Percurso da Terapia Familiar Gestáltica no Rio
de Janeiro
Fernanda
Teixeira Sobre a Autora
Roberta
Domingues Sobre a Autora
Monografia apresentada
por exigência do curso de especialização em Gestalt Terapia, com ênfase em
Terapia Familiar do IGT – Instituto de Gestalt Terapia e Atendimento Familiar,
como um dos requisitos para obtenção do título de Especialista. Junho de 2005
3.1 Breve
histórico da Terapia Familiar Sistêmica
3.2.......... Breve
histórico da Gestalt-Terapia no Rio de Janeiro
4. Características dos Gestalt-terapeutas pioneiros no
trabalho com famílias no Rio de Janeiro
4.1 O
Terapeuta Familiar de Abordagem Gestáltica: O perfil encontrado em nossos
relatos.
5. Perspectivas da Terapia Familiar
na Gestalt-Terapia
Ao IGT (Instituto de Gestalt-Terapia e Terapia
Familiar) que sempre foi e continua sendo nosso jardim, onde cultivamos nossas
sementes e vimos nascer as flores da Gestalt-Terapia e da Terapia Familiar,
sustentadas por solo fértil e muito promissor.
Em especial, aos nossos supervisores:
Marcelo Pinheiro, que além de ter conduzido nossa dupla em extensas
supervisões, somou à elas a orientação deste trabalho e Márcia Estarque (e seu
tão esperado bebê) que contribuiu de diversas formas para esta monografia, como
supervisora, primeira entrevistada e apoio incontestável para as dúvidas de
última hora.
Aos nossos entrevistados: Heloisa
Rodrigues, Márcia Estarque, Sandra Salomão, Sergio Garbati e Terezinha M. da
Silveira, que nos atenderam com extrema prontidão e permitiram que nosso
trabalho nascesse e se desenvolvesse.
À Silvana Mendes Lima, supervisora de
Fernanda Teixeira, que foi de grande auxílio na elucidação de nossa
metodologia, tão indispensável à pesquisa científica.
Resumo
O presente trabalho
pretende traçar o percurso da história da Terapia Familiar de abordagem
gestáltica no Rio de Janeiro, delimitando seus contornos e particularidades e
avaliando seus reflexos, tanto para a comunidade terapêutica como para a
sociedade em geral. Para isso, utilizamo-nos especialmente da história oral,
colhendo relatos de psicólogos que contribuíram de forma significativa para o
desenvolvimento desta forma de atuação. A partir deles, buscamos evidenciar o
percurso e as transformações que aconteceram na Gestalt-Terapia até o seu
encontro com a Terapia Familiar, desvelando seus entraves e estímulos.
Cientes de que prática e teoria
caminham sempre juntas, num processo de intercambio contínuo onde somos muitas
vezes obrigados a fazer um retorno teórico para nos aprofundarmos ou, o
contrário, recorrer à prática para assim promover a evolução do nosso trabalho,
nos sentimos instigadas a investigar os caminhos da Terapia Familiar na
perspectiva gestáltica; seu nascimento, seus desenvolvimentos e seu contexto
atual para, de posse destes conhecimentos, podermos não só marcar a nossa
própria atuação, como também contribuir para a atuação dos demais profissionais
que nos acompanham na aventura deste atendimento.
Ao nos lançarmos à investigação
histórica de uma atuação, reconhecemos a existência de fases que determinam seu
processo de formação, tais fases poderiam ser definidas como: constituição, na
qual as primeiras manifestações começam a se fazer presentes; autonomização,
quando vemos formar-se uma identidade que é própria desta atuação e a
diferencia daquelas que lhe são próximas; e por último, uma fase de
reconhecimento, quando geralmente essa nova atuação se legaliza, seja através
da realização de congressos, criação de grupos e associações ou do próprio
reconhecimento legal. Logicamente, tais fases não se dão necessariamente nesta
ordem e tampouco encerram o processo de formação. Acreditamos, sobretudo que,
em especial, a atuação psicológica está sendo sempre renovada e transformada ao
longo dos anos.
