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ANDRADE, Elza – “Inveja e ciúme em coterapia de grupo, casal e família”
ARTIGO
Inveja e ciúme em coterapia de grupo, casal e família Envy and jealousy in cotherapy of group, couple and family
Elza Andrade
Revista IGT na Rede, v. 18, nº 35, 2021, p. 177 – 203. Disponível em http://www.igt.psc.br/ojsISSN: 1807-2526
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RESUMO
Este artigo tem como finalidade a análise que aponta para o modo como os sentimentos de inveja e/ou de ciúme estão presentes no trabalho de coterapeutas, na abordagem da Gestalt-terapia. Nesta pesquisa, propõe-se observar como tais sentimentos interferem no resultado do trabalho e nos relacionamentos, identificando possíveis estratégias para lidar com esses sentimentos já referidos. A amostra teve a participação de dez alunos do Instituto de Gestalt Terapia – IGT, concluintes do curso de Especialização em Psicologia Clínica Gestalt-Terapia (Indivíduo, Grupo e Família). Um questionário serviu de instrumento para a coleta dos dados. Os resultados foram quantificados percentualmente numa escala de 0 a 100%. Os sujeitos pesquisados identificaram as estratégias que se tornaram mais eficazes para lidar com os diferentes sentimentos na relação terapêutica e forneceram sugestões a serem observadas pelas próximas duplas em formação.
Palavras-chave: Coterapia; Inveja; Ciúme.
ABSTRACT
This article aims to analyze the way in which feelings of envy and/or jealousy are present in the work of cotherapists, in the Gestalt-therapy approach. In this research, it is proposed to observe how such feelings interfere in the result of the work and in relationships, identifying possible strategies to deal with these feelings already mentioned. The sample had the participation of ten students from the Institute of Gestalt Therapy – IGT, graduates of the Specialization course in Clinical Psychology Gestalt-Therapy (Individual, Group and Family). A questionnaire served as an instrument for data collection. Results were quantified in percent on a scale from 0 to 100%. The researched subjects identified the strategies that became more effective to deal with the different feelings in the therapeutic relationship and provided suggestions to be observed by the next couples in formation.
Keywords: Cotherapy; Envy; Jealousy.
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INTRODUÇÃO
O tema deste trabalho aborda a inveja e o ciúme em coterapia como sentimentos que envolvem vários aspectos da vivência humana. Conceitos de inveja e de ciúme fornecidos por diferentes autores servem de fundamentação e apresentam relevância para os resultados da pesquisa aqui desenvolvida. Kant (1964, p. 36) admite ser a inveja e o ciúme inerentes ao ser humano. Em concordância com essa opinião, Tomei (1994) e Moscovici (2001) afirmam que estes sentimentos estão presentes, em maior ou menor grau, nas relações dos processos das organizações e evidenciam conflitos, manifestos ou ocultos. Esses autores, ainda, consideram que todos nós estamos sujeitos aos sentimentos de inveja e/ou de ciúme, principalmente quando surge a possibilidade da competitividade.
Góes (2004, p. 30) observa que as pessoas confundem ciúme e inveja, e então faz distinção entre esses dois sentimentos, afirmando que o enciumado se indaga sobre o que há na outra pessoa que a torna tão superior. Quanto à inveja, o invejoso sabe exatamente o que é que o invejado tem de superior. Tomei e Belle (1997) explicam que o ciúme é um sentimento que tem como objetivo proteger uma relação valiosa. O ciumento deseja desfrutar o objeto do ciúme. O invejoso ao contrário, quer ver o fracasso do invejado e pode ser tomado de um sentimento de cólera ao perceber que o outro possui um objeto desejável, isto é, o que ele deseja. A reação mais comum é de posse do objeto ou destruição do possuidor. Complementando, Tomei e Belle (1997), afirmam que segundo pesquisas, o ciúme não é um distúrbio emocional, mas sim um deslocamento de gratificações e está mais ligado ao poder. Reduzir o ciúme é uma questão de mediação na distribuição das atenções, mais do que atender necessidades psicológicas. Neste caso, a administração do ciúme envolve quem detém poder e quem deseja atenção.
Sobre o sentimento de inveja, Góes explica que na maioria das vezes, a pessoa reage com indignação, quando alguém afirma que seu modo de agir diante de determinada situação é motivado pela inveja. Por um lado, dizer que uma pessoa é invejosa é entendido por ela como ser considerada inferior, o que a deixa grandemente ressentida. Góes considera ser essa uma das razões que explica porque o invejoso é tão sujeito à ansiedade e depressão: “O sentimento de inferioridade, quando não paralisa e deprime, suscita rancor e violência” (GÓES, 2004, p.32). Por outro lado, Tomei (1994) esclarece que a inveja pode ser construtiva, quando o invejado passa a ser um estímulo para aumentar o sentimento de ambição e a competição saudável para obtenção do que se deseja.
Essas definições de inveja e de ciúme ora citadas dão suporte para os posicionamentos tomados nesta pesquisa, pois torna pertinente desenvolver esse tema em torno desses conceitos, em especial, quando se trata de trabalho em equipe. A motivação para esta pesquisa foi um trabalho com o título Estresse na Liderança, de conclusão do curso de Psicologia, da autora deste artigo. Aquele trabalho apontou o ciúme e a inveja como maiores estressores entre líderes e liderados. Ampliando essa investigação, decidiu-se observar a ocorrência do ciúme e da inveja em Coterapia de Grupo, Casal e Família em situações semelhantes de relacionamento interpessoal.
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Esta é a justificativa da escolha em observar o comportamento de coterapeutas, selecionados para a realização da pesquisa, no exercício de certas atividades grupais. A finalidade desse procedimento é verificar as possibilidades, em algum momento, desses coterapeutas analisados desenvolverem os sentimentos de inveja/ciúme. Portanto, o problema central em voga é o questionamento relativo às possibilidades de interferência dos sentimentos de inveja/ciúme no relacionamento dos coterapeutas, incluindo o relacionamento entre estes e clientes, no resultado da terapia do grupo, casal e/ou família. É pertinente observar como inveja e ciúme interferem no resultado do trabalho e nos relacionamentos. A justificativa se sustenta com base no interesse da autora desta pesquisa, em comprovar se dados da pesquisa anterior, apontando a inveja e o ciúme como fortes causadores de estresse entre líderes e liderados e, entre esses em si, se repetem em situações semelhantes de relacionamento interpessoal. Nesse sentido, indaga-se: em que medida, dados levantados em pesquisa anterior, apontando a inveja e o ciúme como fortes causadores de estresse se repetem em situações de trabalho em equipe. Até que ponto a inveja e o ciúme interferem no relacionamento entre coterapeutas, clientes, e no resultado da terapia do grupo? Identificar estes sentimentos, e conhecer estratégias para lidar com tais sentimentos constitui-se a principal contribuição desta pesquisa.
Segundo Melannie Klein (1991, p. 212-213) o fato gerador do ciúme e da inveja é a perda, ou ameaça de perda. Sentimentos semelhantes, diz ela, mas com uma distinção: “O ciúme é consciente e geralmente se refere a pessoas e vem da dúvida, da rejeição, da insegurança e é saciável.” Já a “inveja revela sentimento de inferioridade, de culpa, por desejar algo de terceiro, dificuldade de aceitação, entre outros, e não é saciável, porque vem de dentro da pessoa”. A partir dos conceitos aqui elencados, os pesquisados puderam relatar se vivenciaram inveja/ciúme ou outro sentimento que, de alguma forma, dificultaram o processo terapêutico, identificando o mais evidente e sugerindo estratégias para dirimi-los.
Acrescentamos também que autores como Byington (2002) e Góes (2004) defendem que inveja/ciúme também podem funcionar como ponto positivo, quando exercem o papel de superação, estímulo e desafio. Byington (2002, p. 34) concebe inveja e ciúme como “função normal e muito importante para o desenvolvimento da consciência do indivíduo e da cultura”. A partir desta afirmativa, o foco de atenção se volta também para verificar se estes sentimentos de inveja e de ciúme, geralmente relacionados a ódio e a destruição, podem ser fonte incentivadora para promover desenvolvimento pessoal e gerar novos padrões de comportamento e, ainda, o interesse em verificar qual sentimento fica mais forte entre coterapeutas, inveja ou ciúme.
É fundamental neste trabalho a busca de respostas e comprovação, ou não, das hipóteses levantadas. Alguns questionamentos servem de direcionamento. Em que nível os sentimentos de inveja e de ciúme interferem no trabalho dos coterapeutas, no relacionamento entre estes e clientes e no resultado da terapia de grupo, de casal, e de família? Ainda, a inveja poderia ser fonte para desenvolvimento pessoal?
