156

BALDO, Micheli Camile. MALLMANN, José Loivo. – “Manejo clínico do abuso
sexual infantil na perspectiva da Gestalt-terapia: um estudo de caso.”

ARTIGO



Manejo clínico do abuso sexual infantil na perspectiva da
Gestalt-terapia: um estudo de caso


Clinical management of child sexual abuse from the perspective of Gestalt
therapy: a case study


Micheli Camile Baldo

Loivo José Mallmann













































Revista IGT na Rede, v. 19, nº 37, 2022. p. 156 – 174. Disponível em
http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526


157

Revista IGT na Rede, v. 19, nº 37, 2022. p. 156 – 174. Disponível em
http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526



The present study analyzes child sexual abuse and its clinical management based on
the gestalt approach. The objective of the research is to analyze a clinical case of child
sexual abuse with psychotherapeutic resources from Gestalt therapy. The specific
objectives are: to characterize child sexual abuse and its consequences; to present
some Gestalt-therapy resources in the clinical management of children; to analyze a
clinical case of child sexual abuse based on the gestalt approach. This is a case study
with exploratory and qualitative research. Clinical care was provided at the Psychology
School Service of a Higher Education institution in Curitiba in the first half of 2018.
Gestalt therapy was initiated by Frederick S. Perls in the United States in the 1940s. Its
epistemological and philosophical basis is existentialism, humanism and
phenomenology. In gestalt psychotherapy the patient is welcomed in his demands,
allowing the phenomena to present themselves in their essence. In the children's clinic,
the use of resources such as storytelling, drawing and staging are important ways to
access feelings and emotions that may be interrupted or inaccessible. In clinical care,
the difficulties that the patient faces after suffering sexual abuse were evident. Through
clinical management and the use of psychotherapeutic resources, the patient can
access emotions related to the violence she suffered. The readings and studies
performed gave support to work on the clinical case and achieve the objectives
proposed in the work. This is a current topic and further studies are timely and
necessary.



RESUMO

O presente estudo analisa o abuso sexual infantil e o seu manejo clínico a partir da
abordagem gestáltica. O objetivo da pesquisa é analisar um caso clínico de abuso
sexual infantil com recursos psicoterápicos da Gestalt-terapia. Os objetivos específicos
são: caracterizar o abuso sexual infantil e suas consequências; apresentar alguns
recursos da Gestalt-terapia no manejo clínico infantil; analisar um caso clínico de
abuso sexual infantil com base na abordagem gestáltica. Trata-se de um estudo de
caso com pesquisa exploratória e qualitativa. O atendimento clínico foi realizado no
Serviço Escola de Psicologia de uma instituição de Ensino Superior de Curitiba no
primeiro semestre de 2018. A Gestalt-terapia foi iniciada por Frederick S. Perls nos
Estados Unidos na década de 1940. Sua base epistemológica e filosófica são o
existencialismo, o humanismo e a fenomenologia. Na psicoterapia gestáltica acolhe-se
o paciente nas suas demandas, permitindo que os fenômenos se apresentem na sua
essência. Na clínica infantil o uso de recursos como a contação de estórias, o desenho
e a encenação são importantes meios para acessar sentimentos e emoções que
podem estar interrompidas ou inacessíveis. Nos atendimentos clínicos ficaram
evidentes as dificuldades que a paciente enfrenta após ter sofrido o abuso sexual. Por
meio do manejo clínico e do uso de recursos psicoterápicos a paciente conseguir
acessar emoções relacionadas à violência que sofreu. As leituras e estudos realizados
deram suporte para trabalhar o caso clínico e alcançar os objetivos propostos no
trabalho. Este é um tema atual e novos estudos são oportunos e necessários.


Palavras-chave: Abuso sexual, Gestalt-terapia, psicoterapia.





ABSTRACT


Keywords:
Sexual abuse, Gestalt therapy, psychotherapy

158

Revista IGT na Rede, v. 19, nº 37, 2022. p. 156 – 174. Disponível em
http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526







INTRODUÇÃO

O presente artigo trata do manejo clínico de crianças que sofreram algum tipo
de abuso sexual infantil a partir da perspectiva da Gestalt-terapia. A
problemática que norteia o trabalho é a seguinte: como a Gestalt-terapia, com
seus recursos terapêuticos (experimentos e técnicas) pode auxiliar no manejo
clínico de pacientes que sofreram algum tipo de abuso sexual?

O objetivo geral do trabalho consiste em realizar um estudo de caso do manejo
clínico de criança que sofreu abuso sexual a partir de aportes vinculados a
abordagem gestáltica. Os objetivos específicos que orientam a pesquisa são:
caracterizar o abuso sexual infantil e suas consequências psíquicas a partir da
literatura disponível sobre o tema; descrever alguns recursos (experimentos e
técnicas) usados na Gestalt-terapia na clínica infantil; analisar um caso clínico
a partir da perspectiva da abordagem gestáltica.

O número de casos de abuso sexual está aumentando no decorrer dos anos e
é necessário que se façam mais estudos sobre o tema para melhor
entendimento das consequências que esse ato pode trazer para as vítimas.
Denunciar os casos para os órgãos competentes é uma tarefa necessária.
Fazer estudos sobre o tema a partir do campo da psicologia é de grande
importância e pode auxiliar os profissionais que atuam com estas demandas.
Há também o interesse pessoal sobre o tema do abuso sexual infantil,
configurando-se como um futuro campo de atuação na psicologia clínica.

Trata-se de um estudo de caso com pesquisa exploratória e qualitativa. A
fundamentação teórica foi construída a partir de livros, artigos, dissertações e
teses relacionadas com os descritores “Abuso sexual infantil”, “Gestalt-terapia
com crianças”, “Abuso sexual infantil e Gestalt-terapia”. Os materiais foram
pesquisados nos portais Scielo, Google acadêmico, Biblioteca Virtual em
Saúde – Psicologia e no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES. Os
critérios de inclusão são os seguintes: artigos, dissertações e teses publicados
de 2005 até 2020, nos idiomas português e espanhol; estudos teóricos ou
empíricos qualitativos. Os critérios de exclusão são: artigos em inglês; estudos
quantitativos; produções anteriores a 2005.
O estudo de caso foi uma paciente atendida no Serviço Escola de Psicologia
de uma instituição de ensino superior da cidade de Curitiba. Foram realizadas
16 sessões com a paciente criança com duração média de 50 minutos cada
uma. As sessões eram semanais e ocorreram no período de março a junho de
2018. A mãe da paciente leu e assinou o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE) e autorizou o uso dos dados para a pesquisa.


