 segundos uma  pessoa morre por autoextermínio. O suicídio configura-se como a segunda maior  causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. Considera-se um desafiador e  complexo problema de saúde pública, no âmbito nacional e mundial, como  apresentam dados da Organização Mundial da Saúde (2000).  

Apesar da alta incidência, Fukumitsu e Sousa (2015) pontuam que o assunto ainda é  considerado um tabu, havendo muito preconceito relacionado ao suicídio, o que  pode corroborar para uma baixa notificação dos casos, bem como, a atribuição da  morte a outros fatores que não o suicídio, logo, possivelmente há muitos casos não  notificados. A falta de informação e da reflexão sobre o assunto, geram dúvidas,  dificuldades e até mesmo manejo incorreto do comportamento suicida, tanto por  parte dos psicólogos, quanto pelos demais profissionais da área da saúde, familiares  e sociedade como um todo.  

O comportamento suicida envolve o suicídio, a tentativa de suicídio e a ideação  suicida. A ideação suicida está relacionada com o pensamento de tirar a própria  vida, sem necessariamente que haja uma ação, são pensamentos, ideias e até  

mesmo o planejamento do ato; a tentativa de suicídio está relacionada com a ação,  com o comportamento auto lesivo sem que ocorra a morte, e o suicídio propriamente  dito, é a consumação do dano autoprovocado, ou seja, a morte auto infligida  (BARROS; AQUINO, 2019; OLIVEIRA et al., 2016).

Traduz-se a palavra suicídio como sendo a morte de si mesmo. O  

termo refere-se à morte intencional, com o intuito de fugir de si ou de  

um grande sofrimento. Aponta-se que o suicida não está em busca  

da morte em seu ato, mas vivencia uma fantasia onde matar-se não  

implica em necessariamente morrer. Cassorla (1985/2005 apud  

MÜLLER; PEREIRA; ZANON, 2017, p.8).  

A ideação, a tentativa e o suicídio são partes de um todo. Neste trabalho  consideraremos não apenas o suicídio em si, mas também o comportamento  suicida. O comportamento suicida faz parte das demandas dos serviços de saúde  mental, sendo considerada por Heck et al. (2012) uma demanda complexa.

Segundo Oliveira (2020) a maioria da literatura científica refere-se as vivências  emocionais do paciente em crise suicida, fatores de risco e proteção ao suicídio,  manuais de orientação profissional, mas conhece-se pouco sobre o que o psicólogo  sente e as vivências emocionais do psicólogo frente ao paciente com

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comportamento suicida. Há poucas publicações a respeito do que o profissional de  saúde sente no atendimento a este tipo de demanda.

Desse modo, observa-se a necessidade de incremento na produção científica  apresentada, uma vez que o conhecimento dessa realidade pode contribuir para a  qualificação e capacitação da prática profissional do psicólogo no atendimento ao  paciente com comportamento suicida, bem como ao atendimento de familiares e  suporte a equipe multiprofissional. Há uma carência nas produções científicas  brasileiras acerca do tema. Inclusive, na graduação de psicologia pouca ou  nenhuma informação a respeito do suicídio é discutida. Cerqueira e Lima (2015)  apontam que a ausência das discussões acerca desta temática na graduação,  propiciam um déficit na atuação do psicólogo, que pode ter dificuldades no  enfrentamento dessas situações, não prestando um cuidado efetivo nem ao paciente  nem a si mesmo.  

As reflexões apresentadas neste artigo foram feitas a partir da abordagem da  Gestalt-terapia. A Gestalt-terapia é uma abordagem psicológica na perspectiva  fenomenológica humanista e existencial, embasada na fenomenologia enquanto  método, no existencialismo e na psicologia humanista, enquanto visões de homem.  Surgiu por volta da década de 1950 nos Estados Unidos, tendo por seu precursor  Frederick Salomon Perls juntamente com outros colaboradores como: Paul  Goodman, Laura Polsner, Isadore From, Paul Weisz, Elliot Shapiro, Alison Montague  e Sylvester Eastman (considerados o grupo dos 7), que foram inspirados por  diversas correntes, como: o Existencialismo, a Fenomenologia, a Psicologia da  Gestalt, a Teoria Organísmica de Goldstein, a Teoria de Campo de Lewin, o  Holismo, o Psicodrama, Reich e filosofias orientais (FUKUMITSU, 2012).

Desde que iniciei minha trajetória como psicóloga residente na Residência  Multiprofissional em Saúde Mental, vivi os muitos sabores e dissabores de me dispor  a cuidar de vidas, principalmente daquelas vidas que desistiram de viver. Confesso,  a priori fiquei impressionada e assustada com a demanda significativa de pessoas  com comportamento suicida. O número de pacientes que buscam o serviço por  ideação ou após tentativas de suicídio é alarmante.  

A temática suicídio esteve presente durante todo o período da Residência. Diante  disso, fui instigada a refletir e pesquisar sobre o tema. Algumas perguntas não  quiseram calar e ecoavam na minha mente: Como lidar com o meu sentir diante do  sentir do outro? Como lidar com meu sentido de existência frente àquele que não vê  sentido na sua? Enquanto psicóloga como poderia estar apta a lidar com situações  de ideações e tentativas de suicídio? Como estar preparada (tecnicamente,  fisicamente e emocionalmente) para lidar com pessoas que encontraram no suicídio  uma solução?

Essas indagações se tornaram não mera curiosidade, mas uma obrigatoriedade  diante de tantas demandas que emergiram no meu exercer profissional enquanto  residente de psicologia. Havia em mim uma inquietação e um desconforto frente a  essa temática, percebi nas trocas de experiências com colegas psicólogos(as), que  essas indagações e desconforto não eram apenas meus, mas havia um profundo  sentimento de “não saber” também por parte dos outros psicólogos(as), ouso dizer,

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dos outros profissionais da área da saúde com os quais me deparei. E de fato,  enquanto psicólogos(as) não ocupamos um lugar de um suposto saber. Não temos  um saber a priori, apenas quando adentramos nas vivências, experiências e no  mundo do outro, que o que era desconhecido torna-se conhecido.