A partir de algumas observações
iniciais, pudemos perceber que o exercício da Terapia Familiar sob um olhar da
Gestalt-Terapia encontra-se ainda num momento de autonomização entre os
psicólogos cariocas, tendo já definido muitos contornos, mas ainda vislumbrando
importantes identificações em seu caminho. Sendo assim, ainda é rara a
existência de centros que promovam este tipo específico de formação. O que
muitas vezes acontece é uma união, pelo próprio psicólogo, dos princípios da
Gestalt-Terapia com outras teorias psicológicas, a fim de atualizar sua
prática, principalmente, para as intervenções nos sistemas familiares.
Em nosso caso, particularmente, o
interesse por este campo tornou-se aguçado por estarmos inseridas no IGT
(Instituto de Gestalt-Terapia e Atendimento Familiar) um dos poucos, no Rio de
janeiro, a formar Gestalt-terapeutas com ênfase no atendimento familiar.
Assim, como forma de reconstruir este trajeto, em virtude da
tenra idade em que ainda se encontra o nosso objeto de estudo, escolhemos a história
oral como principal fonte de pesquisa, confiantes de que, se ainda não é
possível encontrar tal história nos livros, é possível ouvi-la diretamente dos
personagens que vêm permitindo a sua criação.
Trata-se
de uma pesquisa histórica na medida em que, a partir de narrativas orais,
busca-se compreender e reconstituir o percurso da terapia familiar sob a
perspectiva da Gestalt-Terapia na cidade do Rio de Janeiro.
O
objetivo da pesquisa histórica é relacionar determinados eventos passados com
seus efeitos presentes, buscando uma compreensão crítica desses efeitos. No
caso dessa pesquisa, procurou-se analisar a composição de algumas tendências
presentes na prática de gestalt-terapeutas que tornaram, na atualidade e a
partir de pressupostos teóricos diferenciados, a terapia familiar de base
gestáltica uma abordagem junto às famílias.
Para
tanto, nos lançamos à elaboração de um questionário capaz de nos orientar em
entrevistas semi-abertas realizadas com terapeutas que, num momento inicial, foram
considerados como alguns dos responsáveis por desenvolver no Rio de Janeiro o
atendimento familiar com abordagem gestáltica. Tais entrevistas foram
realizadas por nós e ainda, filmadas, para permitir uma análise mais detalhada
do material. Neste ponto, consideramos importante ressaltar a riqueza contida
nesta forma de pesquisa, pois antes de tudo, tivemos o contato direto com
opiniões e experiências as mais diversas para, a partir delas, compor os dados
que nos permitiram avaliar as coincidências, as contradições e os enredamentos
que nos levariam às conclusões apresentadas neste trabalho.
De
posse então deste questionário, iniciamos nossas visitas a psicólogos que atuam
com famílias, os quais gentilmente cederam espaço para que registrássemos o
relato de seus percursos pessoais e profissionais nos permitindo compor a
própria história da Terapia Familiar na Gestalt-Terapia. Dessa forma pudemos
descobrir os encontros e desencontros da abordagem gestáltica com a terapia
familiar através dos próprios atores que compuseram o cenário atual. Fomos
conhecendo e costurando o percurso trilhado e construído por estes terapeutas
pioneiros da Terapia Familiar na Gestalt-Terapia. Como os próprios nos
relataram, ainda há muito que fazer e conhecer neste campo.
Com
relação ao relato como objeto de pesquisa Barry Anderson acrescenta
ilustrativamente:
“O relato de como um objeto é, num certo
momento, é uma descrição de estado, como uma fotografia. O relato de como um
objeto funciona é uma descrição de processo, como um filme. Considere, por
exemplo, a tarefa de descrever um objeto bastante familiar, uma casa”
(Anderson, 1977. p. 9)
Nestas
páginas, lançamos os resultados dessas duas visões, estática e processual,
procurando compreender melhor o que é e como surgiu a Terapia Familiar
gestáltica.
