Gestalt-Terapia com crianças: teoria e prática

Autores

  • Luciana Aguiar

Palavras-chave:

gestalt-terapia, crianças, infantil, Gestalt

Resumo

Nesse curso, temos como objetivo apresentar uma visão geral dos pressupostos teóricos e técnicos da Gestalt-Terapia com crianças no que concerne a clinica da neurose, destacando sua visão de ser humano e de mundo e suas inevitáveis implicações na metodologia de trabalho com a criança e o campo do qual faz parte, bem como refletir acerca das possíveis questões pessoais do psicoterapeuta suscitadas com esse trabalho. A Gestaltterapia vem obtendo gradativamente acentuado destaque no cenário da Psicologia Clínica e mostrando-se como um meio efetivo de trabalho psicoterapêutico com crianças. Particularmente no que diz respeito ao trabalho clinico com crianças, destacamos os estudos realizados com a preocupação de fundamentá-la em uma sólida concepção de ser humano e de desenvolvimento e as propostas mais sistematizadas de atuação do psicoterapeuta na situação clinica. (Aguiar, 2005; Antony, 2012) De acordo com a Gestalt-Terapia, a criança é percebida enquanto um ser global que possui a capacidade de auto regular-se em sua interação com o mundo, buscando a partir de seus recursos internos iniciais, satisfazer suas necessidades físicas, cognitivas e emocionais nessa interação. É vista como uma totalidade singular, que se desenvolve através da relação ativa e ininterrupta com as forças do campo do qual é parte integrante e só pode ser entendida a partir desse contexto de forças que se intercruzam e interagem, o que significa considerar uma inevitável vinculação entre fatores emocionais, cognitivos, orgânicos, comportamentais, sociais, históricos e culturais. O desenvolvimento saudável é aquele que se caracteriza por um processo de auto-regulação satisfatório que possibilita uma progressiva inserção da criança no mundo com a concomitante ampliação de seus recursos globais para lidar com as vicissitudes e complexidades do mesmo. A família reveste-se de profunda importância na compreensão diagnóstica da criança que, sob as mais variadas formas de sintomas, apresenta dificuldades para interagir com o mundo satisfatoriamente. Tais sintomas, na clinica das neuroses, se apresentam sob a forma de comportamentos rígidos e estereotipados, pela presença de ajustamentos evitativos e de bloqueios e distorções no uso das funções de contato. A finalidade da psicoterapia é a de restaurar a capacidade plena de auto-regulação da criança, dentro de seu contexto familiar e social, bem como a de capacitar sua família a construir formas mais saudáveis de relação entre seus membros. Assim, o processo terapêutico em gestalt-terapia com crianças tem o objetivo de resgatar o curso satisfatório de seu desenvolvimento, propiciando oportunidades, conforme diz Oaklander (1992), de reencontrar a vivacidade e o contato pleno com o mundo através da desobstrução de seus sentidos, do reconhecimento do seu corpo, da identificação, aceitação e expressão de seus sentimentos suprimidos, da possibilidade de realizar escolhas e verbalizar suas necessidades, bem como de encontrar formas para satisfazê-las, além de aceitar quem ela é na sua singularidade. Acontecerá tendo como fio condutor a relação estabelecida entre a criança e o psicoterapeuta, experienciada em um espaço e enquadre específicos. Utilizamos o método fenomenológico, com o uso de técnicas específicas, na exploração dos recursos lúdicos oferecidos à criança, como forma de facilitar a expressão de suas modalidades relacionais. Tais intervenções visam ampliar a consciência da criança acerca de sua forma de ser e estar no mundo, capacitando-a a novas escolhas e a construção de recursos mais efetivos para lidar com as situações que a vida apresenta. Observamos um predomínio da linguagem lúdica em detrimento da linguagem verbal da criança que, em muitos casos, ainda se encontra em franco desenvolvimento. Por isso utilizamos recursos lúdicos – estruturados ou não – para facilitar a expressão e a comunicação no espaço terapêutico, e várias técnicas para explorá-los nas diversas atividades realizadas ao longo das sessões. O método da Gestalt-Terapia possibilita que a criança, através das intervenções descritivas do psicoterapeuta, construa gradativamente o significado do material que traz para a sessão terapêutica, sem a interferência de qualquer “a priori” do psicoterapeuta, seja ele de caráter teórico ou oriundo de seus próprios valores. Para que o psicoterapeuta possa manter-se dentro de uma atitude fenomenológica, ou seja, realizando intervenções descritivas sem “a prioris”, é fundamental que ele mantenha suas crenças, seus valores, e suas necessidades “entre parênteses”. Isso implica em uma suspensão de seu juízo de valores tanto na compreensão quanto na condução de qualquer situação terapêutica. O psicoterapeuta acompanha a criança ao longo da sessão, sem direcioná-la, sem sugerir atividades ou recursos, sem iniciar assuntos ou encaminhar a discussão para um ou outro tema, facilitando com isso a obtenção de awareness por parte da criança a respeito de sua experiência naquele momento, naquele espaço e naquela relação, ajudando-a a não julgar seu processo nem desprezar ou alienar aspectos de si mesma. Seja qual for o recurso lúdico escolhido pela criança ou a técnica utilizada pelo psicoterapeuta, o ponto central de qualquer processo terapêutico é a relação que se estabelece entre eles. Antes de qualquer coisa, é a relação que podemos caracterizar como realmente “terapêutica”, ou seja, como o que de fato vai fazer diferença na possibilidade de reconfigurações mais satisfatórias na criança e em seu meio. Para que ela se estabeleça é necessário a adoção de uma atitude dialógica caracterizada pela presença genuína do psicoterapeuta na relação, pela sua inclusão, ou seja, pela sua capacidade de se pôr no lugar da criança e pela possibilidade de confirmação da criança e de todo o seu potencial.(Jacobs, 1997). Estas características permitem que o processo terapêutico seja regido pelos princípios básicos da aceitação, permissividade e respeito pela criança. Se encararmos o espaço terapêutico e a relação terapêutica como essencialmente permissivos, concluiremos que serão poucos os limites estabelecidos nesse campo. Embora escassos, são extremamente importantes, pois, por um lado, propiciam a vivência da frustração e da possibilidade de superá-la de forma criativa e satisfatória, e, por outro, da sensação de proteção e cuidado fornecida pelo “contorno” que o limite imprime. Em psicoterapia, utilizamos o critério da integridade para o estabelecimento de limites. Ele diz respeito a três modalidades de integridade: a da criança, a do psicoterapeuta e a do espaço terapêutico. Dessa forma, apesar de falarmos o tempo inteiro em permissividade, isso não significa ausência total, mas um número reduzido e inquestionável de limites que visa particularmente a segurança do campo total criança/psicoterapeuta. O espaço físico onde se desenrolará a psicoterapia é importante porque será o espaço que funcionará como receptáculo de tudo o que surgir no encontro terapêutico. É necessário que seja bem iluminado, com cores alegres e brilhantes, e recursos que convidem e permitam à criança a compartilhar seu mundo com o psicoterapeuta, através de todas as suas funções de contato. Os critérios básicos para a escolha dos recursos lúdicos são: segurança e relevância para a tarefa terapêutica. Por segurança, entendemos recursos de boa qualidade, produzidos com material atóxico, que não sejam facilmente quebráveis, fortes o suficiente para manipulações mais rudes e que não ofereçam nenhum tipo de risco. Qualquer uso dos recursos que possam colocar em risco a integridade da criança, do psicoterapeuta ou do espaço – uma tesoura para agredir o psicoterapeuta, tinta atirada nas paredes ou ainda um barbante apertado em torno do pescoço - deve ser imediatamente limitado segundo os princípios básicos de apresentação de limites.Quanto à relevância dos recursos para a tarefa terapêutica, os critérios de aquisição precisam estar focados naquilo que eles podem oferecer como estímulo para a criança compartilhar sua experiência. Sob o ponto de vista fenomenológico da Gestalt-Terapia, a técnica serve para facilitar, fomentar, fazer emergir e desenvolver o material apresentado pela criança. Ela pode ser utilizada na forma de descrições, questionamentos ou de experimentos. Poderá incidir sobre a linguagem verbal da criança, sobre seu comportamento total na sessão terapêutica, sobre sua relação com o psicoterapeuta ou ainda sobre sua relação com os responsáveis. Ela incidirá sempre sobre o conteúdo e o processo da sessão terapêutica, em um ininterrupto movimento de figura e fundo. A finalização do processo terapêutico se dá no momento em que, além do total desaparecimento dos sintomas iniciais, observamos uma série de indícios que sinalizam o crescimento e resgate do funcionamento saudável da criança e do campo do qual ela faz parte. Público-alvo: Estudantes e profissionais de Psicologia que queiram conhecer a proposta da Gestalt-Terapia com crianças.

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Publicado

2015-12-01