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ANDRADE, Leonardo Leite de – “Acerca da fronteira: Interseções entre Fritz Perls e Paul Federn nas obras Ego, Fome e Agressão e Gestalt-terapia”
ARTIGO
Acerca da fronteira: Interseções entre Fritz Perls e Paul Federn nas obras Ego, Fome e Agressão e Gestalt-terapia
About the border: Intersections between Fritz Perls and Paul Federn in the works Ego, Hunger and Aggression and Gestalt-therapy
Leonardo Leite de Andrade
Revista IGT na Rede, v. 19, nº 36, 2022. p. 47 – 61. Disponível em http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526
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RESUMO
O presente artigo visa realizar uma pequena cartografia acerca do conceito “Fronteira” presente na obra de Paul Federn e utilizada por Fritz Perls na obra Ego, Fome e Agressão e posteriormente, juntamente com Paul Goodman e Ralph Hefferline, em Gestalt-terapia. Nas duas obras Perls, realiza menções diretas e indiretas ao Federn que cunhou o termo pela primeira vez em Ego Psychology and the Psychoses. Busca discutir de que maneira o termo foi utilizado nestas obras e que contribuições que este conceito dá para o desenvolvimento teórico-clínico da Gestalt-terapia.
Palavras-Chave: Fronteira de contato; Paul Federn; Gestalt-terapia; Teoria do Self.
ABSTRACT
This article aims to make a small cartography about the concept “Frontier” present in the work of Paul Federn and used by Fritz Perls in the work Ego, Hunger and Agression and later, together with Paul Goodman and Ralph Hefferline, in Gestalt therapy. In the two Perls works, he makes direct and indirect mentions to Federn who coined the term for the first time in Ego Psychology and the Psychoses. It seeks to discuss how the term was used in these works and what contributions this concept makes to the theoretical-clinical development of Gestalt therapy.
Keywords: Contact boundary; Paul Federn; Gestalt therapy; Theory of the Self.
Introdução
Esta estrada melhora muito de eu ir sozinho nela. Eu ando por aqui
desde pequeno. E sinto que ela bota sentido em mim. Eu acho que
ela manja que eu fui para a escola e estou voltando agora para revê
la. Ela não tem indiferença pelo meu passo.
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Manoel de Barros - Caso de Amor
Pretendo, com este texto, realizar uma pequena cartografia sobre o desenvolvimento do conceito “fronteira de contato” na obra da Gestalt-terapia. Para isso, busco realizar a aproximação de dois autores, o próprio Fritz Perls, médico, psiquiatra e psicoterapeuta que ficou bastante conhecido por ser um dos criadores da Gestalt terapia e Paul Federn, psiquiatra e psicanalista austro-americano que fez importantes pesquisas a respeito da teoria do eu e na reformulação da segunda tópica freudiana, se destacando por ser um dos primeiros psicanalistas a desenvolver uma teoria e método analítico para as psicoses.
Essa realização tem, portanto, as suas dificuldades, uma vez que o Perls não escreve à maneira de um acadêmico, não realizando assim, devida referência às suas fontes. Esta dificuldade apresenta algumas fragilidades para o desenvolvimento teórico da abordagem e de seus leitores. Torna-se importante esta advertência visto que este texto trata-se de um ensaio, onde compartilho algumas hipóteses e achados e não verdades últimas a respeito dos conceitos, do qual o próprio Perls não aparentava buscar. No entanto, no capítulo XI “Crítica de Teorias Psicanalíticas do Self” da obra Gestalt-terapia, Perls, Hefferline e Goodman notam em sua teoria do Self uma relação entre Sigmund Freud, Anna Freud e Paul Federn, darei especial atenção a este último.
No Brasil, o conceito “fronteira de contato” é sem dúvida um dos conceitos mais conhecidos desta abordagem e há, consequentemente, uma interessante produção acadêmica e teórica a respeito. No entanto, nenhuma dessas produções a que me foi possível o acesso, cita ou faz referência ao Paul Federn, com exceção de um artigo de Müller-Granzotto & Müller-Granzotto (2007a; 2007b; 2012) que cita esta problemática e a diferenciação dos conceitos em uma nota de rodapé e na obra de Helou (2015) em seu livro a respeito da vida e obra de Fritz Perls. Salomão, Frazão e Fukumitsu (2014) chegam ainda a relacionar o conceito “fronteira de contato” como tendo a influência direta de Kurt Lewin e outros autores, mas sem citar o Paul Federn.