Nesse
estudo tivemos como curiosidade primordial o caminho da Terapia Familiar na
Gestalt-Terapia em sua chegada à cidade do Rio de Janeiro. Logo de início,
pudemos perceber que este caminho encontra-se ainda parcamente registrado,
parecendo existir apenas nos relatos de alguns terapeutas mais experientes. Por
esta razão, escolhemos como forma de coleta de dados alguns depoimentos
pessoais, técnica que nos permite transformar relatos em registros. Como anteriormente
sinalizado, os depoimentos foram colhidos em forma de entrevistas realizadas
com personagens que nos pareceram significativos para o processo que
pretendemos investigar.
Tais
entrevistas foram realizadas no próprio ambiente de trabalho dos profissionais
– os consultórios onde atuam – o que, por iniciativa dos próprios
entrevistados, acabou se tornando uma regra. Na verdade, esta regra favoreceu
bastante a nossa análise, pois os consultórios manifestavam na arrumação o
estilo de atendimento e atuação do profissional. Desse modo, o estilo destes
Gestalt-terapeutas tornou-se também uma das nuances de nosso estudo.
Por
tratar-se de uma monografia feita a quatro mãos, contamos ainda com um tipo de recurso
que utilizamos nos atendimentos de famílias, casais e grupos. Trata-se de um
formato de atuação onde dois psicólogos estão em campo atuando conjuntamente, a
chamada co-terapia. Nesse tipo de atuação, a dinâmica estabelecida entre os
profissionais favorece o emprego de uma intervenção atravessada por
mobilizações da dupla terapêutica, dos clientes e do sistema em questão. Em
relação a este trabalho, podemos dizer que realizamos co-entrevistas, dado que
as mesmas foram sempre realizadas em dupla, sofrendo assim as mesmas
influências (positivas) que o atendimento em co-terapia.
“James W.
Hanuum acredita que a grande vantagem da coterapia está na habilidade dos
coterapeutas de alternarem seus papeis não só entre si como também no
relacionamento com a família em tratamento. Desta forma, os terapeutas irão
desempenhar ora um papel passivo, no lugar de observador – mas numa posição
atenta para que a qualquer momento possa agir no sentido de alterar ou
facilitar a direção da terapia – ora numa posição mais ativa arriscando a um
superenvolvimento”.(GARCEZ, C. M., 1992)
Em
ambos os casos, acreditamos que seja proporcionada uma riqueza de discussão e
uma relação mais complexa entre os participantes, criando uma atmosfera
reflexiva e coletiva, onde a ordem é a diversidade. Assim, durante toda a
monografia estabelecemos um diálogo reflexivo, crítico e interventivo entre
nós, partindo do pressuposto gestáltico do encontro e não do consenso. Desta
forma, privilegiamos o intercâmbio com nossas inquietações, dúvidas, certezas e
estilos, com vistas à criação e ao estabelecimento de um espaço propício para a
expressão das idéias e sentimentos, rejeitando uma busca pelo caminho da
verdade. Com este espírito, foram brotando capítulos e parágrafos que surgiam
após discussões e interpretações variadas de um mesmo tema.
Como
já mencionamos, utilizamos um instrumento elaborado para nortear e facilitar a
realização de uma análise qualitativa dos depoimentos. Criamos um questionário
semidirigido com perguntas que pretendiam encontrar as peculiaridades no
caminho de cada entrevistado. Tal questionário, composto por nove perguntas, é
exposto a seguir:
1)
Quando se
deram seus primeiros contatos com a Terapia Familiar na Gestalt-Terapia? Como
foi este contato?
2)
Como você
via este momento na Terapia Familiar?
3)
Quais as
influencias teóricas que marcaram a sua formação como terapeuta familiar?