ABUSO SEXUAL INFANTIL E SUAS CARACTERÍSTICAS

O abuso sexual não é um fenômeno recente da humanidade. Ele é parte da
história da sociedade brasileira. O tema pode envolver algum tipo de
preconceito, como por exemplo, o juízo de adultos que associam a
problemática ao universo infantil de fantasia e imaginação. Em outros casos

159

Revista IGT na Rede, v. 19, nº 37, 2022. p. 156 – 174. Disponível em
http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526





vinculam o tema à imaturidade, inferioridade e a dependência da criança em
relação ao adulto (SANDERSON, 2005).

A maioria dos casos de abuso sexual ocorre no ambiente familiar e é
caracterizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a participação
da criança em atividade sexual em que ela é incapaz de dar consentimento ou
não tem desenvolvimento ou preparo para tal atividade, ou que transgrida leis e
normas sociais de uma sociedade (SOMA & WILLIAMS, 2919). O autor da
violência sexual geralmente é do sexo masculino e seu modo de agir é
marcado por sedução, produção de sentimento de culpa, medo e manutenção
de segredo (WILLIAMS, 2012).

O relatório “Ocultos à plena luz” (Hidden in Plain Sight) publicado pela UNICEF
(2014) documenta a violência sofrida pelas crianças e se baseia em pesquisa
realizada em 190 países. No item sobre a violência sexual o documento
constata que cerca de 120 milhões de meninas com menos de 20 anos de
idade foram obrigadas a ter relações sexuais ou realizar outros atos sexuais. A
pesquisa também revela que a violência sofrida na infância tem efeitos
nefastos na vida destas pessoas e na vida adulta elas estão mais propensas a
ficar desempregadas, apresentar comportamentos violentos e permanecer na
pobreza.

Para o pesquisador Herbet Rodrigues do Núcleo de Estudos da Violência da
USP, não há no Brasil uma base unificada de dados sobre os casos de abuso
sexual (BASÍLIO, 2018). Segundo o autor há uma média de 50 mil estupros por
ano registrados no país. Deste total, cerca de 70% das vítimas são crianças e
adolescentes. A falta de dados precisos sobre o tema dificulta na elaboração
de políticas públicas para prevenir e combater o abuso sexual infantil. O
programa Disque 100 Nacional, de janeiro a julho de 2018, registrou 71.640
casos de denúncias recebidas de violência praticada contra crianças e
adolescentes. Deste total, 8.581 eram situações que envolviam algum tipo de
abuso sexual (SOMA & WILLIAMS, 2019).

A violência sexual infantil implica no envolvimento de crianças e adolescentes
em “atividades sexuais que não têm condições de compreender plenamente e
para as quais são incapazes de dar o consentimento informado ou que violam
as regras sociais e os papéis familiares” (GUERRA, 1998, p. 31). Expresso de
outra forma,

O abuso sexual é um relacionamento interpessoal sexual forçado,
onde a criança é submetida ao poder do adulto. Por vitimização,
entende-se “uma violência inerente às relações interpessoais, de
nítido caráter abusivo, perpetrada pelo adulto, contra a criança ou
adolescente (JUNG, 2006, p. 07).



Segundo Sanderson (2005) não existe uma definição única para abuso sexual
infantil. Há que se considerar a cultura e o tempo em que este fato está
ocorrendo. Para o autor o abuso sexual infantil pode ser caracterizado em
quatro categorias:

a) O abuso físico que é definido como, sacudir, arremessar, envenenar
ou causar quaisquer danos físicos à criança;

160

Revista IGT na Rede, v. 19, nº 37, 2022. p. 156 – 174. Disponível em
http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526





b) O abuso emocional causa danos ao desenvolvimento emocional da
criança. Pode abranger todos os tipos de maus tratos sofridos pela
criança;

c) A negligência consiste em não satisfazer as necessidades físicas e
emocionais da criança e pode provocar problemas físicos e
emocionais. São exemplos de negligência não fornecer comida,
roupas e colocar esse indivíduo em situações de risco.

d) E por último, o abuso sexual, onde se tem o toque nas partes íntimas
e no corpo da vítima, podendo incluir a penetração, o estupro ou a
sodomia. Qualquer atividade que leve a criança a praticar, filmar ou
assistir material pornográfico é considerado abuso sexual.


Os sintomas do abuso não tardam a aparecer. Na maioria das vezes ocorrem
algumas queixas somáticas que não eram habituais como mal-estar, dores nos
ossos, a enurese e encoprese1 (principalmente em casos que ocorreu
penetração anal), dor aguda na área abdominal, crises de falta de ar além de
problemas relacionados a alimentação entre outros (GABEL, 1997).


O abuso tem como principal característica o sigilo tanto dos abusadores quanto
de suas vítimas. Na maioria das vezes o abusador não tem um grande convívio
social com a vítima e apresenta características de imaturidade. A vítima sente-
se perdida e confusa. “Esta vítima não é percebida como ela é e sua identidade
real está sendo atacada. O poder é o de definir o outro. Você será como eu
decidir que você será e como eu definir, não importa o que possa pensar que
é’’ (SANDERSON, 2005, p.16).


Segundo Fukumoto et al (2011) é possível que crianças vítimas de abuso não
recebam uso de força física, havendo apenas o uso de coação e sedução. O
silêncio das vítimas dificulta o registro da agressão e bloqueia o processo de
tratamento, sendo o silêncio o maior desafio na intervenção de casos de abuso
sexual. O silêncio vem carregado de culpa e vergonha, circunstâncias essas
que trazem obstáculos para as autoridades que cuidam dos casos.


De acordo com Serafim et al (2008) a violência sexual vem aumentando no
decorrer dos anos sem escolher classe social ou vítima, transformando-se em
um problema de saúde pública. As práticas incestuosas têm forte impacto
sobre a saúde física e psíquica das crianças e adolescentes.

Os casos mais frequentes de violência sexual até a adolescência são
decorrentes de incesto, ou seja, quando o agressor tem ou mantém
algum grau de parentesco com a vítima, determinando muito mais
grave lesão psicológica do que na agressão sofrida por estranhos
(PFEIFFER; SALVAGNI, 2005, p. 199).