Outras produções citam rapidamente o psicanalista americano, como é o caso de Tellegen (1984), mas sem realizar uma relação direta do autor com o conceito de “fronteira”, em relação ao qual o mesmo tem uma grande importância não só para a psicanálise, como também, em certa medida, para a Gestalt-terapia. É neste sentido que busco contribuir para este cenário teórico-conceitual, acreditando ser necessário uma melhor explanação a respeito deste tema, com um pouco mais de fôlego.
Visando atingir este pretensioso objeto, foram lidas às obras: Ego Fome e Agressão (1942) de Frederick Perls, que por si só já apresenta uma problemática nas discussões entre gestalt-terapeutas por acreditarem ser esse um texto de psicanálise ou ultrapassado; Gestalt-terapia (1951) de Frederick Perl, Ralph Hefferline e Paul Goodman (PHG), sem dúvida a principal referência desta abordagem e; Ego Psychology and the Psychoses (1952) de Paul Federn,
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infelizmente sem tradução para o Brasil, trata-se da mais importante obra do autor, neste livro o autor reúne uma série de textos, alguns já publicados anteriormente de forma avulsa, como é o caso do artigo Mental Hygiene of the Ego in Schizophrenia citado e comentado por PHG (1997, p.193 e seguintes).
A hipótese que será sustentada ao longo do texto é de que não se trata apenas de uma coincidência o aparecimento do nome de Paul Federn em duas das mais importantes obras do Perls, e referindo-se sobretudo, à noção de fronteira. Afinal, é Federn o “inventor” do conceito de Fronteira de Ego, estando assim a Gestalt-terapia e, sobretudo o Perls, em dívida para com o autor. Conheceremos então a utilização do conceito de Federn e a sua história de vida pessoal, como também a utilização destes conceitos nestas duas obras de Perls e colaboradores, possibilitando assim o desenvolvimento da noção de “fronteira de contato” hoje amplamente usada por todos os gestalt-terapeutas dada a sua reconhecida importância para a Teoria do Self.
Paul Federn: vida, fronteira e melancolia
Antes de tudo, acho importante comentar a respeito da história de Paul Federn (1871-1950) uma vez que há pouquíssimas publicações e comentários deste importante psicanalista que influenciou o pensamento de Fritz Perls. Paul Federn foi um psicanalista nascido em Viena, filho do médico judeu Salomon Federn, um clínico geral que era amplamente reconhecido em sua profissão. Frequentou o Academic Gymnasium em Viena onde se formou em 1889, obedecendo o seu pai. Em 1902, tornou-se clínico geral em Viena e logo em seguida, casou-se. Por intermédio de Hermann Nothnagel, conheceu Sigmund Freud e foi seu discípulo o restante de sua vida (ROUDINESCO, 1998).
Em todos os relatos, ainda que poucos, a respeito de Paul Federn, é comentado sobre sua profunda admiração por Freud. . É descrito que o mesmo chegou até mesmo a assumir a função de professor, dando um seminário a respeito da A Interpretação dos Sonhos, no qual ficou notório o seu brilhantismo. Relata-se que em alguns momentos foi substituto de Freud, na Sociedade das Quartas-feiras, sociedade esta que reuniu os primeiros psicanalistas (idem, 1998).
Por toda a sua vida, tentou seguir ortodoxamente a teoria freudiana, o que não o impediu de explorar o avanço e a inovação em alguns aspectos da teoria de seu mestre. Roudinesco (1998) comenta que, no período entre guerras, dedicou-se à
revisão da teoria do eu e a reformulação da segunda tópica. Apesar de ser um psicanalista e teórico brilhante, respeitado por muitos, Federn carregava um humor melancólico que o prejudicou por toda a vida.
Desde sempre teve um interesse especial e esforçava-se para que a psicanálise pudesse ser aplicada também à psicose, em seu mais importante livro, a respeito da
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Psicologia do Ego1, é um dos primeiros escritos teóricos a respeito de uma clínica das psicoses na psicanálise. Roudinesco (1998) comenta:
Esse interesse pela loucura não deixava de ter relação com a sua
situação pessoal. Com efeito, seu primeiro filho, Walter, nascido em
1910, logo se tornou uma criança difícil. Apesar de brilhantes estudos
de egiptologia, que lhe permitiram fazer uma bela carreira
universitária, mergulhou progressivamente na esquizofrenia (p.229)
Em 1938, em meio às perseguições nazistas, emigrou para os Estados Unidos, refazendo assim os seus estudos em Medicina, lá associou-se à New York Psychoanalytical Society (NYPS) porém encontrou problemas, pois desconfiavam da maneira pela qual Federn atuava, apesar de ser bastante rígido e ortodoxo às ideias de Freud.