Na graduação não tive contato com demandas de comportamento suicida, nem nos  estágios e muito menos em sala de aula. Essa temática não fazia parte da grade  curricular, tornando-se essa carência de suporte teórico e emocional um desafio  durante a Residência. Porém, tornou-se também uma oportunidade de  aprendizagem e enriquecimento no meu modo de ser e estar no mundo enquanto  pessoa e profissional.

Diante disso, este artigo objetivou descrever sentimentos e reflexões nas vivências  da autora deste trabalho no atendimento ao paciente com comportamento suicida e  seus familiares utilizando como embasamento teórico a Gestalt-terapia.

METODOLOGIA

Para a elaboração do presente artigo escolhi o relato de experiência como método  de pesquisa, a partir da narração de algumas situações vivenciadas durante minha  trajetória nos dois anos (24 meses) que decorreram o período de especialização  modalidade lato sensu voltada para a educação em serviço proporcionada pelo  programa de Residência Multiprofissional de Vilhena-RO, núcleo de Saúde Mental,  autorizado pela Portaria Conjunta Nº 1, de 14 de Janeiro de 2015 (BRASIL, 2015).

A partir das demandas de comportamento suicida que surgiram, meu interesse  acerca desta temática foi aguçado. Com o findar da especialização no programa de  Residência Multiprofissional e a exigência da elaboração de um artigo como  Trabalho de Conclusão da Residência, desejei partilhar minhas vivências,  sentimentos e reflexões no atendimento ao paciente com comportamento suicida e  seus familiares, embasada na Gestalt-Terapia. É importante destacar que não foi  apresentado nenhum caso em específico, tampouco os pacientes foram abordados  como participantes deste estudo.

O núcleo de Saúde Mental na área de Psicologia conta com três cenários de prática:  Unidade Básica de Saúde (UBS) inserido no Núcleo de Apoio à Saúde da Família  (NASF), Hospital Geral (Hospital Regional Adamastor Teixeira de Oliveira), o Centro  de Atenção Psicossocial (CAPS), todos na cidade de Vilhena-RO. Enquanto  residente de psicologia deste núcleo, exerci minha prática em cada um desses três  cenários, cada qual com suas particularidades. Na UBS passei um período de 9  meses, no Hospital Geral 2 meses e no CAPS 11 meses, levando-se em conta os  dois meses de férias que todo residente tem direito.

Em todos esses cenários surgiram demandas de comportamento suicida. Porém, no  Hospital Geral e no CAPS as demandas foram mais intensas e as crises de  comportamento suicida foram mais evidenciadas, sendo portanto, elegidos esses  dois locais de prática para discussão neste artigo. Esses cenários foram  significantes na minha construção profissional.

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Para consolidar este artigo foi realizada pesquisa bibliográfica, a qual tem por  objetivo possibilitar que o pesquisador entre em contato com material que já fora  produzido em relação ao tema estudado. “Ressalta-se que a pesquisa bibliográfica  não é uma repetição do que já foi dito ou escrito acerca de determinado assunto  mas, fornece a compreensão de um tema a partir de um novo enfoque ou  abordagem, propiciando dessa forma, novos olhares e reflexões sobre um mesmo  assunto.” Lakatos e Marconi (2003 apud COUTO; CUNHA, 2017, p.245).

Foi realizada a coleta de artigos na Biblioteca Virtual em Saúde, SciELO - Scientific  Electronic Library Online, PePSIC - Portal de Periódicos Eletrônicos em Psicologia,  LILACS - Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da  Saúde, Google Acadêmico, Trabalhos de Conclusão de Curso, Monografias,  Dissertações, Revistas científicas periódicas e livros. Foram selecionados apenas  materiais em português, que atendessem aos seguintes descritores: comportamento  suicida, manejo psicoterapêutico no suicídio, psicólogo no atendimento ao suicídio,  Gestalt-terapia e suicídio e, intervenção na crise suicida. Foram excluídos materiais  que não atendem a esses critérios e/ou que não se relacionem ao tema suicídio.  

QUANDO A MORTE ACONTECE  

O sistema de saúde pública do Brasil foi configurado na forma de rede, desse modo,  os diferentes serviços de saúde estão interligados e atuam em conjunto. Nenhum  serviço de saúde isolado é capaz de garantir a universalidade, integralidade e  continuidade do cuidado a população. O hospital faz parte dessa rede de atenção e  cuidado, tendo um papel muito importante quando se fala em suicídio, já que,  geralmente a emergência hospitalar é o primeiro serviço de saúde a ser procurado  no socorro de indivíduos após uma tentativa de suicídio (FERREIRA; GABARRA,  2014). Sendo assim, não poderia deixar de fora deste artigo minha atuação como  residente no hospital. Embora tenha sido um curto período de tempo foi uma  experiência intensa. Além de mim, havia outra residente de psicologia do núcleo de  Saúde Mental contribuindo para o serviço de psicologia do hospital, que conta com  uma psicóloga efetiva e residentes dos núcleos de Intensivismo e Urgência e  Trauma.

Quando algum paciente chegava ao pronto-socorro (PS) e a equipe identificava  demandas de saúde mental ou uma possível tentativa de suicídio, era acionado o  serviço da psicologia. Na maioria dos casos atendidos, quando nós psicólogas  chegávamos ao PS o paciente já havia recebido os cuidados médicos e  procedimentos físicos necessários para a manutenção da vida, então, na medida  das possibilidades do paciente, era realizado o acolhimento, uma escuta qualificada  era ofertada.  

Consoante ao que afirmam Oliveira et al. (2016) quando o paciente dá entrada no  hospital por tentativa de suicídio, após serem realizadas as condutas de cuidados  físicos pela equipe de saúde é necessário que seja realizado a avaliação do  funcionamento psicossocial do paciente e seu acolhimento. Bem como, realizado

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acolhimento da família ou acompanhante, havendo demanda por parte da rede de  apoio e/ou para obter informações e realizar orientações quanto ao paciente.

De acordo com os autores acima citados a avaliação inicial tem como objetivo  buscar conhecer os motivos da tentativa de suicídio, mensurar o grau de  intencionalidade, verificar o grau de risco do comportamento suicida, bem como o  manejo adequado para aquela situação. Lembrando que cada indivíduo é único e  singular.