Vários distúrbios e transtornos psíquicos são associados às pessoas que
sofreram algum tipo de abuso sexual. Serafim et al (2008) relacionam o abuso
sexual infantil com “distúrbios psiquiátricos como transtorno de estresse pós-


1 A enurese é a incontinência urinária noturna. A encoprese refere-se à incontinência fecal que
ocorre na aprendizagem do controle esfincteriano.

161

Revista IGT na Rede, v. 19, nº 37, 2022. p. 156 – 174. Disponível em
http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526





traumático, transtornos de humor e transtornos psicóticos” (p. 105). A criança
agredida tem dificuldade para identificar o abuso sofrido, principalmente
quando o agressor está dentro de casa. Os atos praticados, por vezes, só são
percebidos na idade adulta e, juntamente com a identificação do abuso,
afloram sentimento de culpa pelo ocorrido.

Para Furniss (1993) apud Romero (2007) os sentimentos de culpa são muito
comuns em crianças que sofreram abuso sexual, principalmente em casos
incestuosos. Na maioria das vezes esse sentimento de culpa decorre da
postura negligente dos pais frente ao relato de abuso. A criança agredida está
fragilizada e necessita de proteção, cuidado dos pais e compreensão diante da
situação que está vivendo. Em muitos casos, porém, os relatos infantis são
desprezados e as crianças são acusadas de estarem mentindo e destruindo a
sua família.


A criança vítima do abuso pode apresentar diversas mudanças em seu
comportamento, seja no ambiente familiar, escolar e no meio social. Dentre
esses comportamentos estão um medo excessivo, baixa autoestima, não
brincar com outras crianças, preferir estar sozinha, ansiedade, falta de
interesse por brincadeiras que sempre lhe chamavam a atenção, fato que é
percebido pelas pessoas mais próximas da criança (FUKUMOTO et al, 2011).


Rodrigues e Nunes (2010) trazem um tópico de grande relevância relacionada
com a temática do abuso sexual infantil. Muitas vezes o fato é descoberto
dentro do ambiente escolar, um lugar que passa segurança para essa criança.
Para o autor o preparo dos profissionais que atuam na escola é muito
importante, para que nesse primeiro momento seja feito o melhor acolhimento
possível da vítima e se tomem as providências necessárias sobre o caso.


Segundo os dados do Departamento de Justiça do Brasil os agressores podem
ser quaisquer pessoas do convívio e não necessariamente alguém da família.
Os abusos ocorrem em todas as classes sociais e a grande maioria dos
agressores possui características de perfil comportamental criminal específico
(FUKUMOTO et al., 2011).


As crianças vítimas de abuso sexual sinalizam que estão sofrendo algum tipo
de violência. Na maioria dos casos, contudo, esses avisos não são verbais e
sim comportamentais. Por esse motivo, mudanças drásticas no comportamento
da criança devem ser observadas com atenção e investigadas pelos pais ou
responsáveis (FUKUMOTO et al, 2011).


Segundo Serafim et al (2008) as vítimas de abuso sexual vivem um drama de
emoções e sentimentos que irão afetar tanto o físico quanto o emocional do
indivíduo. Além disso, o aparecimento de sequelas pode ser tanto imediato
quanto tardio, trazendo sintomas como dificuldades na aprendizagem escolar e
nos relacionamentos sociais, doenças psicossomáticas, tentativas de suicídio e
morte (GABEL, 1997).


Dentro do abuso sexual infantil as consequências psicológicas são
predominantes. O abuso está além da compreensão da criança, pois ela não

162

Revista IGT na Rede, v. 19, nº 37, 2022. p. 156 – 174. Disponível em
http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526





está psicologicamente e nem fisicamente preparada para entender o que está
ocorrendo. Por ser algo imposto e com abuso de poder, tende a romper o
percurso normal do desenvolvimento psicossexual desse indivíduo e
desencadear doenças psicossomáticas (RODRIGUES; NUNES, 2010). É de
grande importância que a vítima possa expressar o seu sofrimento. Algumas
das vítimas tendem a elaborar essa agressão de forma menos traumática. Em
todos os casos o apoio familiar é essencial no manejo dessas situações
(GABEL, 1997).


A revelação do abuso sexual traz muitas consequências no âmbito familiar e
requer o apoio frente a esta situação dolorosa. A mãe é uma das pessoas a
quem o abuso é revelado com mais frequência e terá um papel importante no
manejo da situação (CUNHA & DUTRA, 2019). Estudo realizado com 60 pais
ou cuidadores de crianças que sofreram abuso sexual revela que quando estes
dão credibilidade à denúncia assumem estratégias de proteção e fomentam a
confiança e o desenvolvimento nas crianças de recursos necessários para
enfrentar a situação (GUTIERREZ LÓPEZ & LEFÈVRE, 2019).


Programas para desenvolver nas crianças o ensino de habilidades de
autoproteção podem ajudar na prevenção do abuso sexual. Entre os tópicos
desenvolvidos estão:

a) ajudá-la a reconhecer potenciais situações abusivas ou ofensores
em potencial;

b) ensiná-la a resistir (“dizer não”) e se retirar da presença do
ofensor;

c) incentivá-la a relatar incidentes abusivos (anteriores ou atuais) a
uma figura de autoridade e de confiança, enfatizando os três “Rs”
– reconhecer, resistir e relatar (SOMA & WILLIAMS, 2019, p.
190).


Segundo Silva et al (2012) a responsabilidade da prevenção ao abuso sexual
infantil é de toda a sociedade, tornando-se um tema de utilidade pública.
Programas de orientação aos pais devem ser realizados assim como
campanhas de conscientização dos menores sobre a gravidade e a importância
de denunciar o abusador. É fundamental assegurar todo o amparo legal e
psicológico à vítima e os devidos encaminhamentos legais voltados ao
abusador.



PERCEPÇÕES DA CLÍNICA INFANTIL NA PERSPECTIVA DA GESTALT–
TERAPIA


A Gestalt-terapia surgiu na década de 1950 nos Estados Unidos a partir de
reflexões de Frederich Perls, com influência do existencialismo e da
fenomenologia. Apresenta-se como terceira força na Psicologia, em
contraposição aos modelos hegemônicos da abordagem psicanalítica e
comportamental (FRAZÃO, 2010). A Gestalt-terapia dá “ênfase à tomada de
consciência da experiência atual (o aqui e agora, que inclui o ressurgimento

163

Revista IGT na Rede, v. 19, nº 37, 2022. p. 156 – 174. Disponível em
http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526





eventual de uma vivência antiga) e reabilita a percepção emocional e corporal”
(GINGER e GINGER, 1995).