É em seu trabalho com os psicóticos que leva este psicanalista a refletir sobre o funcionamento do ego e a desenvolver a sua teoria. É o primeiro a propor a noção de “fronteira de ego”, concepção esta que não existia em Freud e nem em outros psicanalistas, esta concepção influenciou muitos outros psicanalistas e dissidentes da psicanálise, como é o caso de Fritz Perls. Paul Federn, suicidou-se em 3 de maio de 1950, deixando uma importante obra para nós.
A leitura e crítica gestáltica sobre as fronteiras de Federn
O conceito de “fronteira de contato” é central para a Gestalt-terapia. Perls, Hefferline e Goodman (1951) decidem abrir a obra fundadora da abordagem, justamente com este conceito. O livro é construído em três partes, com capítulos e subcapítulos que têm um funcionamento que lembra muito a estrutura de um aforismo. O primeiro destes, na primeira parte do primeiro capítulo, já se intitula: “A fronteira de contato” (p.41), as primeiras frases do livro, seguem desta maneira:
A experiência se dá na fronteira entre o organismo e seu ambiente,
primordialmente a superfície da pele e os outros órgãos de resposta
sensorial e motora. A experiência é função dessa fronteira, e
psicologicamente o que é real são as configurações “inteiras” desse
funcionar, com a obtenção de algum significado e a conclusão de
alguma ação (PHG, 1997. p.41).
Se continuarmos a leitura, ao final do livro entenderemos que o sistema Self para os autores é uma função organísmica organizadora de contatos, sendo a partir da
1 Roudinesco (1998) refere-se como sendo Psicologia do Self. No entanto, para não haver confusão com a Teoria do Self, optou-se por adotar Psicologia do Ego, que inclusive é a tradução mais literal do título de seu livro. Soma-se a isso, que um dos motivos da angústia de Paul Federn, é ele nunca ter sido bem aceito entre os “psicanalistas do self”, fazendo com que o autor praticamente caísse em esquecimento. Sua atitude mostra também, uma atitude ortodoxa em relação às ideias de Freud, o que Roudinesco (1998) interpreta como fazendo parte de sua personalidade rígida e por não se deixar ceder pelos acessos de pragmatismo do pensamento americano.
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fronteira de contato onde essa experiência encontra a possibilidade de se inter relacionar com um ambiente “interno” e “externo”2, é na realização e funcionamento da fronteira que há trocas possíveis entre organismo e ambiente. Os autores ainda avançam bastante e afirmam que dentre as ciências, as biológicas e sociais, quem tem a tarefa de estudar e entender esse funcionamento e o interagir entre organismo e meio, é a psicologia que: “[…] estuda a operação da fronteira de contato no campo organismo/ambiente” (p.43).
Ora, o conceito ultrapassa o hall de importância, para se destacar ainda como tarefa última deste saber que somos implicados, a psicologia. O sistema Self é então um grande aliado da fronteira de contato, podendo-se dizer ainda que é na fronteira onde o Self, efetivamente, se realiza. Uma vez que não há um topos, isto é, não há uma localização, um lugar onde “está” o Self, na medida em que ele é uma função, ele se realiza no contato, na experiência, colocada pelos autores, como sendo a função da fronteira. Na fronteira é onde tudo ocorre, tudo passa, tudo assimila ou se fecha. “O Self é a fronteira-de-contato em funcionamento” (p.49). Xeque-mate. É o Self, portanto, um sistema de relações e respostas do organismo ao ambiente no nível da fronteira onde ocorre as trocas entre esses “dois”3.
É já na terceira parte do livro escrito por PHG, intitulado “Teoria do Self” que encontramos referência a Paul Federn, que aparece somente no capítulo XI, “Crítica de Teorias Psicanalíticas do Self”. Essa crítica permite relembrar certos elementos básicos, extraídos das teorias freudianas, mas também mostrar suas inadequações aos olhos dos autores, e sobretudo, buscando diferenciar sua teoria daquela de seus predecessores.
Eles examinam primeiro as posições de Anna Freud, conforme são expressas em seu livro The Ego and Defense Mechanisms (1936). Ao mesmo tempo em que reconhecem o interesse de suas contribuições, realizam a sua crítica ao pensamento da psicanalista no que se refere à relação entre o Ego e Id [Isso]4. Para os autores, o pensamento de Anna Freud compreende o Ego como atuante somente em seu viés adoecido, com a positividade dos mecanismos de defesa, enquanto que o Ego compreendido numa condição saudável, justifica-se como sendo apenas um mero observador do Isso. Enquanto que para PHG, o ego é função deliberativa atuante e de positividade5, o que conhecemos na literatura recente como sendo um
2 Coloco entre aspas, pois a noção de interioridade e exterioridade na Gestalt-terapia tem as suas particularidades. A compreensão dada para estes conceitos se diferencia bastante do sentido usual, de forma que não é possível falar de interioridade e exterioridade enquanto tais, mais somente por meio de furos, onde compartilham codados entre si.