Diante do problema, da justificativa e das hipóteses, a pesquisa tem como objetivos: Geral – Identificar o modo como os sentimentos de inveja e de ciúme estão presentes no trabalho de coterapeutas de grupo e de família, que atuam na abordagem da Gestalt-Terapia. Específicos – Observar as manifestações de inveja
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e/ou de ciúme entre terapeutas, e entre estes e clientes, sem especificar o mais evidente; descrever se os terapeutas experimentaram o sentimento de inveja/ciúme e em qual fase do trabalho terapêutico este sentimento ficou mais evidente e como foi vivenciá-lo? Verificar como esses sentimentos interferem no resultado do trabalho de terapia no grupo, no relacionamento dos coterapeutas e no processo terapêutico; concluir se sentimento de inveja e/ou de ciúme pode ser fonte incentivadora para promover desenvolvimento pessoal e gerar novos padrões de comportamento e finalmente, oferecer estratégias para lidar com os sentimentos.
Para o desenvolvimento da pesquisa foram definidos os seguintes passos metodológicos: No primeiro momento foi realizada a aplicação do questionário aos dez coterapeutas, quando cada um recebeu o questionário por email ou por cópia impressa, para ser preenchido e devolvido ao pesquisador, num prazo em torno de 30 dias. No segundo momento, de posse do retorno dos questionários, o pesquisador procedeu a análise e tabulação dos dados obtidos, de acordo com os objetivos descritos no projeto. O terceiro momento registrou a organização dos dados obtidos na pesquisa, em que o pesquisador fez a análise de cada questionário respondido para comprovar ou não as hipóteses e justificar a pesquisa. Os resultados destes estudos são apresentados de forma organizada e estatística com a finalidade de descrever o que foi observado. A pesquisa ocorreu sob a responsabilidade de Elza Sant´Anna do Valle Andrade – CRP 05/36.808, sob a orientação do Supervisor/Professor pesquisador, Mestre, Psicólogo, Marcelo Pinheiro da Silva – CRP 05/16.499.
Conforme a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/MS, antes de se realizar os métodos propostos, buscou-se um parecer favorável da Comissão Nacional de Ética e Pesquisa – (CONEP), com o preenchimento da FOLHA DE ROSTO ENVOLVENDO SERES HUMANOS, do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto Brasileiro de Terapia e Ensino (IBRATE) e atendeu aos princípios básicos do CEP, respeitando a autonomia do indivíduo, a beneficência, a não maleficência, a justiça e a equidade. Desta forma, a pesquisa só se processou após parecer favorável, conforme número 191/11; CAAE: 0206. Parecer este, a partir do preenchimento e aprovação de um outro formulário, oferecido pelo COMITÊ DE ÉTICA E PESQUISA – CEP/ENSP –, Escola Nacional de Saúde Pública –, com todo detalhamento e especificações da pesquisa.
A pesquisa foi realizada no Instituto de Gestalt-Terapia e Atendimento Familiar, situado na rua Haddock Lobo, 369, sala 709, Tijuca, Rio de Janeiro, RJ, 20260-141. CNPJ: 013460940001-18 e se processou através da Fundação Oswaldo Cruz, registrada na FIOCRUZ, Rio de Janeiro, RJ. Para cumprir exigência do CEP, todos os sujeitos pesquisados receberam um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), cumprindo as diretrizes e normas da Resolução 196/96 do CNS/MS.
Os participantes selecionados para esta pesquisa são dez alunos, concluintes do curso de Especialização em Psicologia Clínica Gestalt-Terapia (Indivíduo, Grupo, Família) oferecido pelo Instituto de Gestalt-Terapia e Atendimento Familiar (IGT),
que já atenderam as exigências dos estágios para a conclusão do curso, pendentes apenas com a monografia/artigo. A faixa etária significativa encontrou-se entre psicólogos de 25 a 65 anos, concluintes entre 2007 e 2011. Dos sujeitos pesquisados, 80% são do gênero feminino e 20% do gênero masculino. Para uma
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maior fluidez, no entanto, e para cumprir o compromisso ético de não expor os pesquisados, o texto está no gênero masculino.
Esta amostra obedece aos critérios de inclusão na pesquisa. O critério de inclusão deveu-se ao fato de serem alunos da mesma instituição, integrados, e comprovada experiência em atendimento em Coterapia de Grupo, Casal e Família e que demonstraram interesse em participar da pesquisa, a partir do instrumento para a coleta de dados.
Os resultados são apresentados de forma organizada, em tabelas estatísticas, com a finalidade de descrever e demonstrar em gráficos o que foi observado. Com a presente pesquisa espera-se que os riscos, apontados mais como constrangimentos, sejam menores que os benefícios. É natural sentir desconforto e constrangimento ao dar respostas sobre comportamento considerado “não aceitável”, como responder sobre sentimentos de inveja e de ciúme, por exemplo. Quanto aos benefícios, para o trabalho de Coterapia, obtidos com a pesquisa, a curto e longo prazo, entre outros, espera-se que auxiliem na apreensão de manifestações de sentimentos de inveja/ciúme, e a possibilidade de uma reflexão sobre o próprio desempenho enquanto coterapeuta ao enfrentar tais sentimentos. Entender que, por um lado, esses são comportamentos passíveis de acontecer em muitas situações e que podem desencadear momentos de conflitos e de mal-estar entre as duplas e entre estas e os clientes. Além de sugerir estratégias de manejo para minimizar as dificuldades e oferecer material estatístico que possibilite embasamento de debates e discussões sobre o tema: Inveja e Ciúme em Coterapia no trabalho de Grupo, Casal e Família.
Posicionamentos a respeito de sentimentos de inveja e de ciúme e a relevância para os resultados da pesquisa
Faz-se necessário ampliar neste trabalho a discussão sobre inveja e ciúme e a constatação da existência desses sentimentos na história da humanidade. Em especial, para identificação dos índices de sentimentos de inveja e/ou de ciúme entre os observados e qual deles ficou mais evidente e como foi vivenciá-los, toma se como base os estudos de pesquisadores que tratam de questões sobre inveja e ciúme, acrescentando-se outras contribuições às que já foram citadas na introdução deste trabalho.
Beck (1998, p. 158) expõe que a origem etimológica da palavra inveja vem do substantivo latino invídia e do verbo invidere, que significa olhar maliciosamente, ou olhar enviesado, de soslálio. Etimologicamente, a palavra ciúme em latim é zelumen, originária do grego zelosus, que também deu origem a jealous (ciumento) e a jealousy (ciúme), em inglês, e a jaloux e a jalousie, em francês. Essa mesma origem é encontrada no italiano geloso e no espanhol celoso (HOUAISS, 2001).
Góes (2004, p. 21) observa que a inveja é identificada mesmo antes da serpente seduzir Eva no Paraíso, quando Lúcifer reclamou para si o lugar do Anjo Gabriel, não ganhando esse lugar, usa como a mais poderosa de suas armas, a disseminação do sentimento de inveja, no coração dos seres humanos e, assim, compromete a qualidade da criação do ser humano, feita à imagem e semelhança de Deus.
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Os sentimentos de inveja e de ciúme perpassam a história da humanidade. Nessa perspectiva, os textos bíblicos oferecem uma fonte de informações que apresentam personagens que foram afetados pelo sentimento de inveja ou de ciúme, em diferentes circunstâncias. O primeiro homicídio na face da terra surge quando Caim, por inveja, mata seu irmão Abel. Assim procede, por Deus aceitar a oferta do carneiro de seu irmão Abel e rejeitar a sua oferta das primícias (Gênesis 4.5). Um segundo episódio é relatado em Gênesis 27, quando Esaú, o filho mais velho de Isaque, vende sua primogenitura, por um prato de lentilhas para Jacó, seu irmão gêmeo. Arrepende-se, iniciando aí uma história de ciúme e de inveja, ao longo da vida dos dois irmãos. Em outro relato bíblico, os irmãos de José, por inveja e ciúme, o vendem como escravo para uma Companhia de Ismaelitas, vinda de Gileade (Gênesis 37).
Filósofos, estadistas, religiosos, psicanalistas entre outros, também se ocuparam do tema. Aristóteles (Retórica) menciona a inveja como resultado da proximidade dos indivíduos, da semelhança, da comparação entre estes. Segundo Aristóteles, não competimos com homens que viveram séculos atrás nem com aqueles que ainda não nasceram, ou com os que já morreram ou com aqueles a quem em nossa opinião ou na opinião dos outros, consideramos que estejam abaixo ou acima de nós. Ao afirmar que sentimos inveja daqueles que são iguais a nós, Aristóteles situa iguais em termos de nascimento, relacionamento, idade, disposição, distinção ou riqueza. Aristóteles complementa que “sentimos inveja se por muito pouco deixamos de ter tudo” (Retórica, II. 10).