A abordagem gestáltica usa como base epistemológica a fenomenologia, o
existencialismo e a filosofia oriental. O ser humano é visto como um ser de
relações, cuja personalidade só irá se desenvolver a partir do seu
relacionamento com o outro, a relação e o contato com os seus
comportamentos e sentimentos (SANTANA; YANO, 2014). Os Gestalt-
terapeutas não procuram explicações causais para os fenômenos psíquicos
vivenciados pelos pacientes, mas estão atentos aos processos vivenciados e
os sentidos que eles têm para a pessoa. A Gestalt-terapia “foca mais no
processo (o que está acontecendo) do que o conteúdo (o que está sendo
discutido). A ênfase é no que está sendo feito, pensado e sentido no momento”
(YONTEF, 1998, p. 16).


Na terapia busca-se presentificar no aqui e agora as situações que causam
sofrimento (Gestalt aberta e cristalizada) e compreender a pessoa como uma
totalidade. Desta forma torna-se um instrumento eficaz no processo
ressignificar vivências e situações inacabadas que ainda geram sofrimento
psíquico (BARRETO, 2017).


Segundo Lima (2009) a Gestalt-terapia traz como um dos seus principais
conceitos a criatividade e o ajustamento criativo. Entende-se por ajustamento
criativo todo o contato que o organismo tem com o meio ao buscar a satisfação
de suas necessidades (PERLS, HEFFERLINE e GOODMAN, 1997). No
ajustamento saudável “a criatividade pode ser entendida como a posse pelo
indivíduo da aptidão de se orientar pelas novas exigências das circunstâncias,
possibilitando inclusive uma ação transformadora” (D’ACRI; LIMA E ORGLER,
2007, p. 21).


A autorregulação organísmica é a forma como o indivíduo se relaciona com o
mundo respeitando suas limitações. Para que isso aconteça é importante que o
indivíduo construa novas percepções e respostas para as situações adversas
que vivenciou. Usar experimentos e técnicas lúdicas com as crianças faz com
que elas tenham acesso a esse conteúdo de uma forma mais branda e faz
emergir as sensações e emoções presente na vivência (AGUIAR, 2015).


A função da psicoterapia infantil é fornecer a essa criança diversos modos
criativos de respostas inovadoras para as mais diversas situações que ela
possa ter passado (AGUIAR, 2015). A terapia busca oferecer “múltiplas
possibilidades de experiências e experimentos, a fim de trazer à consciência a
intenção de suas condutas inadequadas, seus medos, ansiedades, conflitos [...]
e situações emocionais não resolvidas” (ANTONY, 2010, p. 85).


Segundo Rodrigues e Nunes (2010), o terapeuta precisa expressar seu lado
criativo, independentemente de qualquer fato que aconteça no espaço da
terapia. O principal objetivo das brincadeiras e experimentos utilizados com a
criança é que elas possibilitem a tomada de consciência de si mesma e da sua

164

Revista IGT na Rede, v. 19, nº 37, 2022. p. 156 – 174. Disponível em
http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526





existência no mundo. O brincar na Gestalt-terapia torna-se um mediador entre
ela e o mundo.


O experimento na Gestalt-terapia permite ao indivíduo entrar em contato com o
seu sofrimento e acessá-lo no ambiente seguro do setting terapêutico. A
Gestalt-terapia tenta recuperar a conexão entre o falar sobre a ação e agir. Por
meio dos experimentos o indivíduo é mobilizado para confrontar suas
demandas (POLSTER e POLSTER, 2001). Em outras palavras:

Por meio do experimento o indivíduo é mobilizado para confrontar as
emergências de sua vida, operando seus sentimentos e ações
abortados, numa situação de segurança relativa. Desse modo é
criada uma emergência segura na qual a exploração aventureira pode
ser sustentada. Além disso, podem ser explorados os dois lados do
continuum da emergência, enfatizando primeiro o suporte e depois o
correr riscos, dependendo do que pareça mais saliente no momento
(POLSTER e POLSTER, 2001, p. 237).



Para Zinker (2007) o experimento permite ao paciente vivenciar uma situação
inacabada e compreendê-la melhor, assim como descobrir novos recursos e
possibilidades de ação. Não há uma preparação ou escolha prévia de algum
recurso que será utilizado na sessão. O experimento que será usado vai
depender da situação que é trazida pelo paciente na clínica. No experimento a
pessoa se explora de forma ativa e o terapeuta é o diretor de um cenário no
qual o paciente “fornece o conteúdo e o sentimento” (ZINKER, 2007, p. 142). O
experimento surge no contexto da psicoterapia e exige do terapeuta atenção e
ousadia para propor o exercício adequado para o que está sendo expresso
pelo paciente (POLSTER e POLSTER, 2001).


O livro “Descobrindo crianças: a abordagem gestáltica com crianças e
adolescentes”, de Violet Oaklander (1980) é um clássico na psicoterapia
infantil. No livro a autora apresenta uma série de técnicas e experimentos que
utilizou por décadas no manejo clínico com crianças. Merecem destaque as
técnicas de desenho, fantasia, modelagem com argila, estórias2, poesia e a
representação. Lima (2009) sugere o uso de diversas técnicas como as
estórias de fantasia, os desenhos de família, a modelagem com argila, a
pintura com os dedos, dentre outras. “Desta forma, a utilização de recursos
lúdicos tem o intuito de facilitar o seu processo de desenvolvimento tanto
interior como exterior’’ (RODRIGUES; NUNES, 2010, p. 191).


Há grande envolvimento da criança nas brincadeiras desenvolvidas no
ambiente terapêutico. Na execução do experimento o terapeuta deve observar
todos os comportamentos da criança, como por exemplo, a forma como ela
desenha, as cores escolhidas que utiliza e os movimentos do seu corpo
enquanto realiza a atividade. Por meio do experimento o terapeuta consegue
compreender a relação de criança-espaço, criança-tempo, criança-outro e


2 Usa-se a forma estórias e não histórias. A primeira refere-se a narrativas populares e
ficcionais e a segunda tem relação com acontecimentos reais.

165

Revista IGT na Rede, v. 19, nº 37, 2022. p. 156 – 174. Disponível em
http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526





criança-coisas. “Juntos psicoterapeuta e criança co-constroem o significado,
trazendo à consciência o sentido da ação e da escolha que estão conectados
com seus conflitos, dramas e personalidade” (ANTONY, 2017, p. 50).