3 Coloco entre aspas, mais uma vez me remetendo à mesma noção, de que, na medida em que organismo e ambiente não constituem uma unidade enquanto tais, significa dizer que não compõe um “dois”, pois estes são, ao mesmo tempo, multiplicidades e singularidades, um uno. 4 A fim de diferenciar da Função-id, chamarei o Id freudiano de isso, que inclusive já é a tradução mais aceita entre psicanalistas.
5 Positividade no sentido matemático do termo, isto é, de soma, de produção, criação de algo. A positividade colocar a multiplicidade em campo.
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ajustamento criativo. Ainda nas primeiras páginas do livro, em seu prefácio, os autores comentam a respeito de Reich e Anna Freud:
Consideramos a função defensiva da couraça um engano ideológico.
Uma vez que uma necessidade organísmica é condenada, o self
dirige a sua atividade criativa, sob a forma de agressão, contra o
impulso repudiado, subjugando-o e controlando-o (PHG, 1977, p.35).
O que se destaca desta passagem, é a positividade orientada pela criação, onde o Self não é orientado para uma falta, ou negação de um impulso, a recusa dele, mas de um ajustamento que tende a buscar a assimilação deste corpo estranho, dirigindo até mesmo agressão contra o impulso se for necessário (retroflexão). PHG (1997) comenta que Freud compreende esse trabalho criativo e positivo da função Self, no entanto, ele atribui ao inconsciente boa parte do trabalho, tornando-o assim o Ego ocioso, foco da crítica dos autores.
Não sabemos como conceber a relação entre organismo e ambiente
indicada pela frase “o ego se limita a observar”, a estar consciente, e
“não ter absolutamente importância”. A awareness não é ociosa [...] a função-id, torna-se cada vez mais a função-ego até o ponto de
contato final e liberação, exatamente o contrário do que afirma a srta.
Freud. (PHG, 1997, p.191).
Assim, ao invés de um sistema onde há instâncias constitutivas e unitárias que são conflitantes entre si, a Gestalt-terapia pretende enfatizar a função integradora (positiva) do Self acreditando que esta primeira visão é nociva até mesmo ao processo de terapia, parte dessa crítica pode ser considerada em concordância com as ideias deleuzo-guattarianas, da crítica à um inconsciente dirigido pela falta e pelos fantasmas familiares. É justamente na harmonia, sobretudo entre a função id e a função ego, em que há um fortalecimento do processo de awareness. PHG (1997) insistem em toda a sua obra que a tarefa da psicoterapia gestáltica seria o fortalecimento da função deliberativa do ego, de forma que, uma vez não atuando de forma isolada, seria o próprio fortalecimento do Self, como função.
Para os autores, em comparação com as ideias de Anna Freud, as posições de Paul Federn parecem estar mais próximas daquilo que a Gestalt-terapia compreende.
A maioria das teorias ortodoxas segue o modelo anterior. Menos
típica é a teoria do ego e suas fronteiras de Paul Federn. [...] Nessa
teoria o ego não está ocioso, ele age e é sentido como uma unidade
sintética existente (PHG, 1997, p.193)
O livro traz a citação de Federn que parece se aproximar da definição dada pelos autores:
O ego consiste no sentimento de unidade, contiguidade e
continuidade entre a mente e o corpo do indivíduo na propriocepção
de nossa própria individualidade […]. O ego é uma unidade de
catexia funcional, que muda com todo pensamento e percepção
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concretos, mas que retém o mesmo sentimento de sua existência em
fronteiras distintas (FEDERN, 1949, apud. PHG, 1997, p.1936)
Na nota de rodapé, aparece o comentário afirmando que esta concepção aproxima se daquilo que os autores chamam de Personalidade, uma vez que o Self não compreende a si mesmo enquanto existente, mas somente na unidade do processo de contato.
Na realidade, o ego é uma unidade psicossomática especificamente
catexizada com energia mental. Todos estão cônscios dos
sentimentos de seu ego, [...] O ego é o portador da consciência; no
entanto, por um paradoxo único, o indivíduo está consciente do ego
(FEDERN, 1953, p.185 - tradução nossa).
Acredito estar, neste curioso paradoxo, apontado por Federn, a singularidade de seu pensamento. O ego já não é mais uma substância, mas um todo que compõe a ‘unidade psicossomática’ e ao mesmo tempo, é atuante no contato. Podemos argumentar ainda que o Self sente a sua própria existência quanto está em contato consigo mesmo, quando toma a si mesmo como figura, num processo auto-reflexivo.