Desse modo, Góes (2004) aponta que muitos pensadores da Antiguidade se preocuparam em expor suas ideias a respeito desses sentimentos. Cinco séculos antes de Cristo, Ésquilo, o criador da tragédia grega, retornando da guerra de Troia, dizia através de Agamenon, que poucos homens festejam naturalmente o êxito de um amigo. Góes ainda destaca que na Filosofia Grega, Platão dizia que a inveja é depravação da natureza. Na Filosofia Greco-romana, Cícero sustentava que a inveja era o mais comum e o mais universal dos vícios. Na Literatura Romana, Horácio escreveu que Hércules aprendeu que neste mundo só a morte vence a inveja. Santo Agostinho define inveja como tristeza pela felicidade alheia ou felicidade pela desgraça do próximo. Na Teologia, Tomaz de Aquino qualificou a inveja como o Pecado diabólico por excelência. Na sequência histórica, Góes observa que na era Moderna, o filósofo Kant, embora reconheça que a inveja é inerente à natureza humana, não a reprova pelo impulso, mas pelo abominável vício de uma paixão humana que se atormenta a si mesma e que se encaminha, ao menos como desejo, a destruir a felicidade alheia; portanto, opõe-se tanto ao dever do homem a si mesmo quanto ao dever do homem para com os demais. Tal sentimento é exemplificado na expressão do poeta inglês Lord Byron, quando desabafa ao referir-se a Napoleão: “Detesto este corso, junto dele, toda glória se apaga” (GÓES, 2004, p. 26-37).
Tomei (1994) menciona que Nelson Rodrigues, ao saber da morte de Guimarães Rosa, admitiu: “A notícia deu-me um alívio. Uma brusca e vil euforia”. Nesta mesma direção, Tomei lembra que pairou um silêncio fúnebre nos estúdios da TV Globo, quando se soube que a atriz Fernanda Torres havia ganhado a Palma de Ouro. O ar fúnebre só foi vencido quando o ator Miguel Falabela, exclamou: “Jamais a perdoaremos por isso”.
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Byington defende que a “inveja é uma função normal e muito importante para o desenvolvimento da consciência do Indivíduo e da Cultura, e que se torna destrutiva somente quando desviada de sua função criativa”. Esclarece que em nossa cultura, nós defendemos e disfarçamos a inveja mais do que em outras, em razão de nossa intensa tradição patriarcal, adoecida pela obra da Inquisição. Nesse contexto, a inveja se torna doentia quando o invejoso não pode, não quer ou não sabe realizar seu potencial criativo, e/ou quando não mais contribuir para o desenvolvimento da personalidade e estiver operando num contexto à parte do todo com características compulsivo-repetitivas e, por isso, destrutivas (BYINGTON, 2002, p.34- 44).
Ao admitir a inveja como algo importante para o desenvolvimento do indivíduo e da cultura, Byington indica que é aconselhável evitar preconceitos e examinar as circunstâncias criativamente para perceber-se que a cobiça e a inveja, como todas demais funções psíquicas, são imprescindíveis para o crescimento. Em algumas situações no relacionamento familiar, existem pais que não permitem que seus filhos passem por momentos, tais como: agressividade, ciúme, transgressão, fraqueza, inveja, competição, ódio, rebeldia, desespero, traição, roubo, vergonha, humilhação, mentira, fingimento, covardia, e nem sequer se dispõem a falar sobre a sexualidade infantil. Pode-se dizer que tais pais não se dão conta de que as funções estruturantes são capazes de preparar seus filhos para a vida. Com isto, não se quer dizer que esteja defendendo uma educação com a omissão ética dos pais, mas uma educação não repressiva, que permita a criança elaborar as funções simbólicas estruturantes de sua personalidade (BYINGTON, 2002, p. 34-36).
Existem dúvidas se os sentimentos de inveja/ciúme são hereditários ou adquiridos. O pensamento predominante é que sejam adquiridos, em especial, após o nascimento de um novo irmão. Melanie Klein (1991) afirma que é na família, o primeiro ambiente social na relação entre irmãos, na fase da amamentação, que surgem esses sentimentos. Neste mesmo pensamento, GÓES identifica que “Freud defende que o irmão receberia, com inveja, o nascimento do irmão mais novo. Góes entende que Freud tomou por inveja o que, na realidade, seria o ciúme do irmão mais velho, ameaçado nos seus privilégios, pelo novo irmão” (GÓES, 2004, p.60). No movimento para crescer, a criança é levada a imitar aquele irmãozinho/a que agora desperta a atenção de sua mãe ou de seu pai e quer voltar à mamadeira, a usar a chupeta. Cabe ao adulto entender e acompanhar esse momento, sem frustrar a criança. Góes (2004, p.58) expõe que o ambiente social exerce grande influência na modelação do tipo e na intensidade da inveja e é o ambiente familiar “o primeiro caldo de cultura social”, merecendo cuidado especial nas relações entre os irmãos.
Considerando a existência da inveja, a partir do nascimento da criança, Góes (2004, p.486) esclarece que seu “desenvolvimento vai depender de múltiplos fatores – amamentação, convívio familiar, experiências na escola, relacionamentos afetivos, vida profissional, enfim tudo o que de alguma forma possa tocar os sentidos e as emoções”.
De acordo com Blévis (2009), a ligação entre irmãos é constitutiva das identificações de que precisamos para seguir adiante na vida. Na ausência de irmão, os amigos da mesma idade ou da mesma geração exercem esse papel, onde se imitam e se reconhecem, o que é muito comum com os grupos de adolescentes. Também as crianças menores, quando estão se desenvolvendo motoramente, terão maior resultado, se colocadas juntos às crianças mais desenvoltas. Blévis afirma que
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desse primeiro choque com um rival derivam-se todos os outros abalos do ciúme. Essas afirmações atestam que semelhante da mesma idade é necessária ao desenvolvimento dos processos imitativos que predominam na primeira infância (BLÉVIS, 2009, p. 92-98). A rivalidade do caçula com o mais velho de se parecer com este e o de se distinguir dele, pode se perder e este ficar em uma simples imitação do mais velho. Na concepção desta autora, o surgimento da figura do duplo no rival é necessariamente inquietante e que sem um confronto com o semelhante, não saberíamos nem que existimos nem que um dia morreremos. Até no campo da rivalidade profissional, o concorrente lembra um outro “eu mesmo” estranhamente inquietante. De repente eu senti que ele queria o meu lugar, diz alguém, confirmando que desde sua chegada, “o rival fora marcado por um resplendor mágico, carregado de uma grande ameaça”. Às vezes ao contrário: “Éramos como dois dedos da mão, e ele me apunhalou pelas costas”, terminando as glórias das semelhanças, com uma grande decepção. Blévis também analisa que alguns adultos, “em suas crises de ciúme, precisam repetir para si mesmos a lista de todos os seus sucessos, e daquilo que possuem para poder tornar a se sentir vivo no fim desse inventário” (BLÉVIS, 2009, p.93–107).
Góes levanta outras questões, argumentando que quando o invejoso passa a aceitar que o invejado é possuidor do que tem, o sentimento de inveja se transforma em admiração. Por isso os limites entre esses dois sentimentos, muitas vezes, sejam tão tênues, dificultando sua distinção. Para se transformar em admiração, no entanto, a inveja precisa antes, se converter em ressentimento. Neste caso, explica Góes, o sentimento que, enquanto inveja, era obstáculo ao crescimento do indivíduo, passa a ser fonte de sua motivação para crescer. (GOÉS, 2004, p.33).
O sentimento de ingratidão é parente próximo da inveja. Segundo Kant (1964), é próprio do ingrato qualificado, ser caracterizado pela falta de reconhecimento do benfeitor, acompanhada de ódio. Nessa perspectiva, Góes verifica que é bem notório, entre nações, em que os países doadores são hostilizados pelos países donatários, tão logo os benefícios tenham sido usufruídos. Como a inveja nasce da comparação, o doador é visto sempre como superior aos olhos do recebedor. Desde os tempos antigos, a crença é a de que a inveja aumenta, ainda mais, quando o invejoso recebe favores do invejado. Como a inveja pressupõe um sentimento de inferioridade do invejoso em relação ao invejado, querer que os indivíduos aceitem que estão acometidos de inveja equivale a querer que confessem que se sentem inferiores (GÓES, 2004, p.130).
Surge, então, a pergunta: Como eliminar a inveja? Para tratar a inveja, Góes (2004, p.480) sugere que o começo deve ser pela aceitação: “Sim, eu sinto inveja”. Admitir que sente inveja. Em seguida vem a reflexão sobre o propósito: “Sim, quero me libertar, ao máximo, desse sentimento, para que eu possa dirigir as energias, hoje consumidas por ele, para objetivos construtivos, afinados com a construção do meu futuro”. Autoajuda, troca de experiências e observações de amigos, cônjuges e parentes auxiliam. Buscar ajuda psicológica, conhecer o funcionamento da mente, mergulhar na alma, ampliar limites. Ter coragem para quebrar o tabu, trazer a discussão para a superfície. Há uma série de possibilidades. Este autor ainda sugere que podemos fazer da inveja um guia na identificação de nossas fraquezas, passo inicial indispensável para superá-las. Assim, para reduzir a dificuldade de confessar a inveja, a pessoa deve agregar bem-estar psicológico e material. No entanto, em acompanhamento psicoterápico, muitos clientes abandonam o
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tratamento ao admitirem que sentem inveja. Outros se encontram tão envolvidos na cultura da inveja que preferem continuar “roendo os outros e a si mesmos a terem que enfrentar a questão” (GÓES, 2004, p.479-484).