Observou-se que no contexto hospitalar há baixa aceitação e operacionalização dos  cuidados em saúde mental, contrariando a proposta da Lei 10.2016/2001, que  dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos  mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. 

Mesmo num curto período de tempo foi possível perceber o desprezo que alguns  membros da equipe de saúde tinham ao se referir a pacientes de saúde mental ou  após tentativas de suicídio. Em várias ocasiões ouvi frases como: “paciente deu  entrada aqui no PS dando showzinho”, “essa aí só quer chamar a atenção”, “vai lá  bater um papo com o perturbado do leito x”, “já que quer morrer, não sei porque não  faz direito”, “tanta gente lutando pela vida e esse aí tentando morrer”, entre tantas  outras, com esse mesmo cunho estigmatizante e preconceituoso.

Vidal e Gontijo (2013) pontuam que em muitas ocasiões os transtornos mentais são  desacreditados, não sendo considerados pela equipe de saúde como uma doença.  Principalmente em tentativas de suicídio, percebe-se uma inabilidade por parte da  equipe para proporcionar um tratamento digno ao indivíduo. O comportamento  suicida pode desencadear na equipe atitudes hostis e desumanizadas, como  referido acima, a equipe pode utilizar termos jocosos e preconceituosos ao se  direcionar aos pacientes que tentaram suicídio, especialmente, quando a tentativa  propiciou um risco mínimo de morte. 

Essas atitudes por parte da equipe demonstram um despreparo. Conforme afirmam  os autores supracitados, profissionais que foram treinados para salvar vidas podem  sentir sua vocação questionada e desencadear conflitos emocionais quando se  defrontam com pacientes que não desejam viver. Kovács (2010) afirma que muitos  profissionais da saúde tem a ideia ilusória de que podem driblar a morte. Então, lidar  com aquele que tentou o autoextermínio, é desafiador e escancara fragilidades. Bem  como, defronta o profissional com sua própria finitude, lutos e perdas. Podendo  segundo a autora desencadear adoecimentos tanto a nível individual quanto  coletivamente.

Além disso, a manifestação de reações negativas e intolerância por parte da equipe  de saúde, são prejudiciais ao processo terapêutico, essas reações podem acentuar  a desesperança dos pacientes e representar oportunidades perdidas para instituir o  tratamento ou o encaminhamento para serviços de saúde mental. Percebi durante  

minha atuação como residente que muitos profissionais não estão preparados para  atender pacientes que tentaram suicídio. No início de minha atuação com esse tipo  de demanda, me dei conta do meu próprio despreparo.

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Certa ocasião, fui chamada no PS para atender uma demanda de tentativa de  suicídio. Quando cheguei, a equipe já havia feito lavagem gástrica e os outros  procedimentos necessários, o paciente estava estável fisicamente, sem alterações  nos sinais vitais. Foi muito impactante ao entrar no PS, me deparar com um senhor  com seus aproximados 70 anos de idade, deitado na maca em posição fetal, ele  parecia estar petrificado, imóvel, olhar paralisado, apenas lágrimas escorriam em  sua face, não emitia sequer um único som, até sua respiração era quase inaudível.  Me senti estremecida ao ver um homem, grande, forte apesar da idade, parecer tão  fragilizado.

Embora já houvesse atendido outros chamados por tentativa de autoextermínio,  essa foi a primeira e única vez, em que eu senti como se a vida já não estivesse ali,  ele não apenas pensava em desistir, ele já havia desistido da vida. Não havia a tão  costumeira ambivalência, que segundo Fukumitsu (2014) é um sentimento  conflituoso geralmente apresentado por pessoas em crise suicida: o desejo de  morrer ao mesmo tempo em que se deseja viver de outra maneira. Ele não  aparentava esse conflito, não apresentava dúvida, nem mesmo arrependimento.  Havia apenas à espera da morte, a passagem ao ato, como pontuam Cremasco e  Brunhari (2009) diante da angústia, “o sujeito cai fora da cena em que se encontra.”  (p.801).

Essa vivência me tocou profundamente, compactuo com Zana e Kovács (2013) que  afirmam que diante do comportamento suicida pode haver intensa mobilização  psíquica por parte do profissional e foi dessa forma que me senti: mobilizada, triste e  perdida, me deparei com diversos questionamentos, angústias e dúvidas. Ali  sentada ao lado daquela maca permaneci por um bom tempo, palavras não haviam  em mim, me senti pequena. Me dei conta da minha impotência frente a tamanho  sofrimento, não sei que sofrimento era esse, só sei que sofria.

Foi a primeira e última vez que o vi, mas seu olhar ainda permanece em mim, como  um lembrete do estar presente, da nossa presença, do impacto que o contato pode  proporcionar, seja pelo olhar, pela fala, pelo gesto ou até mesmo pelo silêncio. De  acordo com Juliano (1999) a qualidade da presença revela uma atitude  descontraída, atenta, inteira, disponível e energizada, ficando com o fenômeno tal  como ele se apresenta. Presença não pode ser confundida com carisma, antes é  estar consciente de si mesmo, de suas sensações e o uso de si mesmo como  instrumento.

Estar atenta de mim mesma enquanto psicóloga possibilita, como pontua Polster  (2001), agir como um artista, que age a partir dos próprios sentimentos, usando o  seu próprio estado psicológico como um instrumento da terapia. Enquanto psicóloga  eu sou meu instrumento de trabalho, e portanto preciso olhar para dentro, para estar  disponível para o que está lá fora, preciso me dar conta do EU, para possibilitar o  encontro com o TU. Diante da dor do outro posso me estremecer e acabar me  deparando com minhas próprias dores, é preciso entender que nos afetos do  encontro a gente afeta e é afetado também.

A isso Hycner (1995) traz o conceito de curador ferido, dois seres cheios de  histórias, dores e feridas, sendo o terapeuta (psicólogo) mesmo com suas próprias

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dificuldades e sofrimentos, capaz de cuidar do outro. Mas para que isso ocorra, o  profissional precisa estar atento aquilo que é seu conteúdo emocional e psicológico  e o que é conteúdo do cliente (paciente), é necessário que o profissional faça essa  diferenciação e haja com competência, pois em muitos momentos se deparará com  feridas que não estão resolvidas e curadas em si mesmo.  