4)
Que nomes
lhe vêm a cabeça quando pergunto sobre Terapia Familiar? (Ou seja, quem o
formou e quem formava naquele tempo?)
5)
Ao longo
de seu caminho quais as influências que teve? (Além do seu formador quem mais
te influenciou?)
6)
Fases do
seu caminho de terapeuta?
7)
Fases da
Terapia Familiar na Gestalt-Terapia no Rio de Janeiro?
8)
Qual a
sua forma de atuar em família? Como isso se encaixa na forma da Terapia
Familiar?
9)
Perspectiva
da Terapia Familiar na Gestalt-Terapia daqui em diante?
Já
esclarecemos como se deu a escolha de nossos entrevistados. Contudo, falta ainda
detalhar quem são esses terapeutas, como se formaram e por onde transitaram
desde então.
Heloisa Rodrigues
Formada
pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro em 1983, ainda na graduação
iniciou a formação em Gestalt-Terapia na primeira turma formada por Terezinha
M. da Silveira.
Alguns
anos depois, a partir de uma demanda de seu trabalho com crianças, iniciou a
formação em Terapia Familiar Sistêmica no Núcleo -Pesquisas do Rio de Janeiro,
vindo ainda à complementar seu estudo desta especialidade, ingressando em 1994
no curso de formação do Instituto de Terapia Familiar, do qual não mais se
desligou.
Márcia Estarque Pinheiro
Formou-se
pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde teve seus primeiros
contatos com a Terapia Familiar através do estágio da professora Maria Isabel
Abreu. Em 1990 ingressou na Formação em Gestalt-Terapia na Vita Clínica e em
1992 no curso de especialização em Terapia Familiar do IPUB/UFRJ. Atualmente
coordena o IGT (Instituto de Gestalt-Terapia e Atendimento Familiar).
Sandra Salomão
Psicóloga há 25 anos formada pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Gestalt-terapeuta pelo The Gestalt
Traning Center San Diego e treinada por Joseph Zinker em Terapia de Casais
e Sistemas Íntimos. É mestre em Psicologia Social e especialista em Terapia
Familiar Sistêmica pelo Núcleo Pesquisa e Estudos. Professora e Supervisora de Estágio em
Gestalt-Terapia da PUC/Rio. Responsável Técnica pelo Centro de Aperfeiçoamento
e Desenvolvimento em Gestalt-Terapia do Rio de Janeiro, um dos principais
centros formadores deste mesmo estado. Coordenadora
de Cursos de Pós-Graduação - Formação em Gestalt-Terapia e do Curso de
Especialização em Terapia de Família..[1]
Sergio Garbati
Psicólogo, formado pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, atua em consultório particular desde 1987 atendendo
adolescentes, adultos, casais e famílias. Possui mestrado em Psicologia Social
e da Personalidade pela UFRJ. Realizou treinamento em terapia de família com
Maurizio Andolfi na Accademia de terapia della Famiglia - Roma, Itália.[2]
Sergio Garbati ressalta que despertou e
aprofundou seu interesse pela Gestalt-Terapia através do estágio realizado na
Graduação com a Professora Teresinha M. da Silveira e complementou seus estudos
em Terapia Familiar através da formação com Moisés Groisman no Núcleo –
Pesquisas do Rio de Janeiro.
Teresinha M.
da Silveira
Ainda na graduação, foi bastante
influenciada pela psicanálise. Conheceu a Gestalt-Terapia através dos grupos
que vinham dos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que mantinha um contato com
outras terapias como o Psicodrama e a Terapia Rogeriana. Dentre suas formações,
podemos listar a formação com Maureen Miller, outra, em Terapia Rogeriana e
ainda a formação em Terapia Familiar na Mosaico.
Os
primeiros contatos com os entrevistados foram realizados por telefone.
