FORMAÇÕES SUPEREGOICAS: AMPLIAÇÃO DA CLÍNICA DA NEUROSE EM PHG

Autores

  • Marcos José Granzotto

Palavras-chave:

AMPLIAÇÃO CLÍNICA

Resumo

De todas as clínicas concebidas por PHG na obra Gestalt-terapia, mais especificamente, a da neurose, da psicose e do sofrimento, a única efetivamente desenvolvida por aqueles foi a primeira. Metade do que foi escrito na terceira parte (Teoria do self ) do segundo volume daquela obra trata desta forma de ajustamento criativo conhecido como “neurose”. E a definição mais importante que os autores fornecem sobre a neurose tem que ver com a hipótese de ela ser: uma interrupção muscular e habitual dos excitamentos requeridos nas relações de campo, sem que tal interrupção tivesse sido demandada ou exigida pelo contexto social. Noutras palavras, em situações sociais aparentemente não coercitivas, os corpos envolvidos operam como se estivessem sendo ameaçad os, razão pela qual inibem involuntária e inconscientemente as excitações provocadas no próprio evento social. A consequência dessa inibição habitual é que os corpos restam divididos em seus modos de agir. Por um lado, estão sempre lidando com a ansiedade resultante da repetição inconsciente da defesa muscular contra algo que nem mesmo eles sabem do que se trata. Por outro lado, porquanto estão tentando aplacar a ansiedade, os corpos não conseguem realizar as tarefas sociais demandas. Razão pela qual precisam então “manipular” os outros corpos presentes à cena para que estes realizem as tarefas requeridas. À título de resumo poderíamos dizer que a neurose, por um lado, é a inibição inconsciente dos excitamentos surgidos, por outro, a “manipulação” social dos outros corpos para que estes realizem as tarefas requeridas na situação social. Os autores PHG desenvolvem com muito detalhamento a teoria da inibição. Dedicam-se, especialmente, a descrever a gênese da inibição inconsciente e a temporalidade de sua repetição nas situações sociais. Falam, em primeiro lugar, dos conflitos políticos que obrigam os corpos a inibirem, de forma deliberada, os excitamentos que não estão de acordo com as expectativas sociais dominantes. Depois falam da formação dos hábitos inibitórios e respectivas repetições na atualidade das situações. No que diz respeito à repetição dos hábitos inibitórios, vale destacar que, para PHG, uma vez retidas como hábitos, as inibições antes deliberadas agora aparecem “simultaneamente”: 1) como interrupção inconsciente de nossa aceitação passiva aos excitamentos surgidos a partir das demandas sociais (interrupção do pós-contato relativo aos excitamentos provenientes de eventos passados), 2) como interrupção da emergência da curiosidade atual desencadeada pelos excitamentos (interrupção do pré-contato com os “efeitos” dos excitamentos - vindos do passado - junto à atualidade da situação), 3) mesmo como interrupção das ações mobilizadas pelos excitamentos (interrupção do ato de se estar contatando modos de operar com os excitamentos na direção do futuro), 4) ou como interrupção da satisfação que acompanha a concreção das ações (interrupção dos contatos finais que poderiam suceder no futuro). Aqui é preciso notar que estas diferentes formas de interrupção muscular e inconsciente dos excitamentos não constituem etapas de um ciclo ou processo natural. São todas elas possibilidades inscritas em um só momento, as diferentes caras da inibição reprimida, atuando conforme a orientação temporal determinada pela demanda social proposta por um interlocutor (ou em direção ao passado ou em direção ao futuro). Para o trabalho clínico, a sua vez, o que diferencia cada um desses momentos é simplesmente a perspectiva com a qual se olha para o evento de campo (na direção do passado, como no caso do pós e do pré-contato, ou na direção do futuro, como no contatando e do contato final). Mas, como dissemos acima, não obstante a inibição reprimida tentar de todo modo interromper com nossa musculatura a emergência de qualquer excitamento, o que ela não pode evitar é que o demandante continue a propor suas expectativas, necessidades, pensamentos, enfim, demandas múltiplas. E o corpo (função ato ou ego fenomenológico), parcialmente privado em sua motricidade e percepção pela inibição, tampouco tem força suficiente para responder às demandas. Eis por que ele fará algo muito criativo, um verdadeiro ajustamento no campo, que é a “manipulação” de um terceiro, para que este realize o que o demandante exige. Se o demandante exige que meu corpo sinta paixão por alguém, porquanto minha sensibilidade está inibida (seja no pós ou no pré-contato), vou manipular, por exemplo, meu terapeuta para que me ensine a fazê-lo, ou que, então, apaixone-se por mim (caso a inibição tivesse recaído sobre a ação), ou que pelo menos adie minha implicaà _ão na tarefa (se o que estiver inibido for o contato final). Vou pedir para meu terapeuta ser “meu mestre” (quando a inibição do pós-contato me tirar as forças para sentir), minha “lei” (quando a inibição do pré-contato acabar com minha curiosidade), ou meu “algoz” (como se não tivesse sido a inibição que me privasse de agir), ou meu “cuidador” (já que não posso dizer por que a inibição me impede de agir), ou meu “fã” (pois, ao menos sei que se não faço não é porque não quero, mas porque não posso). E o resultado de tudo isso é que aprendi, respectivamente e conforme a terminologia de PHG, estratégias “confluentes”, “introjetivas”, “projetivas”, “retroflexivas” e “egotistas” de manipular o terapeuta para que ele se encarregasse da tarefa demandada por minha família, amigos, empregadores (...), e para qual já não tinha força, já não tinha corpo para realizá-la, já que o corpo estava inibido. O que sucede, então, é que os terapeutas, assim como as pessoas da minha família e comunidade, podem recusar-se a participar de minhas manipulações. E já não terei mais como desfazer-me do demandante e dos excitamentos que tampouco entendo por que não os posso sentir. A situação fica muito ansiogênica e eis então que algo em mim, supostamente a própria inibição habitual (ou reprimida) começa a radicalizar-se seja por meio de um ataque a mim ou por meio de um ataque ao demandante ou ao terapeuta (caso este represente aquele). Estamos diante do fenômeno que PHG denominaram de “formação reativa”. E tudo estaria relativamente claro, do ponto de vista teórico, não fosse o fato de PHG aproximarem a formação reativa da noção freudiana de “supereu” (PHG, 1951, p. 259). Mais do que isso, PHG vão dizer que, enquanto supereu, a formação reativa é um modo de operar com as introjeções assimiladas (confluência com uma introjeção, o que nos daria a culpa; projeção de uma introjeção, o que nos daria a pecaminosidade, e assim por diante...). Nas palavras dos autores (PHG, 1951, p. 259): “1) a confluência com nossos introjetos é o sentimento de culpa, 2) a projeção dos introjetos é a pecaminosidade, 3) a retroflexão dos introjetos é a rebeldia, 4) o egotismo dos introjetos é o conceito de ego, 5) a expressão espontânea dos introjetos é o ideal de ego. Ora, como entender essas criações no campo clínico? Qual lugar ético ocupar diante delas? Eis aqui o objetivo deste minicurso, que versará sobre as formações superegóicas sugeridas por PHG e aqui apresentadas como proposta de ampliação da clínica da neurose. Este minicurso, ademais, implicará uma releitura de nossa própria maneira de apropriar-nos das teorias de PHG. Público-alvo: Profissionais e estudantes.

Publicado

2015-12-01