Além da presença, naquele momento percebi que nada mais havia a se oferecer  aquele paciente, que permanecia absorto em seu próprio eu. Após conversar com o  médico sobre o estado clínico do paciente me encontrei com sua família. É de suma  importância o acolhimento dos familiares, pois é possível coletar informações sobre  a situação e a construção de um histórico de saúde, que possa incluir transtornos  psiquiátricos ou tentativas de suicídio anteriores (FREITAS; BORGES, 2017).

A família aguardava ansiosa no corredor esperando por notícias. Ali mesmo numa  cadeira no meio do corredor, acolhi aquela família cheia de anseios e esperanças.  Não houve tentativas de suicídios anteriores, mas há tempos aquele homem fazia  tratamento medicamentoso para depressão. Na literatura, a depressão e outros  

transtornos mentais são trazidos como fatores de risco para o suicídio (REIS;  BEZERRA; REIS, 2020; FEIJOO, 2019; BOTEGA, 2015), cabe salientar que os  transtornos mentais não determinam o ato suicida, embora possam o favorecer  (FUKUMITSU; SOUSA, 2015).

Entretanto, não cabe a generalização de que o fenômeno deva ser  

considerado, única e exclusivamente, decorrente de um problema de  ordem psicopatológica, ou de alguma desordem social; nem que ele  esteja ligado, de forma unívoca e simplista, a determinados  acontecimentos da vida, como rompimentos amorosos ou perda de  emprego, entre outros. Kovács (2008 apud CESCON; CAPOZZOLO;  LIMA, 2018, p.187).

Para a família, a tentativa do suicídio estava relacionada unicamente a depressão, e  por se tratar de algo relacionado a uma “simples” doença, a família já fazia planos de  um futuro tratamento, o profissional que iriam procurar, o que deveriam fazer. Não  sei se fui contaminada pela esperança da família em uma boa recuperação, ou se foi  apenas minha ingenuidade e/ou inexperiência que me afastaram da possibilidade do  óbito, mas percebo que no acolhimento daquela família fui levada pela fantasia da  vida. Na minha própria negação pela morte, contribui não de forma positiva para que  aquela família se afastasse do tão doloroso presente, e das possibilidades reais da  finitude.  

Freitas e Borges (2017) afirmam que em situações de tentativa de suicídio é normal  que a família esteja fragilizada, angustiada e assustada, com medo do que possa vir  a ocorrer. Enquanto psicóloga, deveria estar apta a lidar com a angústia, mas não  estava, e por consequência não acolhi as angústias daquela família, ficamos todos  na fantasia e no esperançar de uma alta, a qual nunca aconteceu.  

Oliveira (2020) pontua que nós seres humanos temos atitudes fóbicas em relação  aquilo que gera sofrimento, ou seja, tentamos a todo custo não pensar, não sentir,  não vivenciar o sofrimento. Contudo, a negação não nos impede de sofrer, apenas  

através da awareness, definida por Yontef (1993) como sendo a apreensão, com  todas as possibilidades de nossos sentidos, da ocorrência do mundo dos fenômenos 

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dentro e fora de nós, é possível, não diminuir o sofrimento ou acabar com ele, mas  possibilitar um novo manejo.  

Levando-se em conta a importância dada a awareness pela Gestalt Terapia, sendo  considerada um conceito central e o objetivo a ser alcançado por esta abordagem,  apresento também a definição dada por Stevens (1988, p.11):

Awareness é uma palavra que não possui correspondente preciso  

em nosso idioma. Em geral é traduzida por "consciência", porém seu  

significado é muito mais amplo. No sentido psicológico, o equivalente  

em inglês de “consciência” seria consciousness. Awareness, porém,  

possui uma conotação que transcende este sentido, envolvendo um  

aspecto maior de “consciência”. Assim, awareness pode significar  

“consciência”, “conhecimento”, “ciência”, “atenção”, “percepção” ou  

“sensação da presença de algo”. To be aware pode ser “ter  

consciência”, “estar consciente”, “estar ciente”, “ter conhecimento”,  

“perceber, sentir a presença de algo em determinado momento”,  

“presentificar”, “aperceber-se de” etc. Em virtude dessa gama de  

significados possíveis, a palavra awareness foi traduzida  

alternadamente, de uma ou outra forma, procurando-se adaptar a  

conotação que parecesse a mais apropriada para o contexto  

específico.  

No dia seguinte, ao chegar no serviço de psicologia, uma Psicóloga Residente de  Intensivismo me informou que aquele meu paciente havia dado entrada na Unidade  de Terapia Intensiva (UTI) no final da tarde e veio a óbito na mesma noite, o método  utilizado pelo paciente havia causado danos internos irreparáveis.

Obviamente, não poderia tê-lo salvo, mas me senti triste ao receber a notícia do  óbito, mesmo tendo tido tão curto e pequeno contato com aquele paciente e seus  familiares. Perder um paciente pode ser impactante e, de fato foi, “porém, é sábio  compreender que apesar da dor de perder um paciente, não se pode viver pelo  outro.” (DIAS, 2019, p.10). Lidar com o fenômeno do suicídio implica em  aprendizagem, implica em se dar conta da imprevisibilidade da nossa vida e da vida  do paciente, implica aprender a lidar com o desespero, anedonia, falta de sentido da  existência, de buscar os próprios sentidos de existir, lidar com a dialética vida e  morte.

Além de triste, me senti falha, pois minha conduta com aquela família poderia ter  sido diferente, deveria ter “caminhado” com eles pela possibilidade da morte. Isso  não lhes tiraria o sofrimento, mas possivelmente tornaria o “caminhar” menos  assustador. Como descrito anteriormente a awareness possibilita manejar o  sofrimento de outra forma. Contudo, estava profundamente ofuscada por minhas próprias percepções e julgamentos, o que obviamente afetou o manejo da situação.  Fukumitsu (2014) afirma que o manejo psicoterapêutico está intimamente ligado ao  modo como o profissional percebe o fenômeno do suicídio.

