TARDIN, Sabrina – “ Presença psicoterapêutica: da fenomenologia-existencial à Gestalt-terapia contemporânea.”

ARTIGO

Presença psicoterapêutica: da fenomenologia-existencial à Gestalt-terapia contemporânea

Psychotherapeutic presence: from existential-phenomenology to contemporary Gestalt therapy

Sabrina Tardin

RESUMO  

Este trabalho visa apresentar uma revisão teórica sumária, baseada em pesquisa de material bibliográfico, sobre conceitos e modos de utilização da presença psicoterapêutica na Gestalt-terapia e discutir as implicações dos achados teóricos na prática clínica. Pretende mostrar como este construto é consubstanciado por antecedentes filosóficos e teorias basilares da Gestalt-terapia original. Explora a problemática da presença e da presença psicoterapêutica na língua portuguesa; na filosofia que orienta a Gestalt-terapia - a Fenomenologia-existencial; nas suas teorias de base – Psicologia da Gestalt, Teoria de Campo e Teoria Organísmica; na obra de Perls, Hefferline e Goodman; na bibliografia gestaltista especializada publicada em português. Não se presta constituir uma tipologia para os gestalt-terapeutas. Objetiva contextualizar a compreensão do fenômeno da presença psicoterapêutica e analisar a aplicação dessas reflexões na prática clínica da Gestalt-terapia contemporânea.

Palavras-chave: Presença, Gestalt-terapia, Fenomenologia-existencial.

ABSTRACT

This work presents a brief theoretical review based on the bibliographical material about concepts and ways of using the psychotherapeutic presence in Gestalt therapy and discusses the implications of the theoretical findings within the clinical practice. Intends to show how those findings have been enchained through philosophical backgrounds and essential theories. Explores the investigation on the presence and the psychotherapeutic presence in the Portuguese language; on the philosophy that guides the Gestalt therapy – the Existential-phenomenology; on its baseline theories – Gestalt Psychology, Field Theory and the Organismic Theory; on the works by Perls, Hefferline; in the specialized Gestalt bibliography published in Portuguese. Does not intend to be a typology to the therapists. Aims at setting the grounds to understand the phenomenon of the psychotherapeutic presence and analyze the use of the reflections in the contemporaneous clinical practice of the Gestalt therapy.

Key words: Presence, Gestalt therapy, Existential-Phenomenology.

INTRODUÇÃO

Apesar da presença se tratar de um evento aparentemente óbvio para as ciências humanas, em geral, para a psicologia, em particular, e para a Gestalt-terapia, em especial, olhá-la de maneira apurada provoca as seguintes reflexões: O que de fato é uma presença psicoterapêutica? Como o fenômeno [2] da presença psicoterapêutica é compreendido pela abordagem gestáltica? Existe algum conceito em Gestalt-terapia que consiga alcançar representativamente tal fenômeno? Entremeada a essas indagações, surge uma problemática ainda mais abrangente: afinal, o que é terapêutico em uma relação psicoterápica alinhavada pelas dimensões ética, teórica e prática propostas pela Gestalt-terapia contemporânea?

A Gestalt-terapia é um tratamento de variadas facetas relacionais, as quais invariavelmente exigem do psicoterapeuta uma boa percepção de si, do cliente e principalmente a de como se está interagindo com este. Há sempre, subjacente ao manejo psicoterápico, a inclusão do outro e de sua alteridade exigindo serem confirmadas e devidamente reconhecidas. Nessa perspectiva, JULIANO (1999) descreve:

“A Gestalt é principalmente uma postura diante da vida, que implica um contato vivo como mundo, com a pessoa do outro, na sua singularidade, sem pré-concepção de qualquer ordem [grifo da autora]. Esse contato apóia-se sobre a vivência, na experiência de primeira mão, no aqui e agora, o que estimula uma presença constante e atenta, com ênfase na percepção sensorial; focaliza o fluxo e a direção da energia corporal.” (p. 25)

É neste ponto da interatividade com o cliente que não pode ser desconsiderada o fenômeno da presença - quer positiva, quer negativa - como fator de influência sobre o encontro. Dentre as mais diversas linhas de atendimento psicológico, a abordagem gestáltica sustenta que a qualidade da relação entre psicoterapeuta e cliente é um aspecto da mais relevante importância na psicoterapia. Conforme YONTEF (1998), “A maioria das terapias existenciais considera importante o encontro existencial interpessoal. A Gestalt-terapia não é exceção.” (p. 26).

Em termos gerais, pode-se dizer que a Gestalt-terapia observa o homem como um ser no mundo. Essa visão de homem trouxe diversas implicações na construção da sua teoria original, interpolou muito das suas transformações – que não descartam em absoluto suas aquisições históricas - e atualmente, acomete a sua proposta de prática clínica, como será exposto adiante.

FRAZÃO (apud PERLS, HEFFERLINE e GOODMAN, 1997), na apresentação da edição brasileira do Gestalt Therapy, registrou:

“Uma das mais importantes contribuições da Gestalt-terapia, influenciada pelo pensamento de Buber, é a de levar em conta na situação terapêutica não apenas o cliente, mas a relação que se estabelece entre ele e o terapeuta, como fenômeno no campo no qual ocorre o processo terapêutico.” (p.10)

Semelhante à FRAZÃO (1997), lê-se em YONTEF (1998): “(...) a Gestalt-terapia foi a primeira psicoterapia a utilizar a presença ativa do terapeuta num relacionamento com contato, mas não considerava detalhadamente o que constituía uma presença dialógica curativa.” (p. 26)

Apesar da Gestalt-terapia ter sido fundada em 1951, marcada pela publicação da obra Gestalt Therapy, sua teoria e aplicação seguem em constante atualização. O aceite dessa perspectiva evolucionista não unitária implica dizer que, na atualidade, existem diversas Gestalt-terapias sendo praticadas e estudadas no mundo. Alguns de seus conceitos não estão claros, outros ainda não foram apreendidos e alguns tantos vêem sendo repetidamente reformulados ao longo da trajetória histórica da abordagem. Em acréscimo a isto, precisa-se ressaltar que as técnicas, as experiências de consultório, a pesquisa e a construção teórica se entrelaçam dialeticamente. Possivelmente este é um fator que contribui para manter em aberto algumas definições e o próprio manejo psicoterápico.

