PSICOTERAPIA DE CASAIS, GESTALT E ANTROPOSOFIA

Autores

  • Rosangela Cunha Cunha

Palavras-chave:

psicoterapias de casais

Resumo

Este estudo dedica-se a reflexão sobre os fenômenos conjugais apresentados do ponto de vista das abordagens gestáltica e antroposófica, ambas com perspectiva existencial e fenomenológica. A Gestalt-terapia busca a integração do ser humano. Tem como proposta o desenvolvimento de potencialidades pessoais valorizando o direito às diferenças e a singularidade de cada ser. Enfatiza o fato de o indivíduo viver em relação. Tem o contato como um conceito chave e elemento básico da relação, sendo fundamental para o trabalho com casais. Contato envolve mobilização de energia e promove aproximação ou afastamento dependendo do que está sendo manifestado, contrastando diretamente com o que se manifesta secundariamente. De acordo com Perls (1977), um bom contato implica em relacionamentos saudáveis. Vários autores ligados à Gestalt como Polster & Polster, (1979), Tellengen, (1984), Yontef, (1998), Ribeiro, (1985), Ginger, (2007) e Silveira, (2012), corroboram essa idéia. A teoria de desenvolvimento proposta por Steiner (1996), fundamenta-se nos fenômenos que ocorrem aproximadamente, a cada sete anos na vida de uma pessoa. Os três primeiros setênios oferecem o suporte necessário para que a individualidade possa atuar de forma livre no cumprimento da sua missão terrena. Os setênios subsequentes conduzem o ser humano para o amadurecimento anímico e espiritual (Lievegoed,2006) As duas abordagens oferecem ferramentas que propõem o desenvolvimento saudável do ser humano através de intervenções que estimulam o contato pleno consigo e com o outro. Um processo fluido que contribui para a formação de um ser integral e único. Ambas descrevem a importância de cada indivíduo viver de acordo com aquilo que é atribuído à sua essência, ao não alienante, para que se sinta pleno em sua existência. A existência da pessoa está contextualizada em um campo. Este campo indivíduo/meio é diferenciado por fronteiras. É na fronteira que existe a possibilidade de ocorrer o encontro. Fronteiras flexíveis são permeáveis e permitem a troca entre o organismo e o meio (Tellengen, 1984). Desta forma, quando duas pessoas se encontram em um contato plenamente desenvolvido, podem preservar a autonomia e manter as identidades separadas em um processo de conexão e separação. A teoria de desenvolvimento baseada nas fases da vida, proposta pela Antroposofia considera os limites e potenciais que o ser humano pode desenvolver individualmente, assim como nos relacionamentos. Esse olhar está diretamente relacionado ao conceito de fronteira e da qualidade de contato proposto pela teoria gestáltica para o verdadeiro encontro que pressupõe mudanças. As mudanças ocorrem quando a pessoa lança mão do seu potencial criativo. A capacidade de lidar com situações novas, ultrapassando impedimentos, reconfigurando posturas e ações para outra(s) direção (ões). FASES DOS DESENVOLVIMENTO CONJUGAL Bernard Lievegoed foi um médico holandês, psiquiatra antroposófico que trabalhou com problemas do desenvolvimento humano. A partir de suas observações e experiências, apresentou uma proposta de abordagem da evolução humana, com base nos pressupostos teóricos de Rudolf Steiner, sob os aspectos biológicos, psíquicos e espirituais (Lievegoed, 2006). Para Lievegoed(2006), homens e mulheres se completam pois, como em todas as formas elevadas de vida, precisam um do outro para assegurar a continuidade das espécies. Desde que o indivíduo é uma trindade de corpo, psique e espírito, o caminho espiritual da individuação tomará rumos diferentes nos homens e nas mulheres (Lievegoes, 2006, p.75). A pré-puberdade é o período em que o indivíduo descobre a sua própria sexualidade, a menina tem a primeira menstruação e o menino as primeiras ereções e ejaculações noturnas. Revelam-se para o adolescente um mundo de descobertas e experiências. Uma variedade de sentimentos pode ser experimentada e serve de base para a fase intermediária da vida, em torno dos quarenta