A morte por suicídio era colocada por mim num lugar do inimaginável, até que a  morte aconteceu. Pensar e falar sobre suicídio não se tornou algo simples ou fácil,  mas a partir dessa vivência me possibilitou entrar em contato com as minhas

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fragilidades e vulnerabilidades, com o meu sentir sobre isso, me fez buscar  conhecimento não apenas teórico, mas interno. Como afirmam Martins e Lima  (2014, p.5) “ao entrar em contato com a dor o ser humano tem a possibilidade de  reconhecer seus próprios limites e descobrir formas mais autênticas de existir.”

A partir dessa vivência que me gerou incômodo, entendi que poderia encontrar  formas mais autênticas de lidar com a morte, me dar uma oportunidade de ser  melhor, de ser minha melhor versão enquanto profissional. Dessa forma, o próximo  paciente, a próxima família, a próxima crise puderam ser melhores conduzidas,  acolhidas. Como afirma Toro et al. (2013) apenas diante do reconhecimento do  incômodo é possível se conscientizar dos sentimentos que envolvem uma situação  e, desse modo ressignificar experiências.

Diante do medo não existe apenas a opção de lutar e fugir, existe também a opção  de aprender, apreender, isso não significa não sentir, mas entrar em contato com os  sentimentos que surgem avassaladores, estar aware de si mesmo, e a partir disso,  contribuir e facilitar a awareness de quem ali está para ser ouvido e acolhido. “À  medida em que me torno consciente da forma como sou e estou, como afeto e sou  afetado no mundo, vou me apropriando de quem eu sou.” (SOUZA, 2019, p.176).  Podendo dessa forma reconhecer minhas próprias questões, sem que elas virem  uma intercorrência no atendimento do paciente.

Não sei o que aconteceu com aquela família, nunca mais os vi, mas reitero a  importância da pósvenção, termo empregado para as atividades de cuidado, apoio e  acolhimento do sofrimento de pessoas enlutadas após uma perda por suicídio. Bem  como, a prevenção de outro suicídio por parte dos enlutados (FUKUMITSU;  KOVÁCS, 2016).

Além disso, reitero a importância da assistência ao paciente que não veio a óbito,  que este possa receber cuidado continuado após alta hospitalar. Segundo Ferreira e  Gabarra (2014) é na emergência hospitalar que se iniciam as intervenções que  visam diminuir o sofrimento emocional do paciente, além é claro, dos cuidados  físicos necessários. Porém, o cuidado do indivíduo após tentativa de suicídio não se  encerra no hospital, após alta hospitalar é necessário que o sujeito tenha suporte  pelos demais dispositivos (serviços de saúde) da rede de atenção à saúde para  estabilização e evitar que novas tentativas de suicídio ou consumação do ato  ocorram.

CUIDA(DOR) – AQUELE QUE CUIDA DA DOR

O CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) também é um dispositivo de cuidado  importante no manejo do comportamento suicida e na assistência das demais  demandas de saúde mental, incluindo pessoas com necessidades decorrentes do  uso de álcool e outras drogas. Sendo considerado um articulador estratégico e  substitutivo do modelo asilar e alienante vigente até então. É uma instituição que  presta serviços de caráter aberto e comunitário. Ofertando atendimento em situações  de crise e/ou nos processos de reabilitação psicossocial (COSTA et al., 2012).

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Com o fechamento dos manicômios foi necessário reconfigurar o cuidado a ser  ofertado ao portador de transtorno mental, que era tido como louco, alienado,  desprovido de dignidade. Não bastava apenas “fechar as portas”, mas foi necessário  pensar e reestruturar o atendimento de forma que esse sujeito dotado de desejos,  sentimentos, dotado de individualidade e singularidade “ganhasse voz” novamente.

Nesse sentido, o CAPS e os outros dispositivos da Rede de Atenção Psicossocial  tem por objetivo devolver a autonomia, a cidadania e a dignidade daquele que  carece de saúde mental. Até mesmo o modo como os denominamos interfere na  desconstrução de estigmas e estereótipos, não é o louco, o doente mental, e sim,  um sujeito, um indivíduo, uma pessoa, que precisa ser vista e cuidada em todas as  suas particularidades e necessidades, como um ser total e integral. Na nossa prática  como profissionais da saúde por vezes acabamos voltando ao reducionismo  patologizante, então, é o suicida, o esquizofrênico, o depressivo e, assim por diante.  Se até o discurso é difícil de ser remodelado, o que dirá da prática?  

Enquanto residente de psicologia, presenciei muitas vezes o adoecimento e a  medicalização se tornando protagonistas no cuidado. Muitas vezes ocorreram uma  despersonalização do usuário do serviço que era visto não como uma pessoa, mas  pelo seu diagnóstico, pelo seu sintoma, pela sua crise, simplesmente como um  paciente, passivo e “sem voz”.

Por diversos momentos, visualizei o usuário que chega ao serviço do CAPS  apresentando comportamento suicida sendo direcionado para atendimento  psiquiátrico, ficando o atendimento centrado no diagnóstico de uma patologia e na  sua medicalização, infelizmente, o atendimento à saúde mental ainda privilegia o  saber médico. Geralmente, o usuário só era encaminhado para atendimento  psicoterapêutico quando havia solicitação do médico.

Além disso, muitas vezes a forma que o paciente era recebido na instituição pelos  profissionais com olhares atravessados, discursos hostis acentuavam o seu  sofrimento. Desse modo, percebi o quanto é necessário uma prática que transpasse  o curativismo. O quanto é necessário que o profissional que trabalha na área da  saúde (seja em qual cargo ocupar) haja de modo a possibilitar ao sujeito seu  crescimento, seu desenvolvimento. Como afirma Saraceno (1996) é preciso resgatar  a cidadania, valorizar as habilidades e potencial de cada indivíduo.

Quando se pensa no indivíduo com comportamento suicida é necessário abandonar  a lógica patologizante, reducionista e curativista. Fukumitsu (2014) afirma que são  deveras as motivações que podem levar uma pessoa a ter tal comportamento,  sendo essencial para prevenir o suicídio enxergar e compreender a pessoa em sua  vasta singularidade. Bem como, ampliar a atenção que é oferecida ao usuário, que  perpassa o saber médico.