Com o tema presença psicoterapêutica não poderia ser diferente. Este ensaio tenta mostrar como o conceito vem sendo concatenado através de antecedentes filosóficos que, junto com as teorias basilares da Gestalt-terapia, constituem uma cadeia contígua, que possibilita a solidificação do corpo teórico da Gestalt-terapia até os dias atuais. Confere-lhe a condição de elemento inevitável do processo psicoterápico gestáltico.

Para tanto, em conformidade com HYCNER e JACOBS (1997), e com ZINKER (2001), observa que embora reconhecida a dificuldade em se definir tal fenômeno, a sua ausência pode ser facilmente notada no andamento clínico. Parte da seguinte hipótese: é possível conceituar ou ao menos rastrear apuradamente o que é a presença psicoterapêutica no bojo da Gestalt-terapia contemporânea o que, indiretamente, implica também em compreender a sua configuração original.

Inicia o seu estudo com o levantamento do conceito de presença e de presença psicoterapêutica na língua portuguesa; na filosofia que a orienta – a Fenomenologia-existencial; nas suas teorias basilares – Psicologia da Gestalt, Teoria de Campo e Teoria Organísmica; na obra de Frederick Perls, Ralph Hefferline e Paul Goodman – considerada a “bíblia da Gestalt”; e na bibliografia gestaltista especializada publicada em português. Finaliza com algumas reflexões e constatações que surgiram ao longo de sua pesquisa.

Presença e presença terapêutica: definições

Desde sempre nota-se a difícil tarefa de explicar idéias por palavras e tornar claro o seu sentido dentro de um determinado contexto ou uso científico. Noções vindas de campos de conhecimento distintos por vezes são mal-empregadas simplesmente por parecerem evidentes quando na realidade não estão compreendidas ou adequadamente explicitadas.

A fim de tentar compreender o termo presença e o sentido deste construto para a Gestalt-terapia, cabe uma análise primeira de como o verbete é apresentado pelo dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Este traz três definições para o termo presença: 1. o fato de algo ou alguém estar em algum lugar, comparecimento; 2. o fato de algo ou alguém existir em algum lugar, existência; 3. característica do que impressiona; personalidade, individualidade [grifos desta autora]. Na língua portuguesa, portanto, o termo presença apresenta-se associado a uma noção de localização espaço-temporal – estar/existir em algum lugar; a uma noção de existência – existir; e de relação – característica do que impressiona, onde o que impressiona (verbo transitivo direto) impressiona alguém.

De certo modo, os conceitos de presença registrados na literatura gestaltista e nas suas teorias de base possuem significado similar ao da nossa língua pátria. O termo presença apresenta-se associado à noção de existência, que, segundo RIBEIRO (1985) “etimologicamente vem do latim ex-sistere : começar a ser, vir de alguma coisa” (p. 37). Associa-se ainda ao que se é em um contexto; à qualidade que chama a atenção, que desperta sentimentos; à singularidade da pessoa. Por sua vez, o prefixo “pre” do termo presença remete ao movimento de aproximação constitutivo de parte da dinâmica relacional fartamente considerado na prática clínica e no corpo teórico da Gestalt-terapia.

Há também alguns conceitos de raízes filosóficas. Em HEIDEGGER (2002), por exemplo, tem-se “pre” que corresponde a “Da” e sença como forma derivada de esse, corresponde a “sein”, originário do DASEIN, termo filosófico em alemão (presença = Dasein). HEIDEGGER (id) desenvolveu a concepção de “Dasein”, determinado no tempo e no espaço, singular e concreto, que pergunta pelo sentido do Ser, o homem. A palavra Dasein é comumente traduzida por existência, dada à similaridade entre os conceitos. Entretanto, HEIDEGGER (2002) enfatiza que a pre-sença (Dasein) “não é sinônimo de existência e nem de homem” (p. 309). Para ele, existência aparece enquanto determinação ontológica exclusiva da presença.

Terapia, por sua vez, tem a sua origem no grego Therapeia. De acordo com JULIANO (1999), “significa fazer o trabalho dos deuses, ou estar a serviço dos deuses, ou ainda, a serviço do Todo.”(p. 113). Ora, o termo presença psicoterapêutica parece trazer consigo dois componentes elementares: a sua forma - individual e existente - e a sua finalidade - tratar na esfera do psíquico, algo ou alguém.

Ademais, o vocábulo alude à noção merleau-pontyana de fenômeno. De acordo MÜLLER (2001), PONTY considera fenômeno as totalidades vinculadas ao poder criativo de representação das experiências das quais estamos indissociavelmente vinculados (p.9). Isto posto, pode-se pensar a presença, em se tratando de um fenômeno, como indissociavelmente ligada ao poder criador decorrente das experiências das pessoas envolvidas no evento. Ou, mais precisamente e conforme MÜLLER (ibid.): “à organização espontânea desencadeada por nosso corpo junto aos dados sensíveis.”( p. 15).

Enfim, um breve apanhado na nossa língua de uso comum acerca do termo presença psicoterapêutica apenas inicia a busca em dar sentido e significado conciso ao tema. Revela que por trás da sua aparente simplicidade encontram-se implicações, discriminações e sutilezas importantes.

Presença psicoterapêutica: definições na Filosofia Fenomenológico-Existencial

De acordo com EDWARDS e Van DUSEN, (apud YONTEF, 1998), a Gestalt-terapia “é uma psicoterapia existencial baseada no método fenomenológico” (p. 169). Conforme CRITELLI (1996), “a fenomenologia não nasceu como método. Antes de detalhar um método, a fenomenologia produziu uma nova ontologia” (p.7). Desta feita, entende-se que, na orientação existencial, o interesse da Gestalt-terapia está voltado para a estrutura da abertura do cliente para o mundo, tanto na sua vida, como a cada momento de uma sessão terapêutica. Já na aplicação fenomenológica, o estudo da Gestalt-terapia foca o cliente como pessoa e existência subjetivas definíveis apenas quando em relação com o mundo e com o outro.