Contatamos cada possível entrevistado e, após verificar a disponibilidade deste
para participar do projeto, apresentamos uma proposta mais formal e
estruturada, enviada por e-mail para que eles pudessem apreciar e avaliar uma
breve explicação sobre o estudo e o questionário que iria nos nortear. Todos os
psicólogos com os quais fizemos contato aceitaram de pronto o convite e logo
agendaram horário e dia em seus consultórios, deixando-nos extremamente gratas
pela rápida disponibilidade e cooperação. Visitamos então seus consultórios que
marcaram bem a diferença entre os terapeutas e seus estilos. Sendo o estudo
baseado no relato dos entrevistados, o trabalho foi se desenvolvendo conforme
as entrevistas foram acontecendo. A cada entrevista algo se encaixava e a
monografia começava a ter mais sentido e rumo.
Apresentado
o nosso objeto de estudo, podemos então investigar o surgimento da atuação
familiar na Gestalt-Terapia, fenômeno este que pode ser reconhecido não só no
Rio de Janeiro como em todo o mundo.
Nesta
construção, do atendimento familiar gestáltico, percebemos uma influência
marcante da Terapia Familiar Sistêmica, distinta da Gestalt-Terapia, mas
complementar a esta, dado que possuem características que as aproximam e outras
que as afastam. Com isso, consideramos pertinente discorrer sobre cada uma
dessas abordagens separadamente.
Historicamente,
seguimos até a metade do século XX um pensamento cientifico predominantemente
mecanicista que buscava explicar os processos da vida de maneira simples e
programada, igualando os organismos vivos a um relógio, como propôs o próprio
Descartes, fundador deste pensamento (Capra, 1982). Mais tarde, esse modo de
pensar foi revisto por vários cientistas que propuseram a idéia de sistema e
passaram a entender o funcionamento da vida a partir desta dinâmica.
Naturalmente, o pensamento médico e a visão de saúde foram influenciados por
este paradigma, além disso o mesmo também embasou muitos cientistas e teóricos
das ciências sociais e humanas e os instigou a pesquisar as contradições deste
modelo.
A
partir disto, a noção de sistemas, especialmente no pensamento ocidental,
começou a ser veiculada através dos estudos das ciências da informação e da
cibernética, os quais detinham-se em investigar o paradigma físico. Tudo isso em um contexto do pós-guerra,
de um mundo bipolarizado, da queda do regime socialista e do crescimento do
capitalismo.
O surgimento desta nova ciência
denominada “cibernética”, termo proposto por Norberto Wiener em 1948, foi
marcado pela realização de dez conferências promovidas pela Fundação Josiah
Macy Jr., de 1946 a 1953, conhecidas como Conferências Macy. Tratavam-se de
encontros fechados de dois dias, realizados em Nova York, reunindo em torno de
25 pesquisadores, dentre eles Margaret Mead – antropóloga e esposa de Gregory
Bateson – Kurt Lewin – psicólogo social e estudioso da psicologia da Gestalt–
Heinz von Förster – engenheiro – John von Neumann – matemático e inventor do
computador digital – dentre outros, ficando clara neste contexto a variedade de
especialistas empenhados em discutir e desenvolver tais idéias.
No campo científico das
ciências cognitivas, a cibernética propiciou, por volta dos anos 50,
principalmente nos Estados Unidos, o estabelecimento de discussões sobre o
funcionamento do cérebro a partir dos princípios de redes de processamento e
retroalimentação de informações. Similar a cibernética, mas com algumas
críticas à mesma surge, em 1930, a chamada Teoria Geral dos Sistemas, ou Teoria
dos Sistemas, a qual veio a determinar o nome “Terapia Sistêmica” defendida por
Ludwig Von Bertalanffy.
Wiener iniciou seu estudo a
partir da matemática enquanto Bertalanffy baseou seu inicio na biologia,
investigando o funcionamento dos sistemas gerais sem a interferência da energia
ou da substancia. O idealizador da Teoria dos Sistemas, inicialmente criticou a
cibernética por se basear exclusivamente em princípios mecanicistas e limitados
e focar apenas as técnicas de controle, automatização e inovação tecnológica.