Uma técnica muito usada na psicoterapia infantil é o desenho. Ele é um recurso
extremamente revelador, pois no desenho a criança projeta os seus
sentimentos e emoções. Na Gestalt-terapia o desenho é analisado de forma
fenomenológica. Busca-se entender, por meio do mesmo, a relação que ele
tem com o eu da pessoa e o que ele representa para ela (PAJARO;
ANDRADE, 2018).


Na Gestalt-terapia o desenho infantil é uma forma concreta de expressão
dessa criança. O objetivo do terapeuta quando usa o experimento do desenho
é acessar com descrição o fenômeno ou experiência vivida pela criança.
Entende-se que o desenho traz consigo uma grande demanda de sentimentos
e emoções. Por ser algo autoral dessa criança, somente ela pode expressar e
falar sobre a sentido e significado do mesmo (PAJARO; ANDRADE, 2018).


O desenho é utilizado como experimento dentro da Gestalt-terapia como forma
de a criança acessar vivências e situações que geram algum tipo de
sofrimento. O terapeuta dialoga com a criança sobre o que foi desenhado e faz
com que a criança acesse as emoções que estão envolvidas na imagem
criada. Desta forma a criança entra em contato com suas emoções e amplia
sua consciência e percepção sobre os fatos em análise. Desenhar “é,
primordialmente, uma tentativa de aproximação com o mundo e,
concretamente, uma atuação nele’’ (BARRETO, 2017, p. 206).


A contação de estórias é uma prática que acompanha a humanidade desde os
seus primórdios e tinha o objetivo de passar para as novas gerações os mitos e
narrativas fundantes da sua cultura. Na terapia o uso de estórias envolve a
invenção das minhas próprias estórias para contar para as crianças, as
crianças inventarem estórias, a leitura de estórias e a encenação de estórias
(OAKLANDER, 1980). A contação de estórias é um auxílio para a criança
compreender o mundo que a rodeia. Por meio delas ela pode experimentar
situações que muitas vezes lhe causam medo ou estão ligadas a alguma
situação que não consegue lidar com naturalidade (PARENTE; BELMINO,
2017).


Ao contar estórias a criança pode experimentar situações que geram algum
tipo de inquietação e criar coragem para enfrentar os seus medos e
experimentar os sentimentos que podem aparecer no relato. Isto permite que
as crianças tenham extrema liberdade para vivenciar os seus sentimentos e, a
partir disso, conseguir entrar em contato com questões inacabadas e poder
construir um novo significado para elas (PARENTE; BELMINO, 2017).

É ouvindo histórias que se pode sentir (também) emoções
importantes, como a tristeza, a raiva, a irritação, o bem-estar, o medo,
a alegria, o pavor, a insegurança, a tranquilidade e tantas outras
mais, e viver profundamente tudo que as narrativas provocam em
quem as ouve – com toda a amplitude, significância e verdade que
cada uma delas fez (ou não) brotar... Pois é ouvir, sentir e enxergar

166

Revista IGT na Rede, v. 19, nº 37, 2022. p. 156 – 174. Disponível em
http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526





com os olhos do imaginário! (ABRAMOVICH, 1991, apud PARENTE;
BELMINO, 2017, p. 88).



A criança também deve ser vista em sua totalidade. As expressões lúdicas das
brincadeiras, dos desenhos, jogos e outras atividades, fazem com que haja
uma maior expressão das emoções, comunicação e ampliação do vínculo com
o terapeuta. O brinquedo entra como algo que dá prazer a essa criança, mas
além disso, ele vai preencher as necessidades dela sendo isso um grande
motivador dentro da psicoterapia (RODRIGUES; NUNES, 2010).


Dessa maneira pode-se compreender que a criança não virá sozinha para a
terapia, mas trará consigo seus costumes, sua família, fantasias, angústias e
medos, o que torna extremamente importante esse trabalho lúdico por meio de
brincadeiras para entrar no universo infantil. O brincar com a criança é entrar
dentro do seu mundo, tornando-se um recurso fundamental e facilitador na
psicoterapia infantil (LIMA; LIMA, 2015).



O CASO MARIANA

O presente estudo de caso tem como base os atendimentos que foram
realizados no Serviço Escola de Psicologia de uma instituição de Ensino
Superior de Curitiba-PR no período de março a junho de 2018. Foram
realizadas cerca de 16 sessões de 50 minutos cada uma. A paciente tem 05
anos, sexo feminino, e mora atualmente com a mãe e os avós maternos, além
de um casal de tios que compartilham a moradia. Para manter o sigilo
profissonal a paciente será nomeada com o nome fictício Mariana.
Na entrevista inicial a mãe relata que o motivo que a levou a procurar
psicoterapia para a filha foi o fato de Mariana ter sido vítima de abuso sexual.
Após o acontecimento Mariana mudou seu comportamento na escola e
também no seu meio social. Ela não queria mais ficar na casa da sua
cuidadora, que era a pessoa responsavel por ela enquanto a mãe trabalhava. A
mãe também relatou que os abusos foram praticados pelo filho mais velho da
cuidadora, um menino de 13 anos. Os abusos aconteceram durante um
período de aproxidamente 06 meses e só terminaram depois que a mãe de
Mariana descobriu o fato e não buscou mais os serviços da cuidadora.

Logo nas primeiras sessões Mariana relatou o abuso sexual e molestação que
sofreu por meio de um desenho. Foi com esse primeiro experimento que
Mariana conseguiu relatar e entrar em contato com esse sofrimento gerado
pelos abusos que sofreu. Segundo o D´acri, Lima e Ocgler (2007) o contato
com aquilo que é adverso tem suma importância pois possibilita descobrir
novas formas de se relacionar consigo e com os demais. Para Perls (2002) a
ação terapêutica busca restaurar o contato e superar a evitação daquilo que
causa sofrimento.


Todo contato, seja ele hostil ou amigável, ampliará nossas esferas,
integrará nossa personalidade e, por assimilação, contribuirá para
nossas capacidades, desde que não esteja repleto de perigo

167

Revista IGT na Rede, v. 19, nº 37, 2022. p. 156 – 174. Disponível em
http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526





insuperável e haja uma possibilidade de dominá-lo (PERLS, 2002 p.
110).