A fenomenologia tem por excelência a preocupação com a relação homem-mundo, reunindo os dados da experiência em sua totalidade (fenômeno) ao pensamento racional (logos). Esta aparece em HUSSERL, (apud MOREIRA, 2003), em seu idealismo transcendental-fenomenológico. Grosso modo, MOREIRA (id.) argumenta que HUSSERL defende que a vida psíquica é um dado imediato, ao qual se tem acesso apenas através da sua descrição, o que possibilita a compreensão do fenômeno ou do processo. Segundo GRANZZOTTO & GRANZOTTO (2003), “Husserl transforma a fenomenologia na descrição dessas vivências que se configuram totalidades anteriores às partes” (p. 71). Estes autores ponderam que, para Husserl, “tão importante quanto dizer que os fenômenos psíquicos são totalidades que se impõem aos nossos atos psíquicos, é dizer que, independentemente desses atos, esses fenômenos são vividos como uma unidade que é a nossa unidade.” (id).

Após sua fundação por Husserl, a fenomenologia influenciou outros tantos estudiosos e filósofos. HEIDEGGER (2002), por exemplo, criou a fenomenologia-existencial, cujo ponto central de estudo reside na questão do sentido do ser sob a perspectiva da co-existência. HEIDEGGER (2002) considera que sempre e necessariamente, “o homem realiza a sua existência na estrutura de ser-no-mundo” (p.19). Entende que a existência não é sinônima nem de homem nem de presença. Ao contrário, para HEIDEGGER (2002), a existência abrange uma co-presença [grifo da autora] originária que se realiza através de uma história de tempos, espaços e gestos, e que se desenvolve com o mundo no mundo. Para HEIDEGGER (id), “o ser-no-mundo é uma estrutura de realização” (p. 20), que não se encerra em si mesma, numa interioridade psíquica. Ainda que esteja no isolamento, é “ser-com” [aspas do original], é co-presença. HEIDEGGER (ibid), designa com o termo pre-sença esse modo peculiar de ser do homem que compreende a si mesmo a partir da sua existência.

Nesta ordem de idéias, aventa-se que faz parte do modo fenomênico da manifestação da presença, o mostrar-se e ocultar-se. Além do mais, nem tudo o que é desvelado é percebido pelo outro em relação. HUSSERL (apud GRANZOTTO & GRANZOTTO, 2003) demonstra que a percepção de algo é precedida pela representação da unidade das vivências materiais do sujeito que as percebe, no tempo e no espaço. Ou seja, a percepção do outro manifesto depende de um modo dinâmico de contatar que implica diretamente na subjetividade do observador. Noutros termos, falar de subjetividade implica necessariamente em falar da intersubjetividade que emerge na manifestação da presença e, se visto por outro ângulo, na percepção deste fenômeno. Portanto, subjetividade não designa um estado ou uma ação. Diz respeito à participação ativa e intencional da pessoa no todo.

Pois bem, a análise espaço-temporal da presença consubstanciada no pensamento husserliano implica na experimentação que a consciência tem do fluir da experiência atual configurado como uma rede de perfis, direcionadas tanto para o passado quanto para o futuro. Ademais, como explicitado por HEIDEGGER (2002), o fenômeno da presença implica num duplo movimento de abertura e numa instalação de espaços relacionais que, segundo HUSSERL (apud GRANZOTTO & GRANZOTTO, 2003), dependem da historicidade de cada partícipe e das suas expectativas de futuro, contextualizadas. Sendo assim, compreende-se que o fenômeno da presença constitui-se como um fenômeno percebido, que é também um “fenômeno-para-uma-consciência” [aspas desta autora].

É valorosa essa reflexão na tentativa de se conceituar do fenômeno da presença psicoterapêutica sob o enfoque teórico da Gestalt-terapia, haja vista que tal concepção tanto delineia a sua forma quanto a situa na clínica psicoterápica e no mundo. A presença psicoterapêutica passa a ser compreendida não como uma gama de atitudes estáticas a serem desenvolvidas pelo psicoterapeuta em (pré)determinados momentos do processo psicoterápico. Depende das experiências anteriores, das condições do presente, e das expectativas de futuro do psicoterapeuta, do cliente e principalmente do que ocorre e do que é organismicamente percebido no encontro entre ambos.

BUBER (2004) foi outro filósofo que se ateve ao fenômeno da presença nas relações humanas. Para ele, o princípio ontológico da fenomenologia da relação recai na manifestação do seu ser ao homem que o intui imediatamente através da contemplação. BUBER (2004) compreende que “o inter-valo, o entre é o lugar de revelação da presença. “,( p. 12).

Com perspectiva similar a HUSSERL (apud GRANZOTTO & GRANZOTTO, 2003), BUBER (2004) defende tratar-se, portanto e em primeiro lugar, de pensar o fenômeno da presença também como o acontecimento da interseção. Para BUBER (id.), o estar-com acontece através da constante oscilação entre relação e separação. Ele considera que no momento em que o Eu da relação se coloca em evidência, mostra-se existente na separação, ou seja, simultaneamente exclusivo e inclusivo.

Essa dinâmica, entre contato e afastamento, talvez explique parte da natureza e do uso do termo presença na Gestalt-terapia original. Seguindo o pensamento de BUBER (2004), entende-se que fenômeno da presença instaura dialeticamente finitude e transcendência. Por conseguinte, esclarece o seu caráter intersubjetivo. Não obstante, direciona abordar a presença psicoterapêutica enquanto um fenômeno dinâmico que transcende o senso de identidade do psicoterapeuta, reforçando a tese de que a presença psicoterapêutica pertence ao encontro e não ao psicoterapeuta.

As considerações de BUBER (2004) levam a pensar sobre a ocorrência da presença psicoterapêutica no cotidiano da clínica gestaltista enquanto uma dinâmica. O fenômeno da presença parece alternar-se com momentos que podem ser terapêuticos, danosos ou simplesmente pobres de energia. Momentos interativos que são parte de um mesmo todo psicoterápico, que dão chance para que alguma realização terapêutica possa vir a acontecer.

