Compulsão sexual: quando o prazer vira tortura

Autores

  • suelen regueiro cernadas

Palavras-chave:

compulsão sexual

Resumo

A sexualidade faz parte do ser humano e beneficia a saúde física e emocional. É um processo que se inicia em nosso nascimento, vai até a nossa morte e envolve, além do nosso corpo, nossa história, nossos costumes, nossa cultura. A vivência da sexualidade é própria de cada ser humano, é subjetiva, é uma dimensão da liberdade humana e está relacionada com a busca do prazer físico e emocional. A compulsão pode surgir a partir de ideias persistentes e recorrentes, podendo apresentar comportamentos repetitivos ou exagerados. Neste caso, a vida do indivíduo pode ficar comprometida a partir do momento em que ele passa a ter sofrimentos físicos e emocionais, comprometendo as atividades interpessoais. É importante distinguir o desejo sexual da compulsão. O desejo sexual é como um apetite, uma vontade que surge num determinado momento em busca de um prazer e/ou uma satisfação. Na compulsão sexual, o indivíduo não tem controle sobre sua vontade, pensamentos e ações. Ele começa a pensar somente em sexo e começa a direcionar sua vida somente para isso, buscando uma satisfação que nunca encontra. O individuo pode perder a capacidade de se relacionar afetiva e socialmente e o sexo pode tornar-se a única forma de se relacionar com o mundo. Muitas vezes, os compulsivos sexuais utilizam o sexo pago e a internet como tentativas de se satisfazer. Com o tempo, sua vida pessoal, profissional e social podem ir se deteriorando, podendo até mesmo deixar de lado família e amigos. Segundo o Dicionário escolar da língua portuguesa (2008, p. 332) compulsão é “impulso irresistível para fazer coisas fora do controle; coação”, ou seja, obrigar, forçar ou constranger algo ou alguém. A compulsão sexual se caracteriza por episódios frenéticos de busca por atividade sexual, comprometendo suas relações interpessoais, gerando um sofrimento e prejuízo muito grande. Abdo (2012, p. 227), “reconhece o impulso sexual excessivo, ou a compulsão sexual, pela falta de controle dos impulsos, a qual resulta em incapacidade de resistir ao desejo de realizar atos sexuais. É uma disfunção caracterizada por tensão crescente antes da realização de tais atos, seguida de prazer, gratificação ou alívio pela execução dos mesmos”. Este comportamento pode decorrer com a intenção de aliviar dor e angústia devido a sentimentos de inferioridade, autoestima negativa, constrangimento que surgem a partir de buscas incansáveis destes ‘alívios’. Uma pessoa pode não conseguir satisfazer seus desejos sexuais e por isso sentir a necessidade de ter várias práticas sexuais seguidas com intuito de ‘alimentar’ constantemente a vontade de praticar o ato. A gratificação que segue a ação, seja ela através do prazer ou alívio do desprazer, reforça o impulso da pessoa a repeti-lo, porém com o tempo, depois desse alívio imediato, segue-se uma sensação negativa por não ter resistido ao impulso. Mesmo assim, a recompensa inicial permanece mais forte, levando-a novamente a repetição. Perls Hefferline e Goodman (1997, p. 101) definem a compulsão neurótica à repetição como “sinal de que uma situação inacabada no passado ainda está inacabada no presente. Todas as vezes que uma tensão suficiente se acumula no organismo para tornar a tarefa dominante, tenta-se novamente encontrar uma solução”. Na compulsão sexual, o indivíduo tem uma necessidade e não tem um fechamento deste processo, continuando figural, e assim, ele continua repetindo este padrão indefinidamente (mesmo que o indivíduo chegue ao orgasmo). Quanto mais ele repete este padrão, mais persiste sua compulsão, impedindo “o contato final no novo ajustamento porque não se conhece todo o interesse à figura” (PHG, 1997, p. 233). É importante destacar que as atitudes compulsivas é que são inadequadas e não o desejo ou instinto. A compulsão se intensifica quando a pessoa começa a apresentar modificações relevantes no comportamento como ir constantemente ao banheiro para se masturbar, ou até mesmo sair em busca de um/uma parceira durante o expediente de trabalho, deixando de conviver com outros indivíduos. A pessoa começa a perceber que sua compulsão por sexo está atrapalhando sua vida cotidiana, quando fracassa em controlar seus atos impulsivos, quando prejudica suas atividades laborativas e sociais, quando ele tenta disciplinar seus pensamentos e suas fantasias e não consegue. Torna-se cada vez