É importante ressaltar ainda que, aquilo que Federn chama de Ego, não corresponde exatamente à definição do Ego na teoria freudiana. Pois, ele inclui no Ego aquilo que ele chama de “sentimento do ego” correspondendo à autoconsciência, um sentimento de auto-percepção e identidade.
Federn aplicou o termo sentimento do ego apenas aos conteúdos
que são percebidos como participantes da unidade coerente do ego;
isto é, em uma entidade distinta, algo oposto à realidade externa. É o
sentimento das relações corporais e mentais em relação ao tempo e
ao conteúdo, a relação sendo considerada como uma unidade
ininterrupta ou restaurada (WEISS, 1953, apud FEDERN, 1953, p.7 -
tradução nossa)
É presente então, na sensação corporal de si mesmo, uma dimensão temporal que não deve ser confundida como uma percepção imediata de si mesmo. Esta interação entre temporalidade e conteúdo, fala que essa unidade psicossomática é composta por memórias e gestalten fixas ou não.
[...] o termo "limite do ego" serve apenas para expressar o conceito
de que a unidade de catexia que constitui o ego sempre tem uma
6 Não foi possível encontrar no original esta citação como se segue no livro. Os motivos pelos quais isso possivelmente ocorre, pode ser: 1) o texto compreende no artigo publicado por Federn em 1949 na American Journal of Psychotherapy, e o texto encontrado e utilizado neste artigo, apesar de ter o mesmo título, está inserido na mais importante obra do autor Ego psychology and the psychoses,
tendo então sofrido alguma possível alteração; ou 2) Há diversos comentários entre os grupos de pesquisa e estudo que realizam a leitura do Gestalt-Terapia de PHG, das dificuldades encontradas mediante o processo de tradução que nem sempre está tão fidedigno ao original. O mesmo sucedeu na procura pela citação realizada pelos autores na versão americana.
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delimitação nítida, incluindo funções e conteúdos específicos e
excluindo outros (FEDERN, 1953, p.341 - tradução nossa).
O sentimento do ego, implica então, a noção de fronteira que tem por função distinguir o que é sentido como ego e um não-ego. A fronteira é estabelecida quando se começa a perceber o ambiente e os objetos como externos ao indivíduo, de forma que há um processo gradativo de desenvolvimento desse sentimento do ego no desenvolvimento da criança.
Os limites do ego, não são estáticos e nem fixos para Federn (1953), ao contrário, são mutáveis e flexíveis. Trata-se de um processo dinâmico, a fronteira fica localizada na periferia do ego, desempenhando o papel de um órgão sensorial (sentimento de ego), tornando possível o contato com o ambiente. No entanto, essa fronteira não pode ser localizada, isto é, não é um análogo à "pele"; é uma fronteira mais subjetiva do que objetiva, ainda que os limites do corpo sejam tomados como referência, por exemplo, a própria pele, mãos, braços, etc. É uma estrutura provisória e plástica.
Existem pessoas que a qualquer momento expandem os limites do
ego para incluir todas as novas impressões; portanto, eles estão
sempre prontos para absorver objetos novos e diferentes no ego (...)
e assim se engajar em sempre novas identificações. A essa
expansão desinibida da fronteira do ego, nem sempre há uma
retirada igualmente rápida e desinibida correspondente (FEDERN,
1953, p.344).
Pode-se dizer que a fronteira do ego, tal como Federn apresenta, é também uma fronteira de contato, que tem grande investimento de energia libidinal, flutuando entre extensão e intensidade, provocando afetos, emoções e sensações diferenciadas.
Para Federn (1953) na dinâmica de fronteiras sempre móveis, a transformação dessas fronteiras depende do que é interceptado por ela, isto é, o nível de energia e de catexia que é colocado nessas fronteiras. A tese sustentada ao longo de todo o livro, é de que o Federn acredita que a perda esquizofrênica da realidade, consiste na perda da catexia na fronteira do ego. O que o autor ainda mostra em seu livro é a forma pela qual se pode utilizar terapeuticamente da energia contida nesta fronteira, para aquilo que Perls chama de desenvolvimento ou funções de awareness.
O ego tem uma história de desenvolvimento que, embora elementar,
é muito complicada; pode ser normal ou anormal, intacto ou
perturbado, saudável ou doente. Ao dizer ainda que funções distintas
são exercidas pelo ego, volto ao uso habitual da palavra ego para
indicar um agregado de funções bem conhecidas e importantes
(FEDERN, 1953, p.186).