As reflexões acerca da presença de MERLEAU-PONTY, apresentadas por MOREIRA (2003), parecem similares as de HEIDEGGER (2002), e às de BUBER (1982, 2004). Juntas constituem um fundo que pode ser expresso pela sentença: qualquer representação do fenômeno presença psicoterápica que se deseje clara e distinta requer uma descrição no enfoque da relação co-existencial premente no entre. Essa síntese desdobra-se em outra constatação importante: uma representação consistente do fenômeno presença psicoterápica necessita (i) considerar o rompimento da dicotomia cliente-psicoterapeuta; (ii) eliciar a hipótese constante de um entre no qual ambos possam se fazer presentes como seres em mútua constituição; e, por conseguinte, (iii) sustentar um modo diferenciado de encontro e de terapêutica. Esta é a configuração relacional que atual clínica gestaltista democraticamente procura alcançar.

Neste sentido, surge uma primeira importante conclusão: o fenômeno da presença é um construto existencial-fenomenológico ontológico, dinâmico, transitório e contextual. Opera nas inter-relações humanas, em geral, e nas psicoterápicas, em particular. A questão que permanece, todavia é o que a clínica da Gestalt-terapia compreende ser uma presença psicoterapêutica?

Presença psicoterapêutica: definições na Gestalt-terapia

É consenso que a Gestalt-terapia vê o homem - com toda a sua riqueza de possibilidades e potencialidades - como um ser no mundo; transformando o contexto no qual está inserido e também, recebendo as suas influências. FRAZÃO (apud PERLS e col.,1997) diz que: “A Gestalt-terapia refere-se à visão holística do homem, o qual é concebido como ser biopsicossocial, sempre em interação com o seu meio” (p. 10). PAUL GOODMAN (apud PERLS e col., 1997), teoriza que: “a troca que se dá incessantemente entre o organismo humano e seu ambiente circundante em todas as áreas da vida, vincula a pessoa e o mundo uma ao outro de maneira inextricável” ( p. 24). PERLS e col. (1997), defendem que: “qualquer investigação biológica, psicológica ou sociológica precisa partir da interação entre o organismo e seu ambiente” (p. 42). Influenciados pela fenomenologia-existencial, primordialmente, esses e outros tantos estudiosos da Gestalt-terapia concordam em situar os seus estudos da a partir do campo interacional organismo-ambiente.

Quanto ao foco da Gestalt-terapia, FRAZÃO (2004), teoriza que é a integração da pessoa, sustentado no existencialismo dialógico, isto é, no processo de contato e afastamento direcionados ao seu desenvolvimento. Em perspectiva correlata, ZINKER (2001) enfatiza o ver e o estar com [grifo do original] como os seus principais alicerces. Defende a Gestalt-terapia, como “um método humano e sábio para descobrir juntos os lugares em que a experiência do cliente possa estar bloqueada, distorcida, empobrecida ou sem paixão.” (p. 14). YONTEF (1998) diz que a Gestalt-terapia está voltada para o processo, com o objetivo de “tornar os clientes conscientes do que estão fazendo, como estão fazendo, como podem transformar-se e, ao mesmo tempo, aprender a aceitar-se e a valorizar-se.” (p. 16). PERLS e col. (1997) definiram a psicoterapia como “autorregulação em emergências experimentais seguras” (p. 83). Eles propuseram uma psicoterapia que enfatiza: “(...) concentrar na estrutura da situação concreta; preservar a integridade da concretude encontrando a relação intrínseca entre fatores socioculturais, animais e físicos; experimentar e promover o poder criativo do paciente de reintegrar as partes dissociadas.” (p. 48).

De forma geral, esses autores comungam o entendimento de que o cliente pode desenvolver o ser que é e fazer os seus ajustamentos criativos conforme as possibilidades oferecidas nas interações. Põem, em relevo, o entendimento de que a tarefa psicoterápica precisa se ater em integrar a situação relacional concreta às diversas implicações advindas do processo desenvolvimento individual do cliente e de sua historicidade; inclusive as suas influências hereditárias, a sabedoria evolutiva acumulada desde os seus ancestrais, as imposições socioculturais.

PERLS e col. (1997), em especial, focam o objetivo da Gestalt-terapia numa perspectiva unitária, sob o domínio do movimento entre autopreservação e crescimento no tempo. A propósito, a fenomenologia merleau-pontiana apresentada em MOREIRA (19), também assume uma perspectiva unitária, mas que por sua vez, põe em relevo o contato entre os seres numa postura aquém da dicotomia sujeito-objeto. Retomando a questão da tese unitária do desenvolvimento humano proposta por PERLS e col. (1997), estes autores designam que “as totalidades da experiência não incluem ‘tudo’” (p. 45), [aspas do original]. Eles consideram que “as totalidades de experiência são estruturas unificadas definidas” (id.), fazendo jus ao emprego do termo Gestalt na denominação do modelo psicoterápico desenvolvido. 

A palavra Gestalt é originalmente uma palavra alemã sem equivalência na língua Portuguesa. Grosso modo, segundo RIBEIRO (1985), “costuma ser traduzida como todo, inteiro, configuração” (p. 70). Para GOLDSTEIN, (apud GRANZOTTO & GRANZOTTO, 2003), Gestalt é “a dinâmica figura e fundo que opera no interior dos processos de autorregulação organísmica junto ao meio.” (p. 69). Com efeito, a compreensão da elaboração do conceito de presença na Gestalt-terapia original ganha alcance teórico na noção de unidade irredutível, advinda da Psicologia da Gestalt. 