Certa ocasião, chegou até o CAPS uma jovem mulher que havia tentado suicídio,  viera encaminhada pelo Hospital Geral, após ser realizado seu acolhimento e ser  atendida pelo médico, este a encaminhou para fazer acompanhamento psicológico.  Em seu discurso, aquela jovem mulher falava de dor, uma dor sem nome, sem

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endereço. Não queria encerrar a vida, mas doía tanto, que no intuito de eliminar a  dor quase que acabou por eliminar sua totalidade. Iniciamos seu processo  psicoterapêutico. Pelo encontro foi possível proporcionar um importante momento de  cuidado, suas dores foram acolhidas. Já que, conforme apontam Fukumitsu,  Cavalcante e Borges (2009) enquanto profissionais da saúde assumimos o papel de  cuida(dores), aqueles que cuidam da dor.

Importa enfatizar, que o cuidado ofertado por nós psicólogos(as) sob a ótica da  Gestalt-terapia não é um “cuidar de”, mas um “cuidar com”. Isso implica que o  cuidado está contido na relação que se estabelece entre psicólogo e  cliente/paciente, relação essa que se propõe a manter a independência do cliente. O  psicólogo não escolhe e nem assume a responsabilidade pela existência do sujeito,  pois isso tornaria o sujeito dependente do psicólogo ficando alienado de suas  possibilidades enquanto ser-no-mundo. O “cuidar com” implica em proporcionar  através da relação, que o usuário compartilhe suas dores, amplie sua awareness e  encontre novos modos de ser e estar-no-mundo (FUKUMITUSU; SOUSA, 2015;  FUKUMITSU; CAVALCANTE; BORGES, 2009).

Parece apenas uma mudança linguística, mas não é. Assumir o papel de cuidar de  alguém é se responsabilizar por sua existência, logo, por sua morte. É assumir um  lugar de salvador, e quem somos nós para inferirmos que temos tal poder sobre o  

outro? Não o temos. Apreender isso me possibilitou não me fixar num sentimento de  onipotência, bem como, deixar ir o sentimento de impotência, contudo isso não é  uma tarefa fácil.

Atender esse tipo de demanda gera uma ambiguidade de sentimentos, são  situações que exigem responsabilidade, mas ao mesmo tempo sei que não tenho  controle. É um desafio diário saber que mesmo fazendo tudo o que estiver ao meu  alcance em termos teóricos e técnicos em algum momento isso pode não ser o  suficiente.  

Não podemos salvar vidas, mas podemos utilizar nossa potência de agir na relação  psicoterapêutica e auxiliar na ampliação de possibilidades do cliente (FUKUMITSU,  2014). Pois, o atendimento ao usuário não foca apenas o comportamento suicida,  mas seu modo de viver. Visto que, para a Gestalt-terapia os porquês são pouco  relevantes, não fazemos interpretações, não buscamos explicações. Importa muito  mais o como a pessoa age e interage, como estabelece contato consigo e com o  mundo e que significados atribui ao ato suicida. Desse modo, busca-se “(...) tornar  os clientes conscientes (aware) do que estão fazendo, como estão fazendo, como  podem transformar-se e, ao mesmo tempo, aprender a aceitar-se e valorizar-se”  (YONTEF, 1998, p.16).

Aquela jovem mulher não conseguia perceber nada além de sua dor, compartilhando  suas dores conseguiu dar-se conta de suas possibilidades e a morte deixou de ser  sua única opção. Propositalmente, iniciei esse relato pelo final feliz, pela vida que  continuou, pelas possibilidades que ainda existem. Instigada a olhar para o óbvio, há  vida mesmo diante da morte.

Agora voltemos ao começo do processo. Importa mencionar que no início de toda  relação psicoterapêutica avaliar a presença/ausência do comportamento suicida é

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útil, pois a identificação de sinais de comportamento suicida podem contribuir para  um manejo preventivo. Em casos como o dessa mulher, que a demanda  apresentada já era de tentativa de suicídio a avaliação do comportamento suicida foi  imprescindível, não apenas no início do processo, mas no decorrer dele.  

Avaliou-se a ideação, os planos, a intenção, a letalidade e os riscos de uma nova  tentativa de suicídio. Fazer questionamentos sobre suicídio não instiga o ato como  muitos acreditam. Pelo contrário, ao questionar a pessoa sobre seus pensamentos e  intenções, permite que ela sinta-se acolhida em meio a sua dor e que sua angústia  seja extravasada através da fala, permite que o sujeito sinta-se pertencente,  diminuindo a possibilidade de um ato desesperado e impulsivo.

Como afirma Fukumitsu (2014) não existem garantias, mas é vital explorar e  aprofundar-se com o usuário nessas questões, bem como, nos conflitos e situações  desafiadoras que o usuário possa estar vivenciando que estejam contribuindo para  seu sofrimento.

Além de ter sido feita a avaliação do comportamento suicida daquela jovem, cabe  mencionar que foi estabelecido um contrato terapêutico com ela. No início de toda  relação psicoterapêutica também se faz necessário estabelecer um contrato  terapêutico, que pode ser por escrito, mas não existe uma regra determinando que  seja. Por escolha, estabeleço um contrato oral com os usuários que são atendidos  por mim.

Um dos pontos principais a ser mencionado aqui com relação a esse contrato  terapêutico diz respeito ao sigilo. É informado ao usuário que as informações  trocadas durante os atendimentos serão sigilosas, contudo, se identificado risco de  morte o sigilo pode ser desfeito e alguém da família ou outra pessoa pelo usuário  indicado será contatado.

Sinto um certo desconforto ao lidar com a questão da possibilidade da quebra do  sigilo, pois o vínculo que estabelecemos com os usuários durante a relação  psicoterapêutica pode ser facilmente rompido. Levando em consideração que  geralmente o usuário com comportamento suicida tem relações e vínculos frágeis, a  decisão pela quebra do sigilo deve sempre ser ponderada com muito cuidado.