Góes considera que investir na vida religiosa é outra grande possibilidade para vencer a inveja. Petrarca diz que somente quando dominados pelo propósito de crescer espiritualmente, consegue-se minimizar o efeito da inveja sobre a própria conduta. Para que isso aconteça, no entanto, são necessários projetos pessoais elevados, determinação e força moral e, assim, alcançar a virtude de viver liberto do sentimento da inveja (GÓES, 2004, p.37).
A inveja causa dor, sofrimento, e a esse respeito, Byington argumenta que o modelo médico estigmatizou a dor e o sofrimento como algo exclusivamente negativo, indesejado e ruim. O processo de elaboração, no entanto, muitas vezes, é dolorido e traz sofrimento, mas a dor e o sofrimento, como as demais funções da vida, também são funções estruturantes, com frequência imprescindível para a elaboração simbólica. Todas as emoções e demais funções estruturantes podem normalmente ser acompanhadas de mal-estar, ansiedade e sofrimento sem, necessariamente ser caracterizado como anormalidade, pecado ou ruindade (BYINGTON 2002, p. 44,45).
A partir destas considerações de pensadores que expõem suas questões a respeito dos sentimentos de inveja e de ciúme, seguem a descrição dos termos recorrentes na pesquisa, relacionados à Gestalt-Terapia.
Termos recorrentes na pesquisa, relacionados à gestalt-terapia
Após discorrer sobre os sentimentos de inveja e de ciúme, sentimentos alvo da pesquisa, faz-se necessário a contextualização de alguns termos recorrentes e fundamentais na compreensão desta pesquisa, correlacionada à Gestalt-Terapia, Terapias de Grupo e Coterapia.
Abordagem gestáltica
Fundada por Frederic Salomon Perls, a Gestalt-Terapia (GT) é uma abordagem que se situa a partir do fenômeno presente, no aqui e agora. Considera-se que cada indivíduo é único e age através de sua cultura, de seus valores, de sua própria leitura do fenômeno. Tem como princípio o fato de que a pessoa deve ser vista como um ser integral, na sua totalidade física, emocional, social e espiritual. Ribeiro (1994) confirma essa visão, ao esclarecer que a Gestalt-Terapia (GT) vê a pessoa como um organismo com processos fisiológicos, psicológicos, sociológicos e espirituais. Explica que estes processos não ocorrem isoladamente, mas no contexto de um campo total, pois as pessoas dependem de uma interação organismo ambiente para se nutrirem, sendo que o organismo tem necessidade de se satisfazer, de se completar. Na opinião deste autor, a abordagem gestáltica é essencialmente realista e integrativa, não nega as raízes irracionais da raiva, da inveja, do medo, seja em nível individual seja grupal.
A GT corrobora definição de Saúde, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) ao enfatizar o desenvolvimento do bem-estar físico, mental e social do indivíduo e busca este bem estar, e não a cura de algum distúrbio. Favorece contato autêntico e ajustamento criativo do organismo ao meio. Enfatiza o sentir ‘como’ a saber ‘o porquê’. Nessa perspectiva, a abordagem não se preocupa em analisar ou
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interpretar os acontecimentos, comportamentos ou sentimentos. Porém, favorece a tomada de consciência global da forma como funcionamos e de nossos processos de ajustamento criativo ao meio, de integração da experiência presente, e de nossos mecanismos de defesa ou resistências.
Essa abordagem propõe experimentos para alargar ao máximo o campo e a liberdade de escolha, encontrando um território de liberdade e de responsabilidade. Assim, cada pessoa é responsável por suas escolhas e trabalha no seu próprio ritmo e nível, a partir do que emerge no momento, conforme o caminho que escolheu trilhar. A GT, com base na filosofia existencialista, em especial Sartre, parte do pressuposto de que o importante não é o que fizeram de mim, mas o que eu faço com o que fizeram de mim. Desse modo, não se trata de negar a herança biológica, nem as experiências da primeira infância, nem minimizar a pressão cultural do meio social, mas sobretudo, buscar coerência interna de bem-estar-no-mundo (RIBEIRO, 1994).
Terapias de grupo, casal e família
Segundo Zimerman (1999), os primeiros artigos sobre dinâmica e terapia de grupo foram escritos nos anos 40 do século passado e são atribuídos a Kurt Lewin. As pesquisas de Lewin se deram, em grande parte, no Centro de Pesquisas em Dinâmica de Grupo que funcionava no Massachusetts Institute of Technology, nos Estados Unidos da América do Norte. A partir desse início foram organizados outros grupos, como T Group, os grupos de encontro, os grupos operativos e interativos, e mais recentemente os grupos Balint, a serem usados nos hospitais. Rogers (2002, p. 5) esclarece que no início, além dos pensamentos lewinianos, estava a psicologia gestáltica, formando os alicerces conceptuais dos movimentos de grupo.
O processo grupal pode se iniciar tão logo duas pessoas se encontrem e se propõem algo em comum, explica Ribeiro. No princípio do grupo, os indivíduos possuem uma fronteira de contato muito rígida e, muitas vezes, intransponível, podendo ocorrer processos individuais que somente mais tarde serão incorporados à matriz grupal, enfatiza Ribeiro e conclui: “Dezesseis horas ou mais são necessárias para que se forme uma cultura grupal, normas e valores” (RIBEIRO, 1994, p. 33-36).
Na opinião de Ribeiro (1994, p. 38), a partir do ponto de vista da Teoria do Campo e Holística, a tendência é ver o grupo como um todo e captar a totalidade do que ocorre. Existem muitos níveis de inter e intradependência de relações, explica Ribeiro. Quando um elemento é afetado todo o sistema se altera sendo semelhante a um campo de força, onde cada um atua sobre o outro e onde cada um é a miniatura de todos.
Ribeiro (1994, p. 11-14) ainda considera que a terapia em grupo é de grande valor, ao permitir que o indivíduo, a partir da percepção e do olhar dos demais componentes do grupo, tenha uma nova visão de si próprio e possa ver-se com os olhos do outro. Essa dinâmica permite ao indivíduo ampliar sua awareness, promover sua autorregulação, ampliar a percepção, aprender formas para modificar o contexto ou se adaptar a ele criativamente, aprender com os sintomas, enfim, com o que está acontecendo no momento.
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O grupo, assim como o indivíduo, tem um comando interno para autorregulação, para uma autodeterminação organísmica. Desse modo, Ribeiro (1994, p. 37) faz as seguintes considerações: “é como ondas do mar, no seu ir e vir; estão em constante purificação de suas águas; como figura e fundo que, no seu suceder dinâmico, se movimentam sempre no sentido de que a necessidade mais urgente apareça”. Nessa perspectiva, para que o cliente obtenha esses benefícios, é necessário um ambiente acolhedor, com possibilidades para se expressar, escutar, sentir, trocar, desenvolver autoestima, isto é, aprender a lidar com as diferenças e com as próprias limitações.
Ribeiro (1994, p. 10) expõe uma ideia metafórica, ao perceber que “o grupo terapêutico é como o rio procurando o mar, como a flor procurando se transformar em fruto, como a criança crescendo à procura de sua maturidade.” No entanto, de acordo com Ribeiro, não basta o impulso natural para que as coisas se estabeleçam se completem e se finalizem. É preciso que todos os seus passos sejam presididos pelo contato e pela consciência, pois contato e consciência é a matéria-prima de qualquer processo de individuação.
O mesmo se processa na terapia de casal e família. Segundo Zinker, (2001, p. 108) as intervenções do Gestalt-terapeuta têm o objetivo de trazer ao casal ou à família a possibilidade de perceberem como se relacionam e se interagem. A primeira tarefa do terapeuta de casal ou de família, então, é ensinar como estes se interagem, auxiliando-os na resolução das resistências, a fim de restaurar o bom funcionamento dos sistemas disfuncionais. Para isso, Zinker explica que os terapeutas organizam a situação terapêutica de modo que o casal ou os membros da família interajam diretamente entre si, em vez de focar a atenção no terapeuta. Nesta dinâmica, os terapeutas ficam em liberdade para observar o que acontece no relacionamento dos componentes do grupo familiar ou casal. Diante da observação, é possível encontrar um ponto que aparece como figura para fazer a intervenção necessária que possa beneficiar os envolvidos na terapia, ajudando-os a se interarem do que está acontecendo e das possibilidades para experimentarem uma nova awareness que abra os olhos e possibilite mais escolhas.
Coterapia
Há uma escassez de literatura sobre Coterapia, dois terapeutas conduzindo a mesma sessão. Conforme Russel A. e Russel L. (1979), no campo de estudos da Coterapia, existem muitas vantagens efetivas na prática e poucos terapeutas relatam tristeza, mágoas ou ressentimentos em suas experiências de Coterapia. No entanto, apontam contratempos na prática e destacam a necessidade de unidade e de seriedade na dinâmica de relacionamento entre as duplas, principalmente de casais.