O desenho foi um dos experimentos utilizados nas sessões clínicas com
Mariana. Por meio dele conseguia trazer para dentro da terapia as suas
aflições e angústias. Seus desenhos eram muito coloridos e de aspecto bem
infantilizado por conta da sua idade. Também eram ricos em detalhes e
fantasias. Cada traço que Mariana desenhava, quando questionada sobre o
significado, ela relatava desenhar pessoas da sua familia ou o próprio suspeito
do abuso.

No início das sessões ela trazia com frequência o conteúdo do abuso sofrido e
mostrava sentimentos de medo e aflição. Com o avançar da terapia o tema da
violência foi aparecendo com menos frequência. Nos relatos e observação
notava-se que Mariana estava confusa, com medo de falar de si. Isso acabava
prejudicando seu contato no ambiente social, escolar e familiar, alem de
sintomas físicos como dores de cabeça, falta de apetite e insônia.


Figura 1.

Por meio do desenho Mariana conseguiu entrar em contato com sua dor. Na
figura 1 Mariana os personagens que compoem o relato do abuso. A imagem
em verde representa Mariana, os traços em azul o suposto abusador, que ela
chama de ‘’lobo’’ e os outros componentes do desenho (os traços na cor
vermelha) são membros de sua família. Seus familiares são os caçadores do
lobo e fazem a sua proteção. Perguntada sobre a atuação dos familiares
Mariana relatou que “o lobo não vai mais chegar perto de mim, pois o meu tio e
meu avô são caçadores e vão lhe matar’’ (sic).

A criança vítima de abuso sexual apresenta medo e dúvidas sobre a violência
que sofreu. Por meio do desenho, da projeção e da imaginação é possível
acessar sentimentos e emoções relacionados com o fato causador de
sofrimento. Segundo Gabel (1997) a criança que sofreu abuso sexual carrega

168

Revista IGT na Rede, v. 19, nº 37, 2022. p. 156 – 174. Disponível em
http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526





consigo a culpa pelo que ocorreu. Ela ainda não tem a maturidade necessária
para entender o que realmente esse ato significa, o que a deixa confusa e
insegura.

Um outro experimento utilizado nas sessões com Mariana foi a contação de
estórias. Em uma sessão terapêutica foi proposta a narração da estória “A
menina do chapeuzinho amarelo’’. A estória narra a vida de uma menina que
superou seus medos e traumas. Mariana e a terapêuta sentaram no tapete da
sala de atendimento e iniciou-se a narração da estória. Os personagens
centrais da estória são a menina do Chapeuzinho Amarelo, a vovozinha, o
lobo-mau e o caçador, responsável por acabar com todos os medos da menina.
Mariana relatou que alguns dos personagens que tinha na estória eram os
mesmos da sua família. O lobo da estória era o suspeito do seu abuso e ela
era a Chapeuzinho Amarelo, a menina que tinha medo do lobo-mau. Após esse
momento foi proposto que Mariana também pudesse expressar o que entendeu
da estória que tinha sido contada. A menina relatou e interpretou todos os
personagens e identificou cada um deles com algum membro da sua família.

Mariana ficou extremamente atenta enquanto ouvia a estória. Diversas vezes
ela interrompeu a narração e fez comentários. Por vezes ela trouxe suas
fantasias e se colocou como personagem da estória. Em dado momento ela
comentou: “Eu gosto dessa estória. A chapeuzinho sou eu. Eu tenho medo de
ficar sozinha, mas existem caçadores que podem me proteger, igual a essa
estória’’.

É de grande relevância que o paciente possa expressar de forma clara e
expontanêa os seus medos e aflições. Quando o terapeuta utiliza o recurso do
experimento, está dando ao paciente a oportunidade de colocar suas emoções
e percepções por meio da projeção. A Gestalt-terapia tem o foco nas
necessidades e desejos que o paciente quer manifestar, ajudando-a a a
perceber o fenômeno que está vivenciando e como isto é percebido no campo
emocional e corporal (BORIS et al, 2017).

Na Gestalt-terapia o objetivo principal é fazer com que o paciente consiga focar
na sua vivência, presentificando-a no aqui e agora da sessão, na figura que se
forma e assumir a responsabilidade pelo amadurecimento das suas demandas
(FRAZÃO, 2014). Por meio dos experimentos o paciente presentifica vivências
que causam sofrimento psíquico. Parece paradoxal que a Gestalt-terapia
reconheça “os atos de lembrar e planejar como funções presentes, muito
embora se refiram ao passado e ao futuro’’ (POLSTER e POLSTER, 2001, p.
25).

Por meio dos desenhos Mariana representa a sua dor e seus medos. As figuras
e desenhos permitem que Mariana possa projetar seu mundo subjetivo.
Vivências e experiências introjetadas podem ser acessadas com o uso de
experimentos. Para Perls, Hefferline e Goodman (1977) “Muito material
pertecente a nós mesmos, que é parte de nós mesmos, tem sido dissociado,
alienado e rejeitado” (p. 99). O que não é possível expressar por palavras,
pode ser expresso por meio de outras linguagens como o desenho e outras
expressões artísticas.

169

Revista IGT na Rede, v. 19, nº 37, 2022. p. 156 – 174. Disponível em
http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526





Em outra sessão foi proposto que a paciente desenhasse algo de sua escolha.
Ela desenhou um grande castelo, conforme indicado na figura 2. Quando
questionada sobre o signifidado, a menina trouxe uma percepção nova.
Relatou que nesse castelo todos os familiares moram juntos e são felizes. O
“Lobo-mau’’, identificado com o abusador, não apresentava mais perigo.
Segundo os relatos da criança, todos viviam felizes e sem maldade. “Nesse
castelo moram todas as pessoas da minha família e vivemos felizes como as
princesas’’, completou Mariana.

Figura 2.

Com o decorrer das sessões Mariana conseguiu presentificar a sua demanda
por meio dos experimentos, fazendo com que todos os seus medos e angustias
fossem desaparecendo com o passar do tempo, podendo assim ir fechando
esses ciclos.

Para Rodrigues e Nunes (2010) o Gestalt-terapeuta vê o brincar como uma das
principais ferramentas para que a criança se identifique com o processo
psicoterápico. Por meio de experimentos lúdicos o terapeuta consegue
perceber como a criança está se relacionando com as outras pessoas, com ela
mesmo e com o meio social.