anos, quando o adulto pode transformar as experiências da juventude em amadurecimento, colaborando para a compreensão mútua, aceitação e o perdão no relacionamento. Neste período da vida o indivíduo começa a ter consciência tanto da sua masculinidade quanto da sua feminilidade. Segundo Lievegoed (2006, p.81), “Nas profundezas da alma há uma imagem ideal que completa a própria alma do indivíduo”. Os relacionamentos acontecem em busca do reconhecimento maduro do parceiro e todas os relacionamentos vividos anteriormente podem colaborar para enriquecer esse processo. O erotismo descoberto na adolescência passa a ser, em torno dos vinte anos, vivenciado na alma e pode crescer na relação com o parceiro. Porém, relacionamentos fundamentados apenas na atração sexual tendem a não se firmar pela superficialidade podendo gerar insatisfações e sentimentos de solidão (Burkhard, 2001b). Em torno dos trinta anos o erotismo parece perder o brilho. A necessidade de algo mais profundo e essencial surge no relacionamento, possibilitando o desenvolvimento da consciência e da confiança mútua. Esses conteúdos servem futuramente, de sustentação para a relação evoluir ao encontro do amor genuíno, em comunhão espiritual, aliado ao desabrochar da cultura familiar (Burkhard, 2001b). Por volta dos quarenta anos há um momento de crise. É um momento em que a consciência de si fica mais evidente. A incapacidade de identificar o próprio lado sombrio e a percepção do lado sombrio do parceiro gera perturbações e irritações. Portanto, para que haja aceitação do parceiro, é necessária a aceitação de si mesmo. Dos defeitos e qualidades, do reconhecimento da essência de si e do outro. Chega nesse período também o início do declínio do organismo biológico, e é comum o desejo por parceiros bem mais jovens. Para que o relacionamento continue crescendo saudavelmente, é necessário que receba cuidado, para que possa atingir a maturidade na década dos cinqüenta, possibilitando o desenvolvimento do amor generoso e não exigente (Burkhard, 2001b). De acordo com Burkhard (2001b), os três aspectos básicos do ser humano devem ser considerados. O espiritual, que representa a individualidade, suas potencialidades e metas de vida; o físico, que é a parte visível do homem e o anímico, formado pelo pensar, sentir e agir que desabrocha com o amadurecimento do corpo físico, por volta dos vinte e um anos. A análise das fases da vida, proposta por Lievegoed (2006) pode ser aplicada ao desenvolvimento da vida conjugal, auxiliando nas crises e desafios no seu desenvolvimento e crescimento. O início de cada casamento tem uma história que passa por fases e ritmos que exigem transformações. É a chance de conhecimento profundo entre duas pessoas. Em torno dos sete primeiros anos de convivência, as diferenças mútuas tornam-se aparentes. Nesse período é comum a manifestação da complementaridade, e a escolha dos parceiros ser realizada a partir de qualidades não encontradas em si mesmo (Burkhard, 2001b). Burkhard, 2001b explica que o segundo ciclo do casamento, após os sete primeiros anos, inicia-se a luta por uma independência maior. Ela é necessária e saudável, o que possibilita o crescimento da anima no homem, por exemplo, a partir da expressão do afeto dirigido à esposa e filhos e do animus na mulher quando, por exemplo, ela se impõe aos filhos exercendo autoridade e domínio. Essa separação das individualidades permite a integração da anima e do animus em cada um dos pares, tornando viável o surgimento de um novo relacionamento sustentado no amor verdadeiro e no companheirismo, aprofundando a relação. É comum nessa fase o recolhimento e a busca de uma intimidade do casal expressando a necessidade de garantir a privacidade e o espaço interior próprio, porém se ambos estiverem voltados apenas para seus próprios projetos, pode ocorrer um grande distanciamento. Ainda segundo a autora (2001b), em um terceiro momento da vida conjugal pode ocorrer uma crise semelhante a da adolescência. É uma oportunidade para superar rotina, desgastes e vazio. O olhar crítico para