No entanto, há ainda uma problemática no pensamento do Federn e que os autores de Gestalt-terapia irão criticá-lo, que é a noção de interioridade e exterioridade que é
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implícito em seu pensamento. Para Federn há uma fronteira de ego mental e uma fronteira de ego física, cada uma contendo flexibilidades distintas e comunicantes, mas que travam uma luta contra o real dessa exterioridade. Ainda que se discuta sobre awareness sensorial e awareness motora (PHG, 1997) e que a primeira vista parece se correlacionar com essa perspectiva, o modelo apontado por Federn se distancia e muito, pois retoma algumas discussões a respeito da comunicação e integração da mente-corpo, para PHG já superadas.
Pois, para Perls, Hefferline e Goodman (1997) uma cisão entre o interno e o externo, entre o real e o pensamento, não faz sentido em termos de awareness, uma vez que a awareness precisa justamente se confrontar com esse súbito fora. “O sentido de self tem de ultrapassar a propriocepção de nossa individualidade” (PHG, 1997. p.194). Este pensamento já é, ainda, explicitado por Perls em Ego, Fome e Agressão (1941) e ele busca resolver esse problema, afirmando que o ego é uma função de contato e não uma substância confluente derivada dos impulsos biológicos e tornada entidade por meio da repressão. Perls (2002) se refere aqui a Federn, como alguém que apresenta confusões teóricas, mas que também apresenta
[...] um núcleo valioso: o fato de que seu ego libidinal tem fronteiras
mutáveis. Ao descartar a teoria da libido, veremos que o conceito das
fronteiras do ego nos auxiliará consideravelmente na compreensão
do ego (PERLS, 2002, p.206).
Mais adiante,
Como o termo “identificação” se tornou sinônimo de introjeção,
Federn (possivelmente compreendendo que a introjeção não é a
única forma de identificação) criou a concepção de ego e suas
fronteiras. Sua teoria nos ajuda muito na compreensão de algumas
funções egóicas, desde que eliminemos certos erros (PERLS, 2002,
p.210).
É interessante que se tenha esperado quase dez anos para a publicação do Gestalt terapia para que Perls realizasse a sua crítica ao Federn, pois apesar da notável distinção e uso muito singular que o Perls realiza do conceito de Fronteira, ele não deixa claro, ou pelo menos não explicita tanto quanto em PHG (1997), esses erros que ele identifica em Federn.
Ainda em Ego, Fome e Agressão (2002), Perls realiza uma pequena tabela onde ele contrapõe o ego como sendo “de fronteira” em oposição a “uma fronteira”. Isso denota o aspecto atualizante e plástico não só do ego, mas também de suas fronteiras. Em todo o livro Perls dá indícios e anuncia esse conceito de fronteira muito timidamente, chegando ainda a utilizá-lo na primeira parte, porém informando que só será abordado na segunda parte do livro. Porém, logo após a apresentação do conceito no capítulo 7 da segunda parte do livro, intitulado “O Ego como uma Função do Organismo” esse, passa a utilizar amplamente o conceito por todo o
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restante da obra, correlacionando com a sua Terapia da Concentração que é a implicação e resultado deste referido livro, ressaltando o aspecto integrativo e desintegrativo da fronteira (alienação e assimilação).
É, no entanto em PHG (1997), obra que certamente nos interessa mais aqui, que os autores concluem a sua reflexão crítica a respeito do autor, buscando avançar na cisão entre um ego mental e um ego físico, os autores escrevem:
O self consciente não tem fronteiras fixadas; existe em cada caso ao
contatar alguma situação concreta, e é limitado pelo contexto do
interesse, pelo interesse dominante e pelas identificações e
alienações resultantes.” (PHG, 1997. p.196).
Pois,
O self, consciente no modo médio (nem passivo, nem ativo), rompe a
compartimentalização entre mente, corpo e mundo externo (PHG,
1997, p.195)
Ficou claro então, que há diferenças teóricas entre a Gestalt-terapia e o conceito de Fronteiras de Ego e a conceitualização que os autores dão à sua teoria do Self. No entanto, não é observada uma simplificação crítica do pensamento de Federn, pelo
contrário, há uma nítida observação e utilização de seus conceitos, no qual é declarada tanto no Ego, Fome e Agressão, como também em Gestalt-terapia.
Interseções históricas entre Perls e Federn
É notória a inspiração que Federn foi para Perls, a partir do que já foi posto acima. Tellegen (1984) e Helou (2015) afirmam que por volta de 1926, enquanto Perls trabalhava como assistente de Goldstein, chegou a assistir diversos seminários de Otto Fenichel e Paul Federn. Bocian (2010) faz alguns relatos sobre esses encontros em seu livro Fritz Perls en Berlín, 1893-1933: Expresionismo - Psicoanálisis - Judaísmo, porém, como essa pesquisa não obteve nenhum tipo de financiamento não foi possível ter acesso ao livro. Em uma versão disponível na internet, é possível recuperar alguns extratos do texto, onde Bocian (2010) já parte da perspectiva de que Perls, foi realmente influenciado por Federn, tendo ainda encontrado com ele já nos Estados Unidos da América, onde teve a oportunidade de lhe presentear com o livro Ego, Fome e Agressão, com a sua dedicatória. Diz Bocian (2010) na nota de número 154 de seu livro:
Paul Federn (1871-1950) había sido miembro del grupo de Freud de
los miércoles por la noche desde 1903. Después de que Freud
enfermara de cáncer, nombró a Federn como su sucesor personal.