No início da psicoterapia Mariana apresentou grande dificuldade para entender
e lidar com os abusos sofridos. Com o desenrolar do processo
psicoterapêutico, Mariana veio apresentando indícios de estar lidando melhor
com as situações que vivenciou. Com o passar das sessões ela conseguiu
verbalizar sobre seus medos e acessar o seu mundo emocional.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo buscou analisar um caso clínico de abuso sexual infantil a
partir da perspectiva da Gestalt-terapia. O abuso sexual é uma violência que
deixa marcas profundas no psiquismo das pessoas, principalmente quando
suas vítimas são crianças. O número de casos de abuso sexual é muito alto em
nosso país sendo que 70% das vítimas são crianças e adolescentes.

170

Revista IGT na Rede, v. 19, nº 37, 2022. p. 156 – 174. Disponível em
http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526





O manejo clínico na Gestalt-terapia tem como uma de suas bases a visão
holística do ser humano. Foca-se nas relações que estabelece consigo mesmo
e com os demais. As interrupções de contato podem gerar processos
neuróticos e comprometer a saúde psíquica. Entrar em contato com as
emoções e as necessidades podem gerar novas percepções e possibilitar
novas respostas para situações traumáticas do passado que comprometem o
agir no presente. O brincar para a criança é extremamente terapêutico, pois por
meio desse recurso é possível entrar conhecer melhor o sintoma apresentado.
Nas brincadeiras ela expressa o que sente, tornando-se um recurso valioso na
psicoterapia infantil.

O manejo clínico do caso Mariana, com o uso de recursos como o desenho e a
contação de estórias, permitiu a expressão de sentimentos e emoções
relacionadas a eventos traumáticos como o abuso sexual infantil que sofreu.
Os recursos apresentados pela Gestalt-terapia, como a presentificação e a
vivência no aqui e agora das demandas trazidas, possibilitam ao paciente
entrar em contato com o sofrimento e viabilizar uma forma de manifestação das
emoções presentes na experiência. Ao ser manifesto, amplia-se a consciência
sobre a dor vivida e abre-se a possibilidade de novas formas de relacionar-se
com ela.

Realizar a pesquisa a partir da prática clínica foi um desafio e um período de
crescimento pessoal e profissional. Relacionar os conhecimentos teóricos a
partir de uma abordagem, no caso a Gestalt-terapia, com a prática clínica
gerou um grande amadurecimento. A abordagem gestáltica nos ensina a olhar
o paciente em sua totalidade, numa relação dialógica e empática que permite a
ele construir novas formas de se relacionar consigo e com os demais.

As experiências vivenciadas dentro do ambiente terapêutico contribuíram para
ampliar a compreensão sobre demandas tão específicas como o abuso sexual
infantil. O uso de recursos lúdicos na clínica infantil mostrou-se um instrumento
válido e importante para tratar deste tema. Também possibilitou perceber como
o seu manejo clínico é de extrema importância para a psicologia. Por fim, o
presente estudo possibilitou dar um primeiro passo nesta temática, que merece
ser aprofundada por meio de novas pesquisas e que poderão ser
desenvolvidas em estudos posteriores.



REFERÊNCIAS


AGUIAR, L. Gestalt-terapia com crianças: teoria e prática. 3. ed. São Paulo:
Summus, 2015.


ANTONY, S. (Org.) A clínica gestáltica com crianças. 2. ed. São Paulo:
Summus, 2010.


BASILIO, A. L. Sem base de dados, Brasil reage mal aos casos de abuso sexual
infantil
. Carta Capital Online, São Paulo, Out. 2018. Disponível em:

171

Revista IGT na Rede, v. 19, nº 37, 2022. p. 156 – 174. Disponível em
http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526





<https://vermelho.org.br/2018/03/12/sem-base-de-dados-brasil-reage-mal-aos-
casos-de-abuso-sexual-infantil/> Acessos em 11 out. 2019.


BARRETO, S. C. Um estudo sobre a Gestalt-terapia na
contemporaneidade
. Psicologia. Portal dos psicólogos. São Paulo, 2017.
Disponível em: <http://www.psicologia.pt/artigos/textos/TL0411.pdf>. Acessos
em 18 jun. 2019.


BORIS, G. D. J. B.; MELO, A. K.; MOREIRA, V. Influência da fenomenologia
e existencialismo na terapia Gestalt
. Estud. psicol. (Campinas), Campinas, v.
34, n. 4, p. 476-486, dez. de 2017. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
166X2017000400476&lng=en&nrm=iso>. Acessos em 17 jul. de 2020.


CUNHA, G. G.; DUTRA, E. M. S.. Um olhar fenomenológico para mães de
crianças vítimas de abuso sexual: uma revisão de literatura
. Rev.
abordagem gestalt., Goiânia, v. 25, n. 1, p. 103-110, abr. 2019. Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-
68672019000100011&lng=pt&nrm=iso>. Acessos em 29 out. 2020.


D’ACRI, G.; LIMA, P.; ORGLER, S. Dicionário de Gestalt-terapia: “Gestaltês”.
São Paulo: Summus, 2007.


FRAZÃO, L. M. Gestalt-terapia. Psicoterapias. Vol. 3. São Paulo: Duetto
Editorial, 2010.


FRAZÃO, M. L.; FUKUMITSU, K. O. Gestalt- terapia conceitos
fundamentais.
São Paulo: Summus, 2014.


FUKUMOTO, A. E. C. G. et al. Perfil dos agressores e das crianças e
adolescentes vítimas de violência sexual
. Rev. Ciênc. Ext. v.7, n.2, p. 71-83,
2011. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/277208679_Perfil_dos_agressores_
e_das_criancas_e_adolescentes_vitimas_de_violencia_sexual/fulltext/5594eb7
408ae793d1379ad3e/Perfil-dos-agressores-e-das-criancas-e-adolescentes-
vitimas-de-violencia-sexual.pdf> Acessos em 18 jun. 2020.


GABEL, M. Crianças vítimas de abuso sexual. São Paulo: Summus, 1997.


GINGER, S.; GINGER, S. Gestalt: uma terapia de contato. 5. ed. São Paulo:
Summus, 1995.


GUERRA, V. N. A. Violência de pais contra filhos: a tragédia revisitada. 3.
ed. São Paulo: Cortez, 1998.