Com o passar do tempo e a entrada de novos cientistas como Bateson, Maturana e
Varela, a cibernética foi se sofisticando até ser classificada em primeira e
segunda ordem. Na cibernética de primeira ordem os princípios norteadores são a
estabilidade, o equilíbrio, e a idéia de circularidade e de circuitos de
retroalimentação, mantendo a estabilidade e desconsiderando as mudanças no meio
ambiente. A cibernética de segunda ordem supera as recentes conquistas da
Teoria Geral de Sistemas nela, os organismos são vistos como sistemas
auto-organizadores onde são produtores e produtos de si mesmos devido a um
funcionamento auto-referente. Isto implica também a noção de
observador-participante, conceito que marca a diferença entre a 1ª ordem e 2ª
ordem.
No
Brasil as idéias sistêmicas surgem, no meio terapêutico, de uma percepção de que
para se chegar ao indivíduo, muitas vezes é necessário se ter acesso àqueles
que estão ao seu redor e, até mesmo, de que em determinados casos o problema
não está no singular, mas no plural. Assim, alguns psicólogos envolvidos pelas
poucas idéias que lhes chegavam do exterior, rumaram para os Estados Unidos e
Itália em busca de formação e aprimoramento do conhecimento. Ambos os países
eram foco efervescente de escolas de Terapia Familiar que, inicialmente de
forma estanque, vinham trabalhando a vontade de acrescentar ao tratamento
individual um novo recurso, a inclusão de toda a família.
Nos
Estados Unidos, o grande foco de desenvolvimento e disseminação das idéias
sistêmicas foi a escola de Palo Alto. Esta escola, responsável por introduzir a
abordagem sistêmica na terapia familiar, em seu início, por volta dos anos 50,
contava com Bateson, Haley, Weakland, Fry e Jackson, os quais buscavam estudar
os “paradoxos da abstração na comunicação” e a “confusão dos tipos lógicos”.
Foi este mesmo grupo que, alguns anos depois, criou o Mental Research Institute
(MRI) – instituição impar para o desenvolvimento da terapia familiar nos
Estados Unidos – mas que ainda como escola de Palo Alto formou e inspirou
terapeutas do mundo inteiro, o que inclui os psicólogos brasileiros que até
hoje baseiam-se nela.
Na
Itália, o destaque está em Salvador Minuchin que reconfigurou a abordagem
estrutural na terapia familiar e influenciou toda uma geração de terapeutas em
seus estudos e práticas sobre esta forma de atendimento. Em especial, lembramos
Moises Groisman, psiquiatra e psicanalista brasileiro, diretor do centro de
terapia familiar Núcleo-Pesquisas do Rio de Janeiro, que abertamente tem como
referência o modelo de Minuchin em seu trabalho e em conseqüência dissemina
tais idéias não só no Rio de Janeiro como em todo o Brasil.
Inserida, portanto
no meio terapêutico brasileiro, acompanhando o movimento que se presenciava no
resto do mundo, a Teoria Familiar Sistêmica surge como uma abordagem neutra sem
anular ou criticar outras posturas interventivas. Psicólogos de diversas
abordagens e escolas psicológicas começam a ter sua prática influenciada por
nuances sistêmicas. Assim, assistimos acontecer um boom no atendimento Familiar com a criação de centros formadores
como o Instituto de Terapia Familiar e o Núcleo – Pesquisas do Rio de Janeiro.
Dado que ambos são
centros de Terapia Sistêmica e que se tornaram referência para aqueles que
pretendiam especializar-se no atendimento familiar, muitos gestalt-terapeutas e
terapeutas de outras abordagens tiveram sua prática com famílias influenciada
pela visão sistêmica destes institutos.