Conforme GRANZOTTO (2005):

“Importava a Wertheimer, Kölher e Koffka - que compõem a primeira geração da Psicologia da Gestalt - compreender o que eram os objetos intencionais como “fatos” elementares, ou seja, como modos de organização marcados pelo primado do todo e que se imporiam ao nosso psiquismo em sua relação com o mundo.” (p. 35)

Em 1912, quando publica sua tese, Wertheimer põe à luz primado do todo em relação às partes. Não obstante reconhecida a influência da Psicologia da Gestalt na fundamentação da Gestalt-terapia original, o fenômeno da presença – e a sua compreensão – recai na necessidade de ser igualmente teorizado a partir da sua totalidade, conforme exposto por PERLS e col. (1997): “Esta é naturalmente a tese unitária da psicologia da gestalt: que se tem de respeitar a totalidade de fenômenos que surgem como todos unitários e que estes só podem ser analiticamente divididos em pedaços ao preço da aniquilação daquilo que se pretendia estudar.” (p. 52)

No sentido do entendimento da elaboração do conceito, também é imprescindível articulá-lo com a Teoria Organísmica de Kurt GOLDSTEIN (1934), considerada como a mais importante para Perls. GRANZOTTO & GRANZOTTO (2003), consideram que a elaboração da Teoria Organísmica fundamentou-se na descrição husserliana da essência também vivida como uma unidade exclusiva. GOLDSTEIN (apud DAMÁSIO, 2000), assim como LUDWIG, Von BERTALANFY e Paul WEISS (id.), inovou a visão de organismo da época, através desta concepção de organismo integrado. Conforme GOLDSTEIN (apud GRANZOTTO, 2005), em cada vivência concreta, o organismo elege um modo de ajustamento em função das condições situacionais. “Ele constitui uma nova figura a partir do fundo de outras ocorrências materiais das quais participa.” (p. 60).

A Teoria Organísmica contribuiu para a elaboração do conceito de presença na Gestalt-terapia original, por conseguinte, com a sua noção de holismo, com a sua perspectiva também unitária, a saber, uma das bases essenciais da presença psicoterapêutica. GRANZOTTO (2005) destaca:

“Mas, diferentemente de Goldstein, que considerava as “gestalten” ocorrências materiais do organismo junto ao meio, Perls chama atenção para o caráter temporal destas ocorrências, engendrando uma espécie de retorno à teoria da subjetividade fenomenológica.” (p. 12)

Voltando às concepções de PERLS e col. (1997) e de FRAZÃO (2004), correlacionando-as com a noção organísmica de GOLDSTEIN (apud GRANZZOTTO & GRANZOTTO, 2003 e apud DAMÁSIO, 2000), aventa-se que a Gestalt-terapia considera essencial para que uma pessoa possa manter uma adequada orquestração da sua sobrevivência, a manutenção do fluxo criativo e dinâmico entre conservação e crescimento. Este fluxo saudável de sobrevivência – autorregulação organísmica - implica estar em contato com o meio, manter a sua diferença do ambiente e também assimilar o ambiente à sua própria diferença. A principal importância dessa conjetura é a constatação de uma exigência radical, que recai sobre o psicoterapeuta de orientação gestáltica: preservar uma boa consciência organísmica de si, do outro e principalmente a percepção simultânea de como se está interagindo com este. Tal premissa está consubstanciada no entendimento de que a qualidade da presença é imbricada no entre. Assim, traz implícita uma parte importante da ética terapêutica a que se propõe um trabalho clínico em Gestalt-terapia.

Neste sentido, CHAGAS (1997) postula que o Gestalt-terapeuta necessita do conhecimento teórico ao mesmo tempo em que o encontro psicoterapêutico se desenrola, ou seja, carece do saber e, dialética e simultaneamente, de envolver-se na relação. Ela explica que para que o Gestalt-terapeuta possa tentar apreciar a abrangência dos temas essenciais da vida do cliente – nas suas palavras: “fazer-se presença” - ele precisa transitar pelas dimensões “objetiva” e “subjetiva” da psicoterapia e enfrentar a sua própria subjetividade [aspas do original].

ZINKER (2001) afirma: “o conceito de presença está relacionado a esta noção de estar consciente das próprias sensações e ao uso de “si-como-um-instrumento” [aspas do original]” (p. 56). O autor apresenta uma compreensão ética da posição assumida pelo gestalt-terapeuta, fundamental para que momentos de presença possam vir a ocorrer, a qual pode ser resumida na sua simultânea implicação e reserva. Ele conceitua:

“Presença significa “estar presente” [aspas do original] como si mesmo, sem acrescentar ou deixar nada de lado. A presença autêntica não deve ser confundida com carisma, estilo ou força. Estar presente significa estar totalmente centrado para permitir que o cliente emerja, brilhe, se envolva, e seja assimilado. Embora seja fácil apontar a presença no momento em que acontece, é difícil descrevê-la em palavras; ela é ao mesmo tempo um estado psicológico e uma abertura espiritual; é a abertura dos olhos e ouvidos, mas também uma abertura do coração. Nós nos transformamos em um “eu-como-testemunha”” (p. 56)

Deste modo, ao eleger o encontro terapêutico proposto pela abordagem gestáltica, o gestalt-terapeuta assume no seu cotidiano clínico a constante e indissolúvel dinâmica entre inclusão – momento em que ele reconhece sua própria presença e as forças inerentes às fronteiras no encontro – e diferenciação – momentos em que a figura é o serviço da relação.

Retomando a problemática da elaboração do conceito de presença na Gestalt-terapia, MERLEAU-PONTY (apud MOREIRA, 19_) colabora com a sua reflexão acerca da unidade, por ele considerada inerente à intersubjetividade dos encontros humanos e terapêuticos, atentando principalmente à noção husserliana de temporalidade. Nesta linha de pensamento, MULLER (2001) diz que, “em Acerca da Expressão, PONTY considera o agora intersubjetivo enquanto “campo de presença” (conceito de Husserl: Präsensfeld) com os seus horizontes de passado e de futuro” (p. 273).

Não obstante considerar o gestalt-terapeuta imerso no processo interacional caracteristicamente dialógico, a partir das constatações de HEIDEGGER (2002); MERLEAU-PONTY (apud MOREIRA, 2003 e apud MULLER, 2001); e BUBER (2004); e que parece ser opinião consensual dentre boa parte dos estudiosos e epistemologistas da Gestalt-terapia, encerra o sentido de uma busca de respostas polarizada na figura do psicoterapeuta. Isto evidencia a consistência da proposição de presença psicoterapêutica defendida por estes filósofos. A presença, pois, acontece no espaço transitório da fronteira-de-contato entre psicoterapeuta e cliente, no campo e no tempo presente do setting psicoterápico - ressoando suas vivências do passado e as expectativas de um futuro antevisto.