mais difícil para ela libertar-se destes pensamentos e comportamentos começando a desenvolver uma rotina sexual crescente que precisa ser saciada naquele momento, não importando como e com quem. É um movimento torturante e interminável em que o prazer passa a ser um tormento. O compulsivo interrompe a awareness entre a ação e o contato e “não se sente em contato com o entorno e, às vezes , experiencia esvaziamento ou superficialidade em sua vida interior. Costuma tentar compensar sua sensação de vazio abusando de sexo, comida ou drogas.” (Zinker, 2007, p. 126). Para que o indivíduo possa satisfazer uma necessidade ou fechar uma figura é preciso fazer contato. Porém, para o compulsivo, o ciclo de contato não fecha, pois suas ações não atendem sua real necessidade e, por isso, a repetição do ato sexual não cessa. Para Ribeiro (2007, p.53) “contato é saúde. Saúde é contato em ação. Qualquer interrupção do contato implica uma perda na saúde. Contato é processo de autorregulação organísmica”. Ribeiro (2007, p. 99) afirma que “todo sintoma é uma forma desesperada, criada pelo organismo para tentar se autorregular... Não deve ser sufocado, destruido a priori, pois sua função é revelar um aspecto oculto da totalidade, e é por intermédio dele que poderemos atingi-lo”, ou seja, o contato. Pessoas compulsivas por sexo são pobres em fazer contato, elas simplesmente agem impulsivamente e, muitas vezes não estão aware de suas sensações, sentimentos e ações. “Para Gestalt terapia, é do equilíbrio h omeostático que depende a saúde do indivíduo” (Kyan, 2006, p. 152). Se uma parte dele está ‘doente’, como na compulsão sexual, consequentemente afetará todas as outras partes de sua vida, ou seja, o todo. Em gestalt terapia o objetivo é identificar, reconhecer sentimentos, sensações e ações para que o indivíduo possa sair desta repetição. Ajudar o compulsivo a tonar-se consciente de seu comportamento e suas consequências para que ele aprenda a verbalizar claramente como e em que sentido ele está em contato com sua sexualidade. “Mudar significa resignificar coisas, pessoas e, sobretudo, a própria existência. Não é um ato da vontade apenas, é um ato integrado, envolvendo a pessoa na sua relação com o mundo como uma totalidade consciente” Ribeiro (2007, p. 35). Ampliar awareness do seu corpo, sentimentos, ambientes e necessidades para que consiga desenvolver habilidades que possam satisfazê-lo sem desrespeitar o outro e a si próprio. “Se o abismo entre as sensações básicas e o comportamento mais complexo pudesse ser fechado, provavelmente haveria menos exemplos de ações incongruentes ou fora-de-contato” (Polster e Polster, 2001 p. 218). Responsabilizar-se por suas escolhas tornando sensível ao ambiente para que seja capaz de se proteger nos momentos em que lhe forem potencialmente tóxicos ou desnutritivos. É muito importante estar aware e confortável de suas fantasias, vontades e desejos para que sua prática sexual seja mais segura e consciente para que perceba o quão torturante está sendo para ele mesmo. Para Abdo (2012, p.232) “a educação sexual, dada pela família ou pela escola, favorece o desenvolvimento afetivo-sexual saudável e a prevenção deste transtorno”. A existência de rede de suporte familiar, social e ocupação laborativa são fatores que favorecem o prognóstico. Fazer contato com suas escolhas, desejos e vontades e se responsabilizar por elas levam a um contato pleno “em que as funções sensitivas, motoras e cognitivas se juntam, num movimento dinâmico dentro... fora... dentro, para, através de uma consciencia emocionada, produzir no sujeito um bem estar, uma escolha, uma opção real por si mesmo” (Ribeiro, 2007). Referências Bibliográficas ABDO, C. Sexualidade humana e seus transtornos. São Paulo: Leitura Médica, 2012. Dicionário escolar da língua portuguesa / Academia Brasileira de Letras. 2.ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008. KYAN, A. M. M. E a gestlat emerge: vida e obra de Frederick Perls. São Paulo: Altana, 2006. PERLS, F.; HEFFERLINE, R.; GOODMAN, P. Gestalt terapia. São Paulo: Summus, 1997. POLSTER E.; POLSTER M. Gestalt terapia Integrada. São Paulo: Summus, 2001 RIBEIRO, J. P. O ciclo do contato. São Paulo: Summus, 2007. ZINKER, J. Processo Criativo em Gestalt terapia. São Paulo: Summus, 2007. Palavra 1: compulsão sexual Palavra 2: contato Palavra 3: repetição Modalidade de apresentação: Comunicação/ tema livre Área de concentração: Clínica e supervisão

Publicado

2015-12-01