O
movimento gestáltico surge nos Estados Unidos sob a influência da reunião de intelectuais
e artistas inconformados com ditames culturais da época, a qual pregava a
liberdade de expressão e de ser. Este grupo de intelectuais chamado “Grupo dos
sete” foi constituído em 1940 por Paul Goodman, Isadore From, Paul Weisz,
Sylvestre Eastman, Elliot Shapiro, Laura Perls e Fritz Perls (ainda
psicanalistas).
A
Gestalt-Terapia encontrou terreno para se consolidar principalmente durante o
período de atuação dos movimentos da contra-cultura da década de 1960, que
buscava uma redefinição de valores e das estruturas de pensamento até então
dominantes. Com a eclosão da contracultura em 60, a Gestalt-Terapia encontrou
força nos EUA, especialmente entre os jovens que viviam este momento histórico,
(os hippies) para se estabelecer como abordagem psicoterápica. A liberação do
indivíduo foi a principal preocupação da atmosfera intelectual da época.
Frederick Perls foi
considerado um porta voz entusiasta da Gestalt-Terapia. Com formação
psicanalítica fundou inicialmente, em seu período de exílio, o Instituto Sul
Africano de Psicanálise permanecendo em Johannesburg, na África do Sul em
decorrência da invasão nazista. Foi analisando de Wilhelm Reich e absorveu a idéia de corpo, apesar de algumas críticas à teoria do
orgone. Já a teoria organísmica de Kurt Goldstein o inspirou quanto a noção de
regulação organísmica. Laura Perls, sua esposa, foi uma grande estudiosa da
psicologia da Gestalt de Wertheimer, Kohler e Kofka que gerou como contribuição
os conceitos de percepção e cognição. Também foi influenciado pela teoria de
campo de Kurt Lewin e o método fenomenológico de Husserl. Uma grande impulsão foi dada à Gestalt a
partir da criação dos centros de formação que se dividiram entre a costa leste
e oeste dos Estados Unidos. A Gestalt através da habilidade de Fritz foi
propagada, especialmente a partir da própria prática gestáltica, baseada na
aplicação de técnicas e experimentos divulgados através dos workshops
que realizou pelo mundo.
A
divulgação da Gestalt-Terapia se deu a partir de 1972 através de vários centros
de referencia que se espalharam pelos Estados Unidos, os principais centros
localizavam-se em Nova York, Cleveland e Califórnia. Em Cleveland se encontra
um dos centros que se incumbiu de desenvolver a teoria e foram os que mais
publicaram livros gestálticos. Nesta cidade foi fundado em 1953 o Gestalt
Institute of Cleveland no qual encontramos, entre outros, Paul Goodman, Isidore
From e Joseph Zinker este, em especial, realizou estudos diretamente com Fritz
e Laura Perls. Econtramos ainda, Erwing e Miriam Polster os quais foram
introduzidos à Gestalt-Terapia por Fritz e Laura Perls pertencendo, portanto, à
primeira geração de gestalt-terapeutas americanos.
Este
mesmo casal, fundou em 1953 o Gestalt Institute of Cleveland, alguns anos
depois, ambos migraram para San Diego e criaram o Gestalt Training Center – San
Diego. Este espaço, já na década de 90, foi responsável por treinar alguns
gestalt-terapeutas brasileiros inclusive cariocas.
Outra
figura de grande importância para a chegada da Gestalt-terapia ao Brasil,
marcada pelo ano de 1972, foi Thérèse Tellegen que se desenvolveu inicialmente
em São Paulo, chegando logo em seguida ao Rio de Janeiro. Thérèse expôs no
Brasil as técnicas aprendidas em Londres e assim, iniciou um processo de
divulgação da Gestalt-Terapia que em pouco tempo se espalhou por todo o Brasil,
conquistando muita força no Rio de Janeiro através da realização de encontros e
de visitas freqüentes de expoentes da Gestalt-Terapia, vindos principalmente da
Califórnia.