Nessa linha de pensamento, considera-se que o fenômeno da presença é dinâmico. Por analogia, conforme PERLS e col. (1997) assim como o contatar do self “é flexivelmente variado, porque varia de acordo com as necessidades orgânicas dominantes e com os estímulos ambientais prementes” (p. 49), o que se torna presença no encontro gestalt-terapeuta e cliente, varia em função das premências subjetivas da relação. A alternância entre o que se torna presença e o que simplesmente não o é parece emergir como conseqüência da autorregulação, seja ela saudável ou adoecida. Conforme exposto, pode-se inferir que os momentos de presença acontecem como parte da dinâmica de formação figura/fundo no campo de possibilidades criativas.

Isto posto, entende-se uma das teorias que justificam o sentido do respeito que a Gestalt-terapia incide na singularidade do cliente, do psicoterapeuta, e no excêntrico encontro entre ambos. Concatenando o conceito de presença às teorias de base da Gestalt-terapia, é igualmente preciso considerar as influências que a Teoria de Campo exerceu na elaboração do conceito na Gestalt-terapia original. Kurt LEWIN (1936) teceu através da Teoria de Campo uma proposição na qual todas as coisas são mutuamente e continuamente (re)construídas a partir das condições interativas do campo. Deste modo, pode-se afirmar que a Teoria de Campo forneceu uma fundamentação consistente ao corpo teórico e prático da Gestalt-terapia, por dois motivos principais. Primeiro, por conter as noções de um campo totalitário e contencioso de diversas forças de ação simultânea. A isto, YONTEF (1998) denomina “fatalidade unitária” (p. 184), ou seja, o entendimento de que tudo no campo afeta todo o resto. Segundo, por compreender que mesmo alterações sutis em pequenas partes do campo podem ser percebidas, visto que alteram a totalidade do campo onde estão inseridas. Em Lewin, assim como em Goldstein, as “gestalten” designam o campo amplo das relações do homem com o mundo. GRANZOTTO (2005) explica:

“Lewin, reconheceu no tema do “campo” a melhor formulação da noção de “gestalt”. Essa deixa de ser uma configuração universal a coordenar nosso psiquismo e o mundo, para se transformar na própria dinâmica de constituição e de diferenciação de nossa individualidade frente aos outros e ao mundo. A partir daí Lewin intuiu a necessidade de uma Psicologia escrita nos termos de uma teoria de campo.” (p. 58)

Para HALL e LINDZEY (apud FRAZÃO, 2004), o conceito de campo surgiu antes, na Psicologia da Gestalt, fundamentando o fenômeno da percepção. Grosso modo, a Psicologia da Gestalt explica que a maneira como se percebe um objeto é determinada pelo contexto ou pela configuração total em que o objeto está envolvido. A partir desta constatação última, compreendeu-se que o campo psicoterápico se constitui radicalmente como uma seqüência fluida de fenômenos perceptivos interativos, determinados pelas forças inter-relacionadas presentes no tempo e no espaço. Este aparece em PERLS e col. (1997) como um “campo interacional” (p. 42) e como um “campo de possibilidades criativas” (p. 63). Com efeito, compreendeu-se que o ambiente onde ele ocorre e as maneiras pelas quais as pessoas nele envolvidas se apresentam são também fatores intrínsecos à sua realização.

No contexto clínico, YONTEF (1998) elucida que a Teoria de Campo se refere às forças internas e externas, positivas e/ou negativas, que interagem e influenciam cliente e psicoterapeuta. A percepção de tais fusões é imprescindível para a tarefa psicoterápica gestaltista, o que implica insistir que a “presença do psicoterapeuta” é, na realidade, um modo dinâmico ou uma qualidade de um momento possível no encontro com o cliente, o qual é também um todo dinâmico viável dentre outras tantas alternativas que constituem um campo psicoterápico. A forma de presença psicoterapêutica na clínica contemporânea da Gestalt-terapia aparece implícita nessa equação, a saber: um fenômeno contido no complexo contexto psicoterápico que também compõe uma fatalidade unificada chamada campo.

JACOBS (1997) descreve como a experiência do cliente estar sendo presentificado - ou noutro termo, a experiência de ter outra pessoa presente, em imersão empática sintonizada com o seu mundo subjetivo - capacita-o, ao máximo, a construir as habilidades emocionais necessárias para a sua auto-regulação. Ela conjetura que a experiência da presentificação acontece num contexto “de contato com um terapeuta acolhedor e sintonizado” ( p. 140). Apesar da subjetividade advinda dos adjetivos “acolhedor” e “sintonizado”, o argumento de JACOBS (id.) é válido se subsidiado por outro princípio importante da Gestalt-terapia: a Teoria Paradoxal da Mudança.

A influência teórica e metodológica que a Teoria Paradoxal da Mudança exerceu na Gestalt-terapia aparece em BEISSER (apud SHEPHERD, 1971). Aqui, encontra-se especificadamente correlacionada ao conceito de presença, direcionando os esforços no entendimento deste construto teórico na Gestalt-terapia original. BEISSER (id.), especula que, através da identificação com a existência da pessoa, crescimento e mudança podem ocorrer: “a mudança ocorre quando uma pessoa se torna o que é, não quando tenta converter-se no que não é.” (p. 110). O cerne do paradoxo é que qualquer mudança na esfera do humano só pode ser operada através da aceitação primeira do que e de quem se é, num embate vivo entre aceitação e mudança.

Ora, se BEISSER (apud SHEPHERD, 1971) considera que a mudança, e mais precisamente a mudança no contexto psicoterápico, depende primordialmente da aceitação pessoal daquilo que se é, pode-se dizer que desconsidera o papel dos gestalt-terapeutas enquanto agentes de transformação. Não como menosprezo da tarefa do psicoterapeuta, mas em verdade, compreendendo a imbricação entre cliente e psicoterapeuta como essencial para que haja mudança. Mudança, a saber, advinda genuinamente do abandono de um projeto de mudança, ainda que passageiro, e levando-se em consideração as tão necessárias tendências conservativas - desde que não sejam excessivamente conservativas.