Ribeiro (1994, p. 87-88) destaca que na terapia apesar de serem dois, a Coterapia supõe a ideia de singular, os dois funcionando complementarmente, em que um não é e não pode ser visto pelo grupo como menos. Ainda, complementa que “tecnicamente os dois terapeutas funcionarão como figura e fundo um do outro, numa relação dinâmica e integrada”.
Para Rosset, (2000), trabalhar em duplas terapêuticas não apenas amplia grandemente o alcance da técnica, como também permite um crescimento de
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ambos os terapeutas. Este tipo de crescimento é muito importante durante o treinamento inicial e mais importante, ainda, para a manutenção do terapeuta profissional.
Para o bom funcionamento da Coterapia, Russell A. e Russell L. (1979) advertem que há necessidade dos coterapeutas se beneficiarem de cursos específicos na área de família, casal e grupo e de crescimento intrapessoal. A hipótese é que os terapeutas treinados tendem a ser mais objetivos na avaliação de seu próprio envolvimento do que o são seus próprios clientes. É evidente que isso nem sempre é assim. Questões científicas e profissionais, ou ainda preconceitos pessoais, podem interferir. Coterapeutas agem como espelho e sonar, para captar imagem e minimizar distorções. Ajuda ao cliente a superar a resistência inicial e romper sequências comportamentais destrutivas, dentre outras. Nas reuniões pós-sessões e nas supervisões, um e outro coterapeuta fornecem feedback dos lugares dos pares, favorecendo o processo terapêutico.
Rosset (2000) expõe que um dos maiores problemas com a equipe terapêutica tem sido o do manejo dos conflitos e da ânsia de poder. Trabalhar em Coterapia/equipe pode ser estimulante e criativo, mas também ser difícil e confuso, como por exemplo, estar trabalhando com uma hipótese e subitamente o outro terapeuta entrar com uma proposta diferente. Isso faz com que o grupo ou a família fiquem confusos.
Russell A. e Russell L (1979) reconhecem que entre as dificuldades e riscos está a possibilidade de formar alianças contraprodutivas, causando prolongado conflito entre os terapeutas, o que interfere destrutivamente na terapia, e pode aumentar a complexidade, criar resistências e ressentimentos. Atritos entre terapeutas, que trabalham em Coterapia, são vistos como um grande perigo em potencial e pode ser obstáculo para o cliente manter o tratamento.
Russell A. e Russell L. (1979) também esclarecem que a técnica de Coterapia é mal aplicada quando usada para diminuir a insegurança de terapeutas individuais. Se um coterapeuta é ofuscado, apadrinhado, deixado de lado, isto pode representar descaso e tem resultado frustrante para quem o experimenta. A prática da Coterapia não é apropriada para experiências que chamam atenção ao próprio ego ou imagem, truques ou posição individual autoritária. Pode acontecer de um coterapeuta inexperiente ser identificado ou incluído apenas como observador. Isto deve ser explicitado, os clientes precisam saber. Este procedimento pode ser um instrumento válido de ensino, mas não é considerado Coterapia, pois esta necessita de parceria e interação.
Quanto aos casais coterapeutas, Russell A. e Russell L. (1979) identificam que os terapeutas experientes ou inexperientes, assim como um grupo, têm preferências a partir do estilo de trabalho do outro coterapeuta. Não há comprovação se casais coterapeutas contribuem mais ou menos para o sucesso da terapia de família ou casal.
Para lidar com esses cuidados e garantir crescimento e sucesso no trabalho, Rosset (2000) sugere que algumas atitudes são necessárias, a iniciar-se pela melhor sintonia possível entre os dois terapeutas. Para isso, devem se conhecer a fundo, sobretudo, respeitarem-se o suficiente para não atrapalhar a cooperação com uma
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rivalidade velada. O mais indicado é escolher um psicoterapeuta que seja pessoalmente compatível e cuja personalidade seja complementar a do outro componente da dupla. Ter a mesma formação e orientação teórica e mesma visão filosófica de vida. Acrescenta-se que há necessidade de um bom contrato – claro e explícito –, avaliação constante, cuidado para não cair na homogeneização, ajuda para crescerem e sentirem-se bem juntos, dentre outros. É muito importante que cada um conheça o estilo e a maneira de ser do outro e estejam sujeitos à mesma supervisão. Rosset (2000) ainda acrescenta que a forma de ser diferente dos terapeutas não é prejudicial quando se pode percebê-la, levar em conta e, eventualmente, discutir durante a seção, na presença da família, casal ou grupo, sobre o assunto. Em todos os casos, deve-se ter uma conversa pós-sessão, na qual se possam elucidar eventuais conflitos surgidos entre os coterapeutas. Uma conversa respeitosa, pessoal, espontânea, fora da sessão. É preciso reconhecer que qualquer par de terapeutas pode trabalhar junto, mas, também, que existe a possibilidade de serem incompatíveis um com o outro, portanto, de pouca ajuda para o paciente. Sempre que existir respeito humano entre ambos, trabalhar em Coterapia será melhor que trabalhar sozinho.
A partir destas considerações, seguem os resultados e estatísticas deste estudo, apresentados de forma organizada com a finalidade de descrever o que foi observado, com a devida aplicação.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ESTATÍSTICOS DA PESQUISA
Os resultados da pesquisa estão apresentados em quatro etapas, a partir da coleta de dados, obtida através do instrumento de pesquisa (questionário). A primeira consistiu em verificar o grau de sentimento de inveja e/ou de ciúme que o terapeuta já experimentou na relação de Coterapia, e entre estes e clientes, explicar o que gerou esse sentimento e como foi vivenciar o constrangimento, com objetivo de observar as manifestações de inveja e/ou de ciúme entre terapeutas, e entre estes e clientes, sem especificar o mais evidente. Na segunda etapa, se deu a descrição de qual fase do trabalho os sentimentos foram mais evidentes e como foi vivenciá-los. A terceira etapa ocupou-se em verificar como os sentimentos, que se sobressaíram, interferiram no relacionamento dos terapeutas, destes e clientes e no processo terapêutico. Na quarta etapa, a pesquisa tratou de outros interesses da pesquisadora. Entre estes outros interesses, os sujeitos foram convidados a comentar se a inveja reflete complexo de inferioridade e demonstra baixa autoestima ou se vivenciar tais sentimentos pode promover desenvolvimento pessoal e gerar novo padrão de comportamento entre os coterapeutas. Na finalização da pesquisa, (pontos 5 e 6) os entrevistados ofereceram sugestões para as duplas que estão se organizando e uma reflexão sobre o valor da Coterapia.
A imagem dos gráficos representa a porcentagem do número dos pesquisados, assim distribuída: 1 – 10%; 2 – 20%; 3 – 30%; 4 – 40%; 50%; 5 – 50%; 6 – 60%; 7 – 70%; 8 – 80%; 90%; 10 – 100%. Em cada etapa encontram-se os registros das tabelas formuladas para análise dos resultados que se tornaram representativos na pesquisa.
Primeira etapa
A análise dos resultados da primeira etapa consiste em verificar o grau de sentimento de inveja e/ou de ciúme que o terapeuta já experimentou na relação de
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Coterapia, e entre estes e clientes, explicar o que gerou esse sentimento e como foi vivenciar o constrangimento, com objetivo de observar as manifestações de inveja e/ou de ciúme entre terapeutas, e entre estes e clientes, sem especificar o mais evidente. O resultado aponta que 30% (3) dos sujeitos pesquisados dizem não experimentar o sentimento e ser tranquila a relação. Outros 40% (4) demonstram uma relação com pouca tensão. Os demais pesquisados, 20% (2), afirmam ter um relacionamento com tensão moderada e 10% (1), com tensão acentuada. Em seu todo, pode-se afirmar que 70% dos sujeitos pesquisados, em grau menor ou maior, experimentaram o sentimento de inveja e/ou de ciúme em seus relacionamentos de Coterapia, sem especificar qual é o mais evidente.
TABELA 1
Quanto aos motivos que geraram os sentimentos, percebe-se, nos relatos dos pesquisados, uma dificuldade no relacionamento interpessoal e confirma a necessidade de cuidados especiais na escolha dos coterapeutas, para dirimir os riscos naturais que surgem no decorrer do trabalho.
C. relata que seu coterapeuta faltava muito sem avisá-lo e isto gerava um estresse de sua parte e os clientes sentiam seus problemas relacionais.
G. conta que desde a formação da dupla percebeu que seria uma relação que exigiria cuidados de sua parte, pois já na conversa inicial foi manifestado pelo coterapeuta medo de ser atropelado.