GUTIERREZ LOPEZ, Carolina; LEFEVRE, Fernando. Descubrimiento del
abuso sexual del niño: revelación o silencio
. Rev Cubana Salud
Pública, Ciudad de La Habana, v.45, n.1, e1320, marzo 2019. Disponível em

172

Revista IGT na Rede, v. 19, nº 37, 2022. p. 156 – 174. Disponível em
http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526





<http://scielo.sld.cu/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0864-
34662019000100007&lng=es&nrm=iso>. Acessos em 29 out. 2020.


JUNG, F. H. Abuso Sexual na Infância: uma Leitura Fenomenológica-
Existencial através do Psicodiagnóstico Rorschach. Mestrado em Psicologia.
UCG. Goiânia, Março, 2006. Disponível em:
<http://tede2.pucgoias.edu.br:8080/bitstream/tede/1847/1/Flavia%20Hermann%
20Jung.pdf>. Acessos em 30 jun. 2020.


LIMA, P. A.. Criatividade na Gestalt-terapia. Estud. pesqui. psicol., Rio de
Janeiro, v. 9, n. 1, abr. 2009. Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-
42812009000100008&lng=pt&nrm=iso>. Acessos em 17 jul. 2020.


LIMA, G. C.; LIMA, D. M. A.. O brincar como meio facilitador da expressão
da criança sob a perspectiva da Gestalt-terapia
. IGT rede, Rio de Janeiro, v.
12, n. 22, p. 28-52, 2015. Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1807-
25262015000100003&lng=pt&nrm=iso>. Acessos em 17 jul. 2020.


OAKLANDER, V. Descobrindo crianças: a abordagem gestáltica com
crianças e adolescentes. 17. ed. São Paulo: Summus, 1980.


PAJARO, M. V.; ANDRADE, C. C.. Estudo de caso em gestalt-terapia:
leituras fenomenológicas do desenho infantil
. Rev. abordagem
gestalt., Goiânia, v. 24, n. 2, p. 204-214, ago. 2018. Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-
68672018000200009&lng=pt&nrm=iso>. Acessos em 17 jul. 2020.


PARENTE, A. F. V.; BELMINO, T. L. P. A Importância da Contação de Histórias na
Clínica Gestáltica Infantil.
Cad. Cult. Cien., v. 16, n.1, Jun, 2017. Pg. 84-99.
Disponível em:
<http://periodicos.urca.br/ojs/index.php/cadernos/article/view/1467/1127>
Acessos em: 07 jul. 2020.


PERLS, F; HEFFERLINE, R; GOODMAN, P. Gestalt-terapia. Tradução de
Fernando Rosa Ribeiro. 2. ed. São Paulo: Summus, 1997.


PERLS, F. Ego, fome e agressão. São Paulo: Summus, 2002.


PFEIFFER, L.; SALVAGNI, E. P. Visão atual do abuso sexual na infância e
adolescência
. J. Pediatr. (Rio J.), Porto Alegre, v. 81, n. 5, supl. p. s197-
s204, Nov. 2005. Disponível em:
<https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/111608/000949357.pdf?sequenc
e=1&isAllowed=y>. Acessos em 30 jun. 2020.


POLSTER, E.; POLSTER, M. Gestalt-terapia integrada. São Paulo: Summus,
2001.

173

Revista IGT na Rede, v. 19, nº 37, 2022. p. 156 – 174. Disponível em
http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526






RODRIGUES, P.; NUNES, A. L.. Brincar: um olhar gestáltico. Rev.
abordagem gestalt., Goiânia, v. 16, n. 2, p. 189-198, dez. 2010. Disponível
em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-
68672010000200009&lng=pt&nrm=iso>. Acessos em 17 jul. 2020


ROMERO, K. R. P. S. Crianças vítimas de abuso sexual: aspectos
psicológicos da dinâmica familiar
. Curitiba: Ministério Público do Estado do
Paraná, 2007. Disponível em:
<http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/caopca/vitimas_de_abuso.p
df> Acessos em 20 jun. 2020.


SANDERSON, C. Abuso sexual em crianças: fortalecendo pais e professores
para proteger crianças contra abusos sexuais e pedofilia. São Paulo: M. Books,
2005.


SANTANA, D. S.; YANO, L. P.. Experimentos em gestalt-terapia: os sonhos
como recurso integrativo
. Rev. NUFEN, Belém, v. 6, n. 2, p. 91-
101, 2014. Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-
25912014000200007&lng=pt&nrm=iso>. Acessos em 17 jul. 2020.


SERAFIM, A. P. et al. Perfil psicológico e comportamental de agressores
sexuais de crianças
. Rev. psiquiatr. clín., São Paulo, v. 36, n. 3, p. 101-111,
2009. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
60832009000300004&lng=en&nrm=iso>. Acessos em 17 Jun. 2020.


SILVA, C. C. P. et al. Pedofilia quem a comete? Um estudo bibliográfico do
perfil do agressor
. In. VIII EPCC – Encontro Internacional de Produção
Científica Cesumar UNICESUMAR, 2012, Maringá - PR. Anais, n.p. Disponível
em: <https://www.unicesumar.edu.br/epcc-2013/wp-
content/uploads/sites/82/2016/07/Camila_Cortellete_Pereira_da_Silva.pdf>
Acessos em 18 jun. 2020.


SOMA, S. M. P., & WILLIAMS, L. C. A.. Livro infantil especializado como
estratégia de prevenção do abuso sexual
. Psicologia: Teoria e Prática,
21(1), 186-203, 2019. doi:10.5935/1980-6906/psicologia.v21n1p186-203
Acessos em 20 jun. 2020.


UNICEF. Hidden in plain sight. A statistical analysis of violence against
children
. 2014. Disponível no link:
<http://files.unicef.org/publications/files/Hidden_in_plain_sight_statistical_analys
is_EN_3_Sept_2014.pdf> Acessos em 11 jun. 2020.


YONTEF, G. M. Processo, diálogo, awareness: ensaios em Gestalt-terapia.
3. ed. São Paulo: Summus, 1998.

174

Revista IGT na Rede, v. 19, nº 37, 2022. p. 156 – 174. Disponível em
http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526





ZINKER, J. Processo criativo em Gestalt-terapia. Tradução de Maria Silvia
Mourão Netto. 2. ed. São Paulo: Summus, 2007.


WILLIAMS, L. C. A. Pedofilia: Identificar e prevenir. São Paulo: Brasiliense,
2012.















Endereço de correspondência:

Michele Camile Baldo

Email: michelicamile.baldo@gmail.com

Loivo José Mallmann

Email: loivojose@hotmail.com







Recebido em: 10/02/2021

Aprovado em: 11/07/2023