É exatamente na compreensão de que a imbricação entre cliente e psicoterapeuta favorece mudanças, que a Teoria Paradoxal da Mudança de BEISSER (apud SHEPHERD, 1971), solidifica o fenômeno da presença como possibilidade terapêutica e põe a luz o modo através do qual ela opera. Com efeito, esta teoria evidencia que em momentos específicos, na perspectiva do entre e num contexto de aceitação da realidade presente, mudanças podem vir a acontecer. Entendimento semelhante também aparece anteriormente em PERLS e col. (1997), com sua ênfase na noção do campo [campo de presença?]: “o psicoterapeuta não o sabe, não pode fazer crescer o crescimento de outra pessoa – ele simplesmente é parte do campo” (, p. 174). Ainda que consideradas estas bases, são diversos os conceitos atribuídos à presença:

Para Yontef (1998):

“Presença – o terapeuta expressa o terapeuta, em vez de abster-se de expressar o seu self. Com regularidade, critério e discriminação ele expressa suas observações, preferências, sentimentos, experiência pessoal, pensamentos etc., como parte do relacionamento terapêutico. Assim, o terapeuta pode compartilhar a sua perspectiva, modelando um relatar fenomenológico, ajudando no aprendizado de confiança do paciente e na experiência imediata para incrementar a awareness.” (p. 171) 

Segundo Frazão (2004):

“Presença – atitude em que o terapeuta se revela como uma pessoa autêntica que compartilha sua perspectiva de vida sem tentar impô-la, ensinando, através do seu exemplo, como o paciente pode entrar em contato com seus sentimentos e experiências imediatas.” (p. 49)

Conforme Zinker (2001):

“Presença - indica aquele estado especial de estar plenamente aqui com todo o seu ser, corpo e alma. É um modo de estar com [destaque do autor], sem fazer a. A presença implica em estar plenamente aqui - aberto a todas as possibilidades, quando o estar-aqui intrínseco do terapeuta estimula o movimento nas partes mais profundas do eu das pessoas. A presença do terapeuta é o fundo contra o qual a figura do eu do outro ou dos outros pode florescer, brilhar, e destacar-se plena e claramente.

 Quando experiencio a presença de outra pessoa, sinto-me livre para me expressar, para ser eu mesmo, para revelar qualquer parte terna e vulnerável, para confiar que serei recebido sem julgamento ou avaliação. A presença de meu terapeuta permite que eu confronte meus próprios conflitos, contradições, questões problemáticas e paradoxos internos, sem me sentir distraído por diretrizes ou por questionamentos muito específicos. A presença de meu terapeuta permite que eu me confronte comigo mesmo, sabendo que tenho uma testemunha sábia.” (p. 176)

De acordo com Hycner (1997):

“Presença é estar o mais completamente disponível para a outra pessoa num dado momento – sem a interferência de considerações ou reservas. É a consciência que se dirige completamente ao “processo de existir” da outra pessoa. Isso requer que o terapeuta esteja atento à experiência do cliente, mas, simultaneamente esteja atento à sua própria experiência.” (p. 114)

ZINKER (2001) apresenta uma definição a qual, em acordo com FRAZÃO (2004), recai na dicotomia entre gestalt-terapeuta e cliente. Esta dicotomia, contudo, não pode ser posta de lado, mas impõe-se precisamente como o material a ser explicitado para a compreensão do fenômeno da presença. Se o fenômeno da presença é assim observado por diversos autores contemporâneos, pode-se aventar que para estes, ou talvez para boa parte da Gestalt-terapia atual, a presença psicoterapêutica confunde-se, ou reside na presença pessoal do psicoterapeuta, que compreendida desta forma, não se constitui necessariamente enquanto co-presença.

Sob a ótica conceitual de YONTEF (1998), por exemplo, a presença psicoterapêutica pode ser traduzida como uma característica de ação da expressividade pessoal do gestalt-terapeuta dentro do diálogo psicoterápico. YONTEF (1998) faz diversas citações ao termo sob a forma de “presença dialógica curativa” (p. 171) que, na sua perspectiva, consiste numa atitude do psicoterapeuta enquanto sujeito da ação imediata e como objeto de uma ação vindoura. Já a Psicoterapia Dialógica, aqui traduzida no conceito de presença de HYCNER (1995), vislumbra o psicoterapeuta indissociável do seu método e de sua postura. Com efeito, o vê inserido com o seu modo exclusivo de enxergar e de deixar ser enxergado pelo cliente como essência do processo psicoterápico.

Isto posto, sem perder de vista a orientação do pensamento fundamental de PERLS e col. (1997), e tomando também por base a própria fundamentação filosófica que alicerça os estudos e a prática da Gestalt-terapia, cabe ressaltar a ausência, na atual literatura gestáltica publicada em português, de um conceito de presença psicoterapêutica capaz de representar o seu todo complexo. Falta uma definição que consiga mesclar o trabalho técnico com contato e humanidade, sem desconsiderar as suas mais diversas implicações relacionais. Humanidade esta, seguindo as idéias de FAGAN (citado por SHEPHERD, 1980), que inclui a disposição do psicoterapeuta para coparticipar; a sua preocupação e solicitude para reconhecer as tentativas do cliente no sentido do alcance de uma autenticidade mais profunda.

Os conceitos apresentados neste ensaio desembocam no fato de que, para que o tema de vida do cliente possa aparecer e ser alcançado através do encontro psicoterápico, é necessário propiciar o estabelecimento de uma relação autêntica, genuinamente terapêutica. Mas o que é genuinamente terapêutico num encontro psicoterápico? A evolução da Gestalt-terapia sugere que essa problemática prosseguirá eternamente. Mas ora, a Gestalt-terapia considera singular tanto o cliente, quanto o psicoterapeuta, quanto à relação que ambos estabelecem entre si. Por conseguinte, a solução para essa questão tem cunho radical, pois precisa ser compreendida dentro de uma perspectiva também singular e dinâmica. Doravante, compreende-se que o que é terapêutico em um momento do encontro entre os mesmos partícipes pode não sê-lo em outro dado momento, ou em outro encontro.