A. dificuldade de L., principalmente de ciúme, surgiu pelo fato de um dos terapeutas se afinar mais rápido com alguns dos clientes. O coterapeuta era mais experiente e já havia conduzido trabalhos de grupo e demonstrava estar mais integrado e dominando o grupo.
J. admite ter experimentado, sim, um pouco de ciúme, pelos clientes normalmente se dirigirem ao outro coterapeuta e não a ele, mas, entendeu que isso não comprometeu a parceria.
O. esclarece que no início da prática clínica, quando a dupla ainda está construindo uma postura profissional, esse ciúme surge como insegurança. Com o tempo, explica, o terapeuta vai percebendo o quanto é positivo os clientes terem duas referências, e a dupla vai sintonizando o trabalho até formar a ideia de unidade, que naturalmente é percebida pelos clientes.
Ainda nesta primeira etapa, com o objetivo de observar as manifestações dos sentimentos entre terapeutas, e entre estes e clientes, foi pedido aos coterapeutas
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refletir sobre a frase: É bem provável que sempre haverá, em algum momento, sentimentos de inveja e de ciúme na relação de coterapeutas.
60% dos entrevistados comprovam a afirmativa, os demais 40% admitem que sim, mas não necessariamente. Segue o que pensam os sujeitos pesquisados:
TABELA 2
R. observa que uma pessoa segura dificilmente sentirá inveja e/ou ciúmes.
G. admite que sim, e sugere deixar isso claro na relação e de forma muito aberta discutir o que se fizer presente, mantendo a independência dos dois terapeutas, como agentes de mudança no campo.
M. explica que o sentimento é totalmente humano, o que faz a diferença é o que você faz com ele.
D. acredita que na relação de Coterapia, em algum momento haverá um desses sentimentos, ou os dois, e muitos outros, bons e ruins, o que é supernatural, afirma. Sempre vamos encontrar alguma similaridade no outro, por mais diferentes que sejamos.
O. sim, principalmente no início e mais ainda se existe um cliente que perceba a diferença entre os terapeutas e começa a manipular – ora se vincula a um e ora a outro, conclui.
Segundo Moscovici (2001), as pessoas demasiadamente ciumentas, inclusive coterapeutas, às vezes, querem atenção e, de alguma forma, a atitude de se auto afirmarem, devido à insegurança que enfrentam. Nos relatos percebe-se que os sujeitos pesquisados experimentaram sentimento de inveja e de ciúme e demonstraram que o trabalho em grupo expõe a fragilidade dos relacionamentos superficiais dos membros carentes de habilidades interpessoais para lidar com as emoções.
Para lidar com os sentimentos, as diferenças e os constrangimentos, os coterapeutas buscaram várias estratégias. Assim, todos têm como estratégias não deixar acumular questões que precisam ser conversadas. Sugerem falar, checar, achar novos caminhos, sempre que possível. Uma condição indispensável são as reuniões antes e pós-sessões, com tempo reservado para falar sobre a sessão e como cada um se percebe nelas, deixando o terreno muito aberto para criticar e receber críticas, tentar ver o fenômeno juntos, e evitar tomar decisões sem o conhecimento da dupla.
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Em algumas situações a relação fica mais difícil. G. comenta que desde o início do trabalho, procurou ser o mais aberto possível, já que conhecia seu próprio temperamento, mas chegou num ponto tal de imposição, que o colega quis exigir que ele o consultasse antes de improvisar uma atividade, ao aproveitar o que estava presente no aqui e agora. A partir de então, a conversa foi deixando de existir, dando lugar aos conflitos e a tensão cresceu entre a dupla.
C. conta que buscou conversar várias vezes com o colega sobre o que estava acontecendo entre a dupla e o grupo terapêutico. Sem sucesso, expôs a situação para a coordenadora do curso e de estágio para que, juntos, tomassem algum tipo de providência. C. admite que temeu que a atitude fosse gerar um mal-estar entre a dupla e a turma, mas, no final, tudo ficou bem.
D. afirma perceber que nem sempre é tão fácil conversar sobre determinados assuntos. Acha que fica mais fácil quando se tem intimidade com o coterapeuta, mas isso só acontece com o tempo e o convívio e acrescenta que tenta sempre identificar o que é seu e o que é do outro e trabalhar as suas dificuldades, sozinho ou em terapia.
Essa também é a estratégia de Z. Para vencer o constrangimento de não ser escolhido pelo colega para ser seu coterapeuta e não perder a autoestima procurou falar sobre suas dificuldades e sentimentos na própria terapia.
Refletindo sobre os sentimentos de inveja e de ciúme, O. percebe que à medida que o terapeuta vai estudando e aprimorando seus conhecimentos ele deixa de achar que disputa algum lugar com alguém. A própria pessoa constrói seu lugar, diz.
Na visão de O. adquirir conhecimento através de estudo e respeito durante o tempo de amadurecimento são os melhores caminhos. Atender em Coterapia em geral é uma novidade para os terapeutas, e estes precisam de um tempo para fazer os ajustes, afirma. O. declara que se deu conta de que é uma pessoa ciumenta e buscou prestar atenção em que isso podia atrapalhar seu crescimento e seu trabalho. A partir daí, tirou o foco do ciúme para pensar no que precisava fazer para mudar a postura e se tornar uma pessoa mais segura. Admite que a insegurança é grande aliada na inveja e no ciúme.
Os relatos mostram as dificuldades e os riscos de um trabalho em Coterapia. A humildade em reconhecer essas dificuldades, perceber a própria postura e a do outro, assumir o que é seu, é fundamental para as mudanças e os ajustes entre as duplas. Todos são unânimes em afirmar que seguindo essas estratégias, no final todos crescem juntos, como pessoas e como profissionais.
Ribeiro (1994) esclarece que todos nós temos uma tendência natural para a autorregulação – um processo ligado à experiência e sensações imediatas. Para crescer, as pessoas lutam por manter um equilíbrio entre necessidades de gratificação e a alimentação de tensão. A efetiva autorregulação dependerá de uma discriminação da consciência sensorial que permita a pessoa usar o que é nutriente para ela e evitar o que não é.
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Segunda etapa
Na segunda etapa, quando foi pedido aos coterapeutas descrever se experimentaram o sentimento de inveja e/ou de ciúme e em qual fase do trabalho terapêutico ficou mais evidente e como foi vivenciá-los, 20% (2) concluíram possuir o sentimento de inveja; 50% (5) admitiram ter o sentimento de ciúme, com uma tensão moderada; 30% (3) dos sujeitos pesquisados afirmaram não experimentar esses sentimentos.
TABELA 3
Os sujeitos pesquisados relataram ter passado por algum tipo de sentimento, vivenciado em todas as fases, porém, mais especificamente na primeira, quando os coterapeutas ainda estavam se ajustando ao colega coterapeuta e ao grupo.
Refletindo sobre o tema, G. confirma que a dupla passou por um ciclo: encantamento inicial, choque da realidade e o momento de ruptura. Esclarece que uma relação terapêutica é viver uma relação que exige, como qualquer outra, um cuidado permanente.
Iniciar um trabalho em dupla esclarece M., sempre envolve algum nível de tensão, até os terapeutas se familiarizarem com o jeito de trabalhar um do outro. M. admite que sua falta de humildade em perceber que apesar de diferente, o outro terapeuta
poderia fazer um bom trabalho e, também, a falta de confiança, a competição e a arrogância, por parte do colega, podem ter contribuído para o incômodo.
Z. acredita que tenha uma fase de adaptação de cada um ao trabalho do outro e que no início as diferenças do colega o irritavam, quando insistia em ir por um caminho, que ele julgava não ser o ideal, além de demonstrar um sentimento hostil pelo grupo. Com o tempo, Z. passou a achar rico o colega estar explorando algo que ele não havia pensado.
J. admite que as trocas, através das conversas no início e no final da sessão e as supervisões, ajudaram o colega perceber que sua postura hostil era resultado de não se sentir à vontade com o grupo. J. justifica que seu ciúme se dava pelos clientes sempre buscarem seu coterapeuta, como uma referência pessoal.
Nas diferentes fases, na relação com a dupla terapêutica, D. experimentou os dois tipos de sentimento – inveja e ciúme. No início foi bem mais difícil, afirma.
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Para L., o ciúme ficou mais evidente na fase inicial do grupo, quando as duplas estão se formando. A fase foi vivenciada com cuidado por parte da dupla e da supervisora em quem confiavam e que os estimulava a conversar sobre a situação. No convívio do dia-a-dia, consideram que a melhor estratégia é a comunicação e dividir as questões e oportunidades que avaliam serem importantes.
De uma forma ou de outra, a competição estava presente na relação, impedindo os coterapeutas enfrentarem a situação de frente e desenvolverem um relacionamento de confiança entre si. Mantinham-se numa postura de negação e de falta de intimidade. Ribeiro (1994, p. 36) explica que no princípio do grupo os indivíduos possuem uma fronteira de contato muito rígida e, muitas vezes intransponível, podendo ocorrer processos individuais que somente mais tarde serão incorporados à matriz grupal.