Na década de 90, ressaltamos a participação
de Joseph Zinker que contribuiu para a formação e o aperfeiçoamento de
gestalt-terapeutas brasileiros, inclusive cariocas, através de suas visitas à
São Paulo, para realizar encontros chamados por ele de maratonas.
Contamos também com a contribuição de Maureen Miller que, com uma
influencia rogeriana, se destacou no Brasil e no Rio de Janeiro reunindo,
através de grupos de encontros, um público regular de terapeutas, trazendo uma
Gestalt-Terapia centrada na Pessoa para uma boa parte dos Gestalt-terapeutas
que chamamos hoje de pioneiros neste estudo.
Num
segundo momento, preocupados com a ausência de uma fundamentação teórica, os
gestalt-terapeutas, que já haviam se multiplicado, lançam mão da criação de
grupos de estudos e da promoção de atividades que viessem a embasar
teoricamente a prática corrente.
No Rio
de Janeiro, em 1984, é criado o primeiro estágio de Gestalt-Terapia em uma
universidade, a faculdade de Psicologia da UERJ, por obra de Terezinha Mello da
Silveira. Realiza-se, ainda nessa
cidade, já em 1987, o I Encontro de Gestalt-terapeutas do Brasil, marcando
definitivamente a passagem do grupo de gestalt-terapeutas que havia até então,
para o movimento de Gestalt-terapia brasileiro.
A década de 1990 consolida
a Gestalt-Terapia, pois apesar de sua atuação estar ainda muito concentrada em
consultórios particulares, sua ascensão vem se acelerando através de centros de
divulgação, efervescência intelectual e formação de novos gestalt-terapeutas,
tendência que parece irreversível e que já pode ser observada com mais clareza,
como nos aponta Teresinha M. Silveira, através da inserção desta teoria como
uma das abordagens da “Residência em Psicologia Hospitalar do Hospital Pedro
Ernesto onde antes só era possível a participação de profissionais adeptos da
psicanálise.” (SILVEIRA 1996, p. 15)
Criteriosamente, nossos
entrevistados foram gestalt-terapeutas ou estudiosos desta abordagem consagrados
por sua atuação com famílias e pela contribuição direta para a implementação da
Terapia Familiar na Gestalt-Terapia. Em sua maioria, já atuavam com
atendimentos individuais e de grupos e prosseguiram para o atendimento familiar
contando com a experiência que apontou a estes terapeutas a importância de
acrescentar ou convidar as famílias para o encontro psicoterápico. Seguiram o
caminho da própria história dos Gestalt-terapeutas pioneiros nos Estados
Unidos. Consolidaram-no por meio do atendimento individual, fizeram-no se
estender para o atendimento de grupo, para só então investirem no atendimento
familiar. Como nos relatou Sandra Salomão: “... eu também vim de uma longa carreira de atendimento individual e de
grupo. Essa coisa de grupo é bem importante para atender famílias”.
Na década de
70 alguns deles estavam saindo da faculdade e já iniciavam seus contatos com a
Gestalt-Terapia, uns com abordagens humanistas e outros ainda, como os
primeiros Gestalt-Terapeutas, iniciando um contato com a psicanálise para
depois encontrarem com a Gestalt-Terapia. Deste período nossos entrevistados
recordam:
“...enquanto
eu aprendia eles também estavam aprendendo...”(Sandra Salomão)
“...
eu achava que ela estava muito acima de mim para fazer formação junto com ela,
neste grupo tinha a Lika de Salvador, e o outro era o Decio Cazarim, o bam bam
bam de Gestalt na época, mas depois que eu cheguei no grupo vi que todo mundo
estava começando mesmo, era uma diferença de meses...”(Teresinha M. da
Silveira)
A característica comum
destes Gestalt-terapeutas foi o relato de um certo incômodo com o atendimento
individual e a espera passiva dos familiares na sala de espera. Como conta
Sandra Salomão: “o que eu achava que era
falha emocional, não estava se encaixando... a criança sobe para a terapia e a
mãe ficava igual como se fosse