La influencia de Federn en Perls se aprecia en su obra pionera sobre
la psicología del yo, su investigación de la psicosis y su concepto de
la "frontera del yo", que anticipó algunos aspectos del concepto de
Kohut del sí mismo y siguió siendo importante para Perls a lo largo
de su vida. Según sus propias declaraciones, Perls visitó a Federn en
Revista IGT na Rede, v. 19, nº 36, 2022. p. 47 – 61. Disponível em http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526
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Estados Unidos y éste poseía un ejemplar de Yo, hambre y agresión
con una dedicatoria de Perl. Ernst, el hijo de Federn, posteriormente
vendió ese ejemplar a un terapeuta gestáltico en Cleveland
(BOCIAN, 2010, s/p)7
Bocian (2010) comenta ainda de alguns seminários em que Perls e Federn participaram em conjunto, tanto na posição de espectadores como na de “professor e aluno”. Isso demonstra um profundo atravessamento intelectual na construção das ideias destes dois autores.
No entanto, deve-se notar desde o início, como já apontado neste texto, que existem diferenças claras e importantes entre as duas conceituações. Uma vez que Perls tomou como referência a construção conceitual de Federn, se deu ao trabalho de transpor todo o aparato conceitual psicanalítico, para assentar sobre um contexto epistemológico daquilo que ele chamava em Ego, fome e agressão de “abordagem gestáltica” e já com Goodman e Hefferline, na teoria e ética fenomenológica que ajudou a construir a Teoria do Self, tal como a conhecemos.
Em vias de concluir: o possível das psicoses
Como tentei destacar, espero ter sido possível para o leitor compreender que, a fronteira do ego, não é simplesmente um conceito secundário na obra de Paul Federn, mas constitui a coluna dorsal de sua teoria e clínica sobre a neurose e mais especificamente, sobre as psicoses. O seu interesse, no entanto, era claro nas Psicoses, onde acreditava que o enfraquecimento dessas fronteiras ocorreria em um progressivo enfraquecimento do Ego, o que justifica os sentimentos de estranheza, despersonalização, perda da realidade e outros. O termo ‘enfraquecimento’ é próprio do autor, no entanto poderíamos pensar em ‘vulnerabilidades’ nas fronteiras, além disso, a possibilidade do reconhecimento de fronteiras rígidas ou enfraquecidas, denota o seu aspecto plástico, aproximando-se do conceito Fronteira de Contato utilizado por PHG (1997).
Perls (2002) diz que numa psicose o ego, como função, estaria altamente perturbado em relação às suas fronteiras; mas não só a psicose, ele busca o entendimento da neurose obsessiva e do caráter paranóico a partir do mesmo princípio: onde há uma gradativa diferença na forma como o ego exerce as suas funções.
Encontramos todos os tipos de formas intermediárias entre o caráter
paranóico e o obsessivo, mas existem certas diferenças decisivas.
As funções paranóicas são geralmente inconscientes e as funções
egóicas estão profundamente perturbadas; no processo obsessivo
7 Como se trata de um texto sem paginação e não há nenhuma tradução deste livro para o Português Brasileiro, decidi mantê-lo integralmente, uma vez que se trata de uma nota de fim escrita pelo autor. A tradução é sem dúvida uma aventura, requerendo muito cuidado para não perder e/ou alterar a intenção original do autor. Por este motivo, o leitor pode ler a citação da nota de rodapé de número 154 na íntegra e tirar suas próprias conclusões.
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estas estão qualitativamente exageradas (quase cristalizadas),
embora quantitativamente diminuídas. (PERLS, 2002, p.247-8).