Terceira etapa
A terceira etapa se ocupou em verificar como os sentimentos que se sobressaíram (inveja ou ciúme) interferiram no resultado do trabalho de terapia do grupo, no relacionamento dos coterapeutas e clientes e no processo terapêutico.
Como visto anteriormente, na fase em que os terapeutas estavam se ajustando ao colega e ao grupo (1ª), foram identificados os sentimentos alvos da pesquisa; inveja 20%, ciúme (50%), comprovando as hipóteses de que os sentimentos estão presentes na coterapia e, de algum modo, interferem no resultado do trabalho de terapia do grupo, no relacionamento dos coterapeutas, destes e cliente e no processo terapêutico. Entre os terapeutas e clientes, de forma mais indireta.
Os resultados, desta 3ª etapa, no entanto, apontam que além dos sentimentos de inveja e de ciúme, revelados na fase anterior, como os mais evidentes, os terapeutas revelaram outros sentimentos que interferiram, grandemente, no resultado do processo terapêutico e nos relacionamentos. Os mais evidenciados foram a competição (60%), insegurança (30%), controle, irritação, revolta, preocupação, frustração, falta de humildade, arrogância, dominação (10%), conforme exposição no gráfico.
TABELA 4
Conforme estudo, Góes (2004, p. 130) observa que a toda hora as pessoas confundem ciúme e inveja. Distingue, então, esses dois sentimentos, afirmando que
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o enciumado se indaga sobre o que há na outra pessoa que a torna superior. Quando há a inveja, o invejoso sabe exatamente o que é que o invejado tem de superior.
Segundo Tomei (1994, p. 39), a inveja pode ser canalizada para o estímulo e competição e ser construtiva e fonte geradora de incentivo quando, por exemplo, um indivíduo deseja adquirir com seus próprios esforços, bens e qualidades que admira em outras pessoas. Esse postulado pode justificar a presença do sentimento de competição em 60% dos pesquisados, em que a inveja pode gerar a competição, trazendo benefícios ao trabalho em equipe. Em termos comparativos, a competição apresenta um maior grau em relação à insegurança e outros sentimentos. Nesse contexto, a competição estaria mais ligada à inveja e a insegurança ligada ao ciúme, na dinâmica do funcionamento das equipes.
Outros interesses da pesquisa
Em outros interesses da pesquisa, os sujeitos entrevistados foram convidados a comentar se a inveja reflete complexo de inferioridade e demonstra baixa autoestima e a confirmar ou não se vivenciar tais sentimentos podem promover desenvolvimento pessoal e gerar um novo padrão de comportamento. Seguem os comentários:
Complexo de inferioridade e de baixa autoestima
Convidados a comentar a frase: Os invejosos, de certa forma, revelam complexo de inferioridade e de baixa autoestima. 1 (10%) é categórico em afirmar que sim; 4 (40%) considera não; 2 (20%) depende de outros fatores; 1 (10%) sugere que talvez possa ocorrer, mas não necessariamente; 1 (10%) não se manifestou; 3 (30%) atribui o sentimento à insegurança e não ao complexo de inferioridade ou baixa autoestima.
TABELA 5
Nos comentários, M. acredita que ter um pouco de inveja é muito natural, faz parte do ser humano. Não concorda que só pessoas mal resolvidas ou complexadas sentem inveja. O que você faz com esse sentimento é o que conta. Ele pode ser usado para sinalizar que naquele ponto da vida a pessoa não está tão satisfeita quanto pensava, por exemplo, ou que deseja algo que nem tinha se dado conta.
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Z. supõe que o sentimento que mais impera é o de insegurança ou falta de experiência no que está sendo vivido, e não necessariamente complexo de inferioridade ou baixa autoestima.
R. concorda com Z, ao afirmar que as pessoas com essas características são inseguras e sentem dificuldade em lidar com certas situações. Por exemplo, um cliente se identificar mais com um dos coterapeutas.
Para L. depende do grau em que isto se manifesta.
J. explica que, segundo Adler, o complexo de inferioridade é inerente ao ser humano. Em relação à baixa autoestima, J. acredita que não necessariamente o inferiorizado tem a autoestima baixa, mas admite que a boa autoestima pode ser o incentivo que a pessoa necessita para ir ao encontro de suas metas pessoais.
D. e O. reafirmam a necessidade do preparo e da aprovação do outro componente da dupla, para ficar bem.
C. admite que já teve muita inveja de profissionais que considera exemplares, mas não se considera com baixa autoestima por isso. Avalia que se trata de uma admiração e não de inveja propriamente dita ou complexo de inferioridade.
Góes (2004, p.130) observa que a inveja pressupõe um sentimento de inferioridade do invejoso em relação ao invejado. Assim, querer que os indivíduos aceitem que estão acometidos de inveja equivale a querer que confessem que se sentem inferiores.
Adler (1967) considera que todas as crianças são profundamente afetadas por um sentimento de inferioridade, por seu tamanho de criança e de sua falta de poder. Mas estes sentimentos podem motivar os indivíduos para realizações construtivas, de crescer e ficar forte como os adultos. A luta pela perfeição é inata, diz. É formação de objetivos de vida, que se inicia na infância, como forma de compensação de sentimentos de inferioridade, insegurança e desamparo num mundo adulto.
Desenvolvimento Pessoal
Quanto ao item desenvolvimento pessoal e novos padrões de comportamento dos envolvidos, tanto de coterapeutas quanto de clientes, a partir de vivenciarem, em algum momento os sentimentos de inveja ou de ciúme, todos os sujeitos pesquisados admitiram que estes sentimentos pode sim, promover desenvolvimento pessoal e gerar novos padrões de comportamento, com algumas ressalvas, conforme relatos que se seguem:
R. sugere identificar os sentimentos e discutir entre os envolvidos. Com base na própria percepção, cita como novos comportamentos: segurança, saber ouvir e respeito.
G. também sugere tratar o conflito assim que perceber sua existência. Explica que se partirmos da premissa fenomenológica de que mais do que um fato em si, o que existe são versões do fato visto por mais de um observador, perde-se menos tempo discutindo sobre quem tem razão e gasta-se mais tempo buscando soluções e
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caminhos criativos que colaborem com o crescimento dos pacientes. G. cita como novos comportamentos: uma postura mais profissional que beneficie o paciente; maiores possibilidades de troca; maior foco no que está presente no setting terapêutico.
A. comenta que se considerar o texto de Byington (2002), quem nega a inveja, nega o desejo e condena-se à estagnação. A inveja pode ser construtiva e fonte geradora de incentivo quando, por exemplo, um indivíduo deseja adquirir com seus próprios esforços, bens e qualidades que admira nos outros. Uma inveja, sem malícia. Trazer para a própria vida o que de bom tem no outro. A. cita como novos comportamentos: cooperação, persistência em alcançar objetivos, generosidade com quem está trabalhando e com quem está sendo atendido pelos terapeutas, respeito pela opinião do outro.
Para L. Depende se este tema surge nas reuniões da dupla ou no próprio grupo. Sugere explorar o acontecido no lugar apropriado – entre as duplas ou no grupo. Na percepção de L., os novos comportamentos são: o fato de gerar mais feedbacks e perceber que são sentimentos pertinentes a todos e desta forma ampliar o nível de tolerância entre as pessoas e de cada um consigo mesmo; melhorar a forma de se dirigir e de falar uns com os outros.
J. comenta que neste aspecto ele concorda com Alfred Adler quando diz que a inveja (inferioridade) é a força-motriz que nos quer aprimorar. A meta não é ser o melhor que pudermos, mas melhores que o outro, porém, como sempre haverá alguém com mais potencialidades que cada um de nós, nunca estaremos satisfeitos, nunca seremos completos e estaremos sempre em busca de mais. Na percepção de J., os novos comportamentos são: resiliência, motivação e movimento, como novos padrões.
Z. admite que a pessoa pode modificar um padrão de comportamento aprendendo com algo que aprecia no outro ou que está vivenciando naquela experiência. Porém, de forma negativa, a inveja pode estar relacionada com ódio e ser uma fonte de agressão, gerando destruição.
C. incentiva aproveitar a inveja e o ciúme para o crescimento da dupla e desenvolvimento do grupo terapêutico. Sugere utilizar as atitudes do outro que admiramos, para buscar o próprio crescimento profissional.
D. esclarece que quando terapeutas e clientes param para olhar o que está acontecendo e tentam trabalhar esses sentimentos e o que eles dizem de cada um e o que representam para cada terapeuta e/ou cliente, podem gerar crescimento pessoal. Neste caso, esses novos comportamentos serão: aceitar que sentimos inveja e ciúmes do outro; aprender a olhar para as nossas necessidades e buscar satisfazê-las.