Não obstante considerar a dinamicidade e excentricidade do encontro analisado sob a luz da abordagem gestáltica, esta autora insiste em enfatizar que a concepção de presença que a Gestalt-terapia traz em seu corpo teórico, ético e clínico possibilita o psicoterapeuta a se apresentar de forma vívida e interessada. Igualmente, legitima a construção de um processo de liberdade e segurança onde o cliente pode viver e re-viver, dar significado e re-significar experiências. Este fato implica na busca do estabelecimento de um vínculo de acolhimento, de compreensão e de aceitação genuína do outro. Dialeticamente, consiste em restaurar a confiança que foi danificada nas relações anteriores por meio da própria confiança. Finalmente, parece recair numa terapêutica restauração do vivido a partir do entre vivido.

Ademais, em meio de todas estas constatações, observa-se na Gestalt-terapia a ênfase no relacionamento pessoal, na presença como um fenômeno psicoterápico relacional, capaz de afetar o fluxo entre autopreservação e crescimento, e entre psicoterapeuta e cliente. Logo, pode-se dizer que as construções teóricas acerca da presença psicoterapêutica para a Gestalt-terapia são teorias de campo em vez de conceituais, desenvolvidas primariamente a partir do entre - seja este evidenciado ou não - e da prática clínica. Pode-se localizar a presença psicoterápica no espaço-tempo unitário, onde e quando gestalt-terapeuta e cliente podem compartilhar o fenômeno ou a sua ausência. São estas as diferenças radicais apresentadas pela literatura gestaltista acerca desta forma de presença diferenciada, encarnada na proposta da Gestalt-terapia moderna.

CONCLUSÕES

A partir da instauração da Gestalt-terapia original, a presença psicoterapêutica passou a ocupar lugar de relevância teórica, ética e prática nesta abordagem como um fenômeno do campo no qual ocorre o processo psicoterápico. Ao mesmo tempo, deslocou o psicoterapeuta dos bastidores da relação concreta para junto com [grifo desta autora] o cliente, no labor terapêutico a que se propõem.

Primeiramente, essa constatação evidencia por que as bases filosóficas e a postura democrática da Gestalt-terapia original constituem temas essenciais para o entendimento e conseqüente tentativa de conceituação do fenômeno da presença psicoterapêutica. Em segundo lugar, explica por que as pesquisas e os atendimentos clínicos norteados pela abordagem gestáltica experimentam e observam a humanidade do psicoterapeuta em contato com a de seu cliente, voltando claramente o enfoque psicoterápico à relação fluida e criativa entre ambos.

Em outro plano, elucida que o psicoterapeuta, com a sua abertura e presença, encontrando o cliente, também com a sua abertura e presença, são capazes de criar um campo seguro para a recuperação do contato, para a intensificação da percepção organísmica e, em conseqüência, para a possibilidade de alcançar o equilíbrio dinâmico natural entre auto-preservação e crescimento. Demonstra que, de qualquer ponto que seja observado, o fenômeno da presença psicoterapêutica tem a sua totalidade expressa na relação. Isto implica dizer que a base da presença psicoterapêutica, portanto, não é constituída por conceitos abstratos, mas é a própria experiência existencial se revelando no na fronteira de contato, aqui-e-agora. Considera que a presença possivelmente começa a operar com a acolhida e o reconhecimento daquilo que se desvela na imediatez da experiência do contato na fronteira, por meio do próprio contato.

Assim, as definições apresentadas nesta pesquisa, em comum acordo com o conhecimento gestaltista, apóiam-se na noção de que a presença psicoterapêutica pertence à esfera do entre. Tal fato implica em duas questões relevantes e consensuais entre os teóricos: (i) ocorre em momentos específicos da relação; (ii) não pode ser técnica. Logo, pode-se concluir que, enquanto um construto fenomenológico-existencial, o termo presença evoca o processo de constituição ontológica do homem no mundo. Desta forma, tem-se a noção clara de que os momentos de presença requerem ser observados como fenômenos fundamentais aos processos de crescimento e desenvolvimento humanos e inter-humanos, bem como essenciais à dinâmica psicoterápica proposta pela clínica gestaltista da atualidade.

Uma outra conclusão importante é que, conforme visto ao longo deste ensaio, a Gestalt-Terapia contemporânea prioriza os momentos de presença como força estruturante da alteridade e, paradoxalmente, estruturada pela alteridade. Assim sendo, os momentos de presença psicoterapêutica apresentam certas propriedades marcantes. Em um sentido, eles possibilitam a dinâmica de constituição da alteridade por meio da dupla confirmação tanto de semelhanças quanto de diferenças (PORTELA, 2004). Num outro sentido, seguindo o princípio fundamental da percepção organísmica (PERLS e col., 1997), constituem um fundo forte o suficiente contra o qual figuras importantes do cliente podem emergir, serem integradas, organizadas e atualizadas como um todo dinâmico, estruturante e estruturado. Assim, a maneira exata como os momentos de presença afetam o processo de crescimento do cliente a partir da sua abertura, é variável. Por vezes funcionam estruturando temas de vida ou desestruturando as suas organizações, o que de forma alguma significa a superioridade de um movimento sobre o outro.

A busca por uma definição concisa do que é a presença psicoterapêutica para a clínica da Gestalt-terapia contemporânea também indica que é contraproducente listar qualidades pessoais e relacionais para compor um arcabouço tipológico. Estar-se-ia destruindo justamente o que o presente estudo pôs em relevo como essencial a um trabalho terapêutico de base gestáltica, a saber: (i) a sensibilidade da experiência única e individual, que acontece a cada encontro psicoterapeuta-cliente; (ii) o respeito pela validade e pela integridade da experiência advinda em cada encontro; (iii) a consideração pela dialética dinâmica que se estabelece ao longo de cada sessão psicoterápica, na alternância entre momentos de presença e de ausência de presença.

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