Zana e Kovács (2013) afirmam que deve ser realizada uma análise crítica e  criteriosa de cada situação, buscando-se o menor prejuízo. Bem como, o psicólogo  deve sempre agir pautado pelos princípios fundamentais e éticos da profissão. O  Código de Ética do Psicólogo (2005) estabelece a possibilidade de quebra do sigilo  em casos excepcionais, mas como um direito e não como um dever do psicólogo.

No início do tratamento com aquela jovem foi primordial o contato com sua família,  pois percebia a vulnerabilidade dela e o risco de uma nova tentativa. Sendo  necessário sua vigilância e seu cuidado para além do acompanhamento psicológico.  No começo, a família estava dando suporte a ela. Porém, na medida que ela  começou apresentar certa melhora, a família retornou a dinâmica disfuncional de  antes, contribuindo para que o comportamento suicida retornasse. Importa ressaltar  que a família é imprescindível no cuidado do indivíduo com comportamento suicida.

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Enquanto psicóloga precisei aprender a ter o discernimento que nas situações de  crise suicida não darei conta de cuidar do outro sozinha e nem devo, bem como o  outro ainda não dá conta de cuidar de si mesmo, sendo necessário acionar a rede  de apoio desse indivíduo.

Ferreira e Gabarra (2013) apontam que, em situações de crise, o psicólogo deve  prestar atendimento também aos familiares, envolver estes no tratamento,  oferecendo apoio emocional e orientações de como lidar com o indivíduo em crise.  Ao atender a família daquela jovem, eles apresentavam sentimento de culpa,  preocupação, medo e pouca compreensão do que estava acontecendo. Somente a  partir do momento que eles foram acolhidos, puderam ter uma compreensão maior  do sofrimento que envolvia a paciente, compreenderam que, conforme pontua Zana  e Kovács (2013) ela não queria morrer, apenas não desejava viver do modo que  estava vivendo.

Ressalto que à medida que um cliente começa a apresentar “melhora” podemos  incorrer na falsa ideia de que uma nova tentativa está fora de cogitação, mas não  está, o suicídio deve sempre ser visto como uma possibilidade. Durante o processo  daquela jovem, incorri nessa ideia de que ela estava bem, então, ela ingeriu uma  quantidade maior de medicação, dormiu por mais de 24 horas. A priori, me senti  traída e frustrada, havia falhado. Mas não, não se tratava de mim, das minhas dores,  se tratava dela, estava ali com ela. A jornada era dela e eu era apenas uma visitante  a galgar no solo sagrado de sua vida.

A partir desse acontecimento estabelecemos um novo contrato, um contrato de vida.  O contrato de vida implicaria que ela me procuraria quando sentisse novamente o  desejo de tirar sua vida, antes de tomar qualquer atitude ela deveria falar comigo. A  tentativa de suicídio pode ser impulsiva, quando a pessoa tem a oportunidade de  amenizar a angústia e falar sobre isso pode diminuir a chances de ocorrer uma  tentativa de fato. Segundo Fukumitsu e Scavacini (2013) no contrato de vida é  estabelecido um compromisso entre cliente e psicólogo, diante de uma crise o  cliente se compromete a não tomar atitude precipitada antes de procurar ajuda.  Obviamente, isso não dá garantias que a pessoa não vá tentar, mas é uma  ferramenta que pode amenizar a impulsividade.  

Com o contrato de vida aquela jovem pode ser novamente acolhida, o vínculo  terapêutico foi fortalecido. Chamei-a novamente para a responsabilidade para com  seu cuidado. Eu estava disponível como sua ajudadora, mas ela precisava me  ajudar a ajudá-la. No decorrer do processo, não houveram outras tentativas de  suicídio, mas houveram momentos de crise, contudo antes de agir, ela procurava  ajuda, e aos poucos as crises foram cessando. Ela começou a ter mais motivos para  viver do que para morrer. Passei a utilizar a ferramenta do contrato de vida com  outros usuários, e foi importante para mim, pois senti um fortalecimento dos vínculos  estabelecidos entre mim e os pacientes.

Para além do manejo do psicólogo e a rede de apoio familiar, no atendimento a crise  suicida é fundamental que haja um atendimento multiprofissional (ZANA E KOVÁCS,  2013). No acompanhamento dessa usuária contei também com o auxílio do médico  

e da enfermeira, fizemos um trabalho em conjunto. Dessa forma, aliviou minha  ansiedade em relação a possibilidade da morte, contribuindo para que a situação

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fosse melhor manejada. “Cuidar com” implica em reconhecer que não damos conta  de tudo sozinhos, precisamos reconhecer nosso papel e a importância do outro no  cuidado, seja do próprio indivíduo, seja da família e/ou da equipe multiprofissional.  

Machado et al. (2017) afirmam que a crise suicida é muito complexa, o manejo deve  ser feito cautelosamente, somando-se os saberes, bem como construindo um  cuidado de acordo com a necessidade de cada indivíduo que é único.

Como mencionado anteriormente, esse tipo de demanda pode gerar muitos  sentimentos controversos, por muitos momentos me sentia angustiada e ansiosa. Da  mesma forma que o usuário que está em sofrimento precisa de cuidado e apoio, nós  enquanto profissionais também precisamos. Desse modo, “cuidar com” também  implica em reconhecer limitações não apenas a nível profissional, mas enquanto  pessoa. Como pontua Fukumitsu (2018) para dar conta de ajudar o outro no seu  cuidado, precisamos cuidar de nós mesmos.  

Freitas (2016) afirma que enquanto psicólogos estamos constituídos nas relações  psicoterapêuticas que estabelecemos com o usuário. Dessa forma, para a Gestalt terapia enquanto profissionais não somos neutros e passivos, estamos implicados  na relação dialógica com nosso cliente. Relação esta que só acontece se tivermos  

uma postura ativa e também que acolha a dor. Precisamos estar disponíveis e  verdadeiramente presentes, não apenas de corpo, mas com toda a nossa totalidade,  disponíveis para um encontro genuíno e autêntico.  