O. sugere perceber o que se faz. Qual é a própria postura? Em que ela atrapalha e em que ajuda o trabalho. Após essa análise, verificar em que a postura da sua dupla ajuda ou prejudica na relação. Ter afinidade para conversar, com humildade, sobre as dificuldades. Na percepção de O., não é fácil citar quais seriam os novos comportamentos, mas expõe que as intervenções ficam diferentes, a partir do momento em que começou a se olhar mais durante o atendimento e a se relacionar
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enquanto coterapeutas. Relação essa de uma forma igual, sempre atenta e valorizando o que a outra pessoa pensa e observa, mesmo sendo modos de agir diferentes. Foi muito benéfico o hábito de conversar após o atendimento.
Tomei (1994) esclarece que a inveja pode ser construtiva quando o invejado passa a ser um modelo a ser seguido, um estímulo para aumentar o sentimento de ambição e a competição saudável para obtenção do que se deseja.
Sugestões para as duplas que estão se organizando
Todos os sujeitos pesquisados deram suas sugestões para as duplas que estão se organizando, como segue:
R.: O diálogo. Se não está satisfeito com alguma situação, se abrir com a sua dupla. Nunca deixar de lado o respeito pelo outro e saber ouvir quando percebe que erra.
Para G. desenvolver maturidade na relação, buscar sempre o equilíbrio. Numa relação a dois, quando um ganha os dois perdem, a única vitória possível é o empate. Cuidar da relação, mantendo sempre aberto um canal de comunicação.
A. afirma que ter empatia com o outro é fundamental, saber ouvir e respeitar as opiniões diferentes, exercitar sempre a comunicação, o respeito, a parceria nos vários sentidos, estar feliz junto ao seu coterapeuta, companheiro de trabalho.
L. enfatiza: não abrir mão de reuniões periódicas, mesmo que não tenha nada tão urgente, tomar decisões juntos, sempre que possível, conhecer as próprias habilidades.
J. Terem um diálogo aberto, sobre tudo o que envolve a dupla, cuidar da saúde emocional da dupla, respeitar as diferenças que existem entre os componentes da dupla.
M. Admite que três atitudes muito importantes nessa relação são: clareza do que cada um pensa em cada momento, humildade para lidar com o jeito/modo de atender do outro coterapeuta, que é diferente do seu e respeito pelo cliente, que é mais importante do que qualquer situação que possa estar acontecendo entre os terapeutas.
Para Z. : aprender com cada sensação, que está sentindo, ficando atento a elas e a si mesmo, não negue seus sentimentos e nem atribua a eles uma sensação ou imagem negativa, sempre fale sobre o que está sentindo, vivenciando na Coterapia, na supervisão e nas próprias trocas com o outro terapeuta. Dentro do possível, tenha um encontro com o coterapeuta, antes da sessão e um após a sessão, para uma troca aberta das questões.
C. considera positivo ter bom relacionamento antes de serem coterapeutas, conversarem muito sobre a experiência que tiveram para trocarem e buscarem entender a identidade de cada um como terapeuta, colocarem na balança as características suportáveis.
D. sugere troca, disponibilidade para ouvir, paciência e respeito.
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O. propõe sempre conversar sobre o atendimento após a sessão, quando tudo ainda está bem “fresquinho”. Ter humildade para reconhecer as próprias dificuldades. Cada um deve assumir o que é seu! Saber que a dupla precisa de um tempo para fazer ajustes e se depois de passado o tempo (1 ano) não perceber mudanças na relação, sugiro que troquem de coterapeuta. Tem que haver uma química, os dois têm que gostar do trabalho em grupo. Não pode haver hierarquia. Nem sempre o melhor amigo de curso da faculdade é a melhor pessoa para se trabalhar juntos. Pode ser e pode não ser!
Como é olhar para trás e recordar as experiências em coterapia?
Ao refletir sobre como é olhar para trás e recordar o trabalho em Coterapia, os sujeitos pesquisados incentivam a continuidade da prática e afirmam acreditar nessa modalidade de processo terapêutico.
R. declara que foi uma experiência maravilhosa.
G. vivenciou uma experiência que, mesmo com todos os percalços, mostrou um potencial criativo benéfico para o paciente. Considera a Coterapia uma realidade em desenvolvimento cujo debate deve ser permanentemente fomentado.
L. acredita que foi uma parceria agradável. Com o tempo passaram a conhecer o estilo de cada um. No início foi importante dar tempo para conhecer o grupo e saber que também estavam se desenvolvendo enquanto “dupla-grupo”. Tiveram conflitos em pontos parecidos, estabeleceram um território de troca e aproveitaram as diferenças
J. garante que foi fácil e muito gratificante. A primeira experiência foi de “casamento” perfeito com a Coterapeuta. Afirma que a experiência foi de tal modo gratificante para ambas as partes, terapeutas e clientes, chegaram a cogitar a continuidade do grupo, desvinculado do IGT. M. relata que a experiência foi muito boa! Houve aprendizado, tanto observando a outra pessoa, quanto trocando ideias com ela. Afinal, é mais um terapeuta participando do mesmo atendimento, favorecendo o enriquecimento profissional da dupla.
Conclusão
Os indicadores de inveja e de ciúme entre os Coterapeutas, descritos neste artigo, demonstram que esses profissionais, em algum momento durante o trabalho, experimentam estes sentimentos entre si, e entre estes e clientes, nestes mais pontuais e indiretos, resultando em ruídos na relação de Coterapia, principalmente no início da dupla, quando estão se organizando. Asseguram a importância das supervisões e do uso de estratégias significativas para tratar os impasses, ao experimentarem os sentimentos. Assinalam que a inveja e ou o ciúme podem ser fonte de desenvolvimento pessoal e promover comportamentos saudáveis nos que sentiram inveja, em algumas situações, transformar a inveja em admiração.
Para ajustar as respostas do instrumento de pesquisa, fez-se necessário adaptar os objetivos iniciais, sem, no entanto, modificar o conteúdo.
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Os cuidados na escolha da dupla e atenção aos riscos que podem ocorrer são atitudes indispensáveis para que os resultados do trabalho tenham o efeito esperado.
Quanto a relacionar complexo de inferioridade e baixa autoestima, os sujeitos pesquisados admitem serem sentimentos diferentes. Alguns confirmam a afirmativa, uns poucos não se manifestaram e outros admitem que o complexo de inferioridade é próprio do ser humano, em algum momento de vida e pode contribuir para o crescimento pessoal. Os resultados apontam que o sentimento que mais impera é o ciúme (50%), seguido da insegurança (30%), que provavelmente, está ligado ao ciúme. Por se tratar de atividades grupais, a probabilidade da predominância do sentimento de ciúme se justifica na interferência do trabalho das duplas. O sentimento da inveja, no contexto da realidade pesquisada, apresentou menor grau (20%). Na fase inicial, há o enfrentamento do novo, em relação à parceria no atendimento terapêutico e, posteriormente falta de preparo e, não necessariamente, de complexo de inferioridade ou baixa autoestima.
Pode-se observar, ainda, que todas as duplas reconhecem que a experiência em Coterapia foi muito gratificante e sustentam crença no valor desse trabalho, enquanto processo terapêutico. A Coterapia é uma prática crescente e bem aceita.
O estudo comprova a hipótese de que os sentimentos de inveja/ciúme estão presentes na Coterapia e, de algum modo, interferem no resultado do trabalho terapêutico. O desejo de poder, competição (60%), ligados à inveja, e a insegurança (30%), relacionada ao ciúme, representam os sentimentos que mais influenciam os comportamentos.
Todavia, segundo Pastore (1997) tão perigoso quanto o excesso destes sentimentos é a ausência deles. Adverte ser importante manter abertos os canais para a expressão de alguns sinais de ciúme. A negação total do ciúme pode conduzir as pessoas à indiferença e apatia.
Conclui-se que os benefícios para o trabalho de Coterapia, que são obtidos com a pesquisa, a curto e longo prazo, entre outros, contribuem para uma reflexão sobre o tema, permitindo, assim, aprender sobre os sentimentos de inveja e de ciúme, e entender que, por um lado, esses são comportamentos passíveis de acontecer em muitas situações e que podem desencadear momentos de conflitos e de mal-estar entre as duplas e entre estas e os clientes. Por outro lado, tais sentimentos podem provocar o desejo de superação, competição e competência na atuação do profissional. Ainda, permitir uma reflexão sobre o próprio desempenho enquanto coterapeuta, analisando como foi estar nesta prática, enfrentar tais sentimentos, e quais estratégias de manejo usar para dirimir as dificuldades. Espera-se que o material de pesquisa e estatística possibilite, também, embasamento de debates e discussões sobre o tema: Inveja e Ciúme e aplicações de Coterapia no trabalho de grupo, casal e família. A partir das experiências vivenciadas nesta pesquisa, sugerir às novas equipes terapêuticas estratégias de como lidar com os sentimentos de inveja e de ciúme no trabalho de terapia de grupo, casal e família, com o objetivo de minimizar os conflitos.
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Endereço para correspondência
Elza Andrade
E-mail: josuesandrade@uol.com.br
Recebido em: 01/10/2021
Aprovado em: 30/12/2022
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