o outro é muito presente como se o parceiro fosse responsável por suas próprias insatisfações. Os valores são questionados. A consciência da relação ganha sentido mais amplo, sendo necessário o respeito ao espaço interior de cada um dos parceiros. A maturidade nesse momento pode ser maior, auxiliando o crescimento do amor espiritual, contribuindo para o desenvolvimento do outro, porém com a coragem de defrontar-se com o seu próprio interior, buscando o seu espaço físico, anímico e espiritual. A autenticidade se faz necessária. Na fase seguinte por volta dos 42 aos 49 anos de idade, acontecem algumas alterações físicas no homem e na mulher; as forças vitais começam a ser liberadas afetando principalmente os membros inferiores e órgãos sexuais, que geram alterações na sexualidade. Muitas separações ocorrem nessa época. A anima não desenvolvida provoca no homem a sensação de rejeição e vingança, projetando a culpa desses sentimentos na parceira. Por outro lado, o animus não desenvolvido poderá deixar a mulher impedida de manter o diálogo na relação, demonstrando autoritarismo, disciplina e ordem exacerbada (Burkhard, 2001b). Posteriormente, entre os 49 e 56 anos de idade, o casal vivencia a menopausa na mulher e andropausa no homem, a possibilidade da aposentadoria, e se tiveram filhos que tornaram-se independentes, pode haver uma maior liberdade para a relação. Se não superaram a fase das criticas dirigidas ao parceiro em função das projeções de partes alienadas de cada um, agora as implicâncias podem ser ainda maiores. Finalmente, a partir dos 56 anos as limitações físicas vão se intensificando, porém o amor, o companheirismo, a solidariedade podem consolidar a relação principalmente para aqueles que vivenciaram satisfatoriamente a si mesmos como um ser inteiro integrando anima e animus. A linha de desenvolvimento proposta por Lievegoed (2006) é um mapeamento que possibilita identificar o momento presente, a análise passada e possibilidades futuras. O autor compara a biografia humana a uma sinfonia que o próprio homem compõe. O conhecimento das dinâmicas das fases da vida, dos enfrentamentos e possibilidades que cada faixa etária considera nos campos físico, anímico e espiritual, pode contribuir positivamente para o processo de awareness. Entrando em contato com situações inacabadas, buscando soluções, aceitando situações, estabelecendo diálogos nas esferas afetivas, cognitivas e sensoriais. Uma vez que a Gestalt-terapia pode contribuir na resolução de conflitos na psicoterapia de casais e a Antroposofia propõe ampliar o conhecimento nessa área da vida humana, essa associação pode ser fundamental para o entendimento das preocupações e postulações humanas nos relacionamentos conjugais através da compreensão dos processos anímicos, físicos e espirituais, tanto no campo individual quanto sob a perspectiva do casal. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Burkhard, G. Homem – Mulher A Integração como caminho de desenvolvimento. São Paulo: Antroposófica, 2001b. Ginger, S. Gestalt A Arte do Contato. São Paulo: Summus, 2007. Lievegoed, B. Fases da Vida: Crises e Desenvolvimento da Individualidade. São Paulo:Antroposófica, 2006. Perls, F.S. Isto é Gestalt. São Paulo: Summus, 1977. Polster, E & Polster, M. Gestalt-Terapia Integrada.Belo Horizonte: Interlivros, 1979. Ribeiro, J.P. Gestalt-Terapia: Refazendo um Caminho. São Paulo, Summus, 1985. Silveira, T. M. Caminhando na corda bamba. Gestaltterapia de casal e família. Disponível em: http://www.igt.psc.br/revistas/seer/ojs/viewissue. php?id=4. Acesso em: 14 jun 2012. Steiner, R. Andar, Falar, Pensar. São Paulo: Antroposófica, 1996. Tellengen, T. A. Gestalt e grupos: uma perspectiva sistêmica. São Paulo: Summus, 1984. Yontef, G. M. - Processo, Diálogo e Awareness Ensaios em Gestalt-Terapia. São Paulo: Summus. 1998. Palavra 1: Gestalt Palavra 2: Antroposofia Palavra 3: Psicoterapia de Casais Modalidade de apresentação: Comunicação/ tema livre Área de concentração: Interdisciplinaridade e novas interfaces (com outras práticas)

Publicado

2015-12-01