Assim, ele determina a qualidade e o tipo de ajustamento que é realizado nestas condições, de forma que a função ego, em sua desordem acaba por confluir, projetar ou introjetar, etc. Se dissemos antes, que a fronteira é o lugar do Self como função se realiza, é também nessas fronteiras onde é percebido o contato em seus aspectos qualitativos e quantitativos tal como utilizou Perls, na citação acima. O autor destaca que em ambas as situações, tanto na neurose obsessiva como na paranoia, estaria caracterizado por uma confluência com o campo, onde a idealização de fronteiras rígidas suscitaria de uma necessidade de manter-se em constante segurança, ainda que não seja possível justificar-se por meio deste ato. Perls (2002) diz: “eles não estão suficientemente “aware” da confluência existente…” (p.248). Esses exemplos, no entanto, são apenas ilustrativos, uma vez que o autor indica que o núcleo da paranoia e da neurose obsessiva, é justo a psicose, caracterizado por uma confluência do campo. No entanto, a paranoia e a neurose obsessiva, constituem uma clínica específica, uma clínica como perda das funções de ego.
Um maior conhecimento a respeito das fronteiras de contato, nos mobiliza então para uma melhor compreensão das psicopatologias a partir de uma orientação gestáltica, para além das nosografias. PHG (1997) diz:
Como distúrbio da função de self, a neurose encontra-se a meio
caminho entre o distúrbio do self espontâneo, que é a aflição, e o
distúrbio das funções de id, que é a psicose (p.235).
É neste sentido que Müller-Granzotto & Müller-Granzotto (2012) em Clínicas Gestálticas, apresentam um olhar sobre as psicoses, chamadas por eles de Ajustamentos de Busca, como uma produção e não como uma falta. Isto é, segundo os autores, o psicótico não é aquele quem tem um eu transcendental fracassado, tampouco que seja uma incapacidade do inconsciente pulsional para ocupar um lugar no mundo simbólico-imaginário, mas um ser de produção que atua e que responde às exigências ambíguas de campo. Sobre os ajustamentos psicóticos (de busca) os autores dizem:
Trata-se de um quadro provavelmente relacionado a um
comprometimento da função id, que se mostra incapaz de
disponibilizar, de maneira organizada, um fundo de codados
(excitamento ou intenções). Os sujeitos da psicose seriam funções
de ato que não encontrariam, diante das demandas ambíguas (...) os
correlativos indeterminados e virtuais correspondentes à função id. E
eis o que ocupariam da realidade (dos pensamentos, valores e
sentimentos), mas também para simular aquilo que não encontram,
exatamente, a função id. (MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER
GRANZOTTO, 2012, p.155).
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Os autores deixam claro que seguem a hipótese deixada por PHG (1997) e complementam com outros aportes teóricos, no entanto, é talvez o pensamento mais fiel e conciso a respeito da obra deixada pelos três autores da Gestalt-terapia. A proposta dos ajustamentos de busca, entendido pelos autores como sendo uma vulnerabilidade da função id, denota também um processo de ‘enfraquecimento’ das fronteiras de contato, aproximando-se de uma metáfora utilizada pelos autores, como sendo um “corpo com furos”, ou furos na fronteira.
É certo que essa brevíssima comparação entre os dois conceitos, de Perls (Hefferline e Goodman) e Paul Federn não se finda aqui, mas acredito ser essa uma interessante aproximação e talvez o início de outros diálogos. Além disso, fica claro a diferença entre os dois conceitos, no entanto, busquei mostrar os possíveis pontos de contato entre as duas teorias, o que me faz questionar e levantar uma dúvida, ao final do texto: se a crítica operacionalizada por PHG (1997) se justifica plenamente em todos os seus aspectos, uma vez que os autores compreendem as fronteiras de Federn como sendo entidades fixas. Acredito que a aproximação entre os dois autores, e a atitude incansável de buscar os fundamentos da Gestalt-terapia tem muito a contribuir com o desenvolvimento da teoria e da prática desta abordagem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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FRAZÃO, LiLian Meyer; FUKUMITSU, Karina O.. Gestalt-terapia. Conceitos Fundamentais. São Paulo: Summus, 2014.
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<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808- 42812007000100005&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 10 jan. 2021.
MULLER-GRANZOTTO, Marcos José. Fenomenologia e Gestalt-terapia. São Paulo: Editorial Summus, 2007b.
MÜLLER-GRANZOTTO, Marcos José; MÜLLER-GRANZOTTO, Rosane Lorena. Clínicas Gestálticas: Sentido ético, político e antropológico da teoria do self. São Paulo: Editorial Summus, 2012.
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PERLS, F. 1942. Ego, Fome e Agressão. Trad. Georges Boris. São Paulo: Summus, 2002.
ROUDINESCO, Elisabeth; PLON, Michel. Dicionário de Psicanálise. São Paulo: Editora Zahar, 1998.
TELLEGEN, Therese A. Gestalt e grupos. São Paulo: Editorial Summus, 1984.
Endereço para correspondência
Leonardo Leite de Andrade
E-mail: leonardoapsico@gmail.com
Recebido em: 14/01/2021
Aprovado em: 31/12/2022
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