E ter essa autenticidade só é possível na medida que ficamos aware do que  acontece dentro e em nós. Como pontua Oliveira (2020) negar nossas emoções e  sentimentos não contribue de forma saudável nem para o usuário nem para nós  mesmos. Sentimentos não reconhecidos não desaparecem apenas porque o  negamos, pelo contrário, podem acarretar prejuízos em nossa vida, e,  principalmente no manejo da relação psicoterapêutica.

Como pedras brutas passamos por um refinamento e nosso fazer vai se moldando e  aperfeiçoando. O psicólogo eficiente não é aquele que não passa por desafios, mas  aquele que vai se aprimorando conforme vivencia situações de crise.

[...] tempos de crise oferecem oportunidades e desafios para o  

crescimento, a transformação, a ampliação da consciência humana,  

na direção da plenitude e da auto-realização. Se soubermos utilizar a  

tensão criativa da crise, poderemos dar um salto qualitativo na

ampliação da nossa consciência individual e coletiva e  

transformaremos o estado atual do mundo em que vivemos  

(CARDELLA, 2006, p.110).

Aprendi que na crise suicida mais do que impedir a morte, preciso garantir a vida.  Não devemos agir de modo policialesco, seguindo milimetricamente um manual,  mas também não devemos incorrer no erro da indiferença. Logo, a proposta é o  cuidado, o “cuidar com”, “permanecendo juntos àquele que pensa em finalizar sua  vida em uma escuta atenta, de modo que o outro possa se demorar mais na sua  (in)decisão.” (FEIJOO, 2019, p.171).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A reflexão sobre minhas vivências diante do comportamento suicida, puderam  contribuir para a desmistificação desse assunto e para meu desenvolvimento  enquanto ser-no-mundo. Aprendi que o psicólogo não ocupa um lugar privilegiado  de um saber soberano, não temos respostas prontas, nem manuais a serem  seguidos. Nossa prática é pautada por questionamentos, por pontos de  interrogação. O que é? Como é? E o que pode vir a ser? Entre tantas outras  perguntas. Embora não ter respostas possa gerar angústia, quantas possibilidades  temos diante do não saber. Não indicamos caminho, antes, estamos ali para  caminhar junto com aquele que sofre. Não por ele, nem para ele, mas com ele.  Logo, este artigo não se encerra em si mesmo. Mas traz um convite a reflexão sobre  o ser psicólogo e o fazer psicologia, principalmente, diante do comportamento de  crise suicida.

Ainda existem muitas lacunas a serem pesquisadas no que diz respeito a morte e ao  suicídio. Essas lacunas acentuam o sentimento de insegurança e despreparo  quando nos deparamos com estas demandas. Havendo um pouco mais de  embasamento teórico é possível maximizar a segurança no fazer profissional. Sugiro  que mais pesquisas sejam feitas acerca dessa temática tão complexa. Todavia,  ressalto que a teoria sem a prática é simplista e a prática sem a teoria é ineficaz.  

Vivi na pele, aprendi, apreendi a teoria e o meu existir enquanto ser-no-mundo.  Somos afeto. Nos afetos do encontro a gente afeta e é afetado também. Não  estamos imunes ao sofrimento, nem ao nosso, nem ao daquele que se apresenta a  nós, momentaneamente, impossibilitado de ver sentido no seu existir. E não há  problema nenhum no sofrimento, embora muito desagradável, ele faz parte da  existência. O problema está no não reconhecimento do que nos faz sofrer. O  problema está na negação dos sentimentos, no não identificar as nossas fragilidades  e vulnerabilidades, pois isso gera paralisação. E somos movimento, a vida é  dinâmica, seguimos (in)completos, em construção. Somos imperfeitos demais para  buscar a perfeição da existência. Antes devemos buscar desenvolvimento, a  ampliação da awareness amplia possibilidades de ser e estar-no-mundo.  

Admitir nossas falhas e limitações não é um processo agradável, mas negá-las é um  desserviço a quem gentilmente nos confiou seu sagrado mundo. Pois, sendo nosso  ser junto ao outro na relação terapêutica uma ferramenta de trabalho, precisamos  dominar a arte de ser nós mesmos.

Refletir sobre essa temática pode propiciar recursos para que diante do sofrimento,  enquanto psicólogos, não fiquemos submersos na dor outro. E sim, tenhamos a  capacidade de ser continente da angústia, seja ela qual for. De forma alguma  minimizando a necessidade de conhecimento e embasamento teórico, mas mais do  que uma formação acadêmica, enquanto profissionais, precisamos estar aware do  que acontece conosco, para estarmos habilitados para ser cuidador com o outro.  

Além disso, a temática do comportamento suicida implica em pensarmos em saúde  mental. Como aponta Schneider (2009) as medidas terapêuticas empregadas no cuidar da saúde mental, não podem, nem devem ocorrer isoladas do contexto de

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vida do usuário. Nesse sentido, nossa ação deve ser sempre contextualizada com o  território, com a subjetividade, com a individualidade do sujeito, para que assim,  possa haver integralidade do cuidado e maior resolutividade das demandas de  saúde, constituindo a incorporação de determinantes sociais, políticos, econômicos,  espirituais na complexidade das práticas de saúde.

Para além disso, as ações devem ser sempre pensadas em Rede e de forma  multiprofissional. O indivíduo não é apenas da UBS, não é apenas do Hospital ou do  CAPS. Não, o paciente é do território, e todos os dispositivos da Rede devem  corresponsabilizar-se pelo sujeito. É claro, que algumas situações são mais simples  e de fácil resolutividade, entretanto, na maioria dos casos é necessário que o fluxo  da Rede funcione em harmonia para que o sujeito tenha a assistência e o cuidado,  tanto pontual, quanto continuado.

Finalizo este artigo com as sábias palavras de Hillman (2011, p.94): “não somos  responsáveis pela vida e pela morte uns dos outros, a vida e a morte de cada  homem é dele próprio. Somos, porém, responsáveis por nossos envolvimentos.”

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Endereço para correspondência

Diéssica Coleraus Radecki de Azevedo

E-m ail: dc_radecki@hotm ail.com 

Camila Garcia Galvão Costa Schrock

E-mail: cam ila.ggc@hotm ail.com 

Recebido em: 13/01/2022

Aprovado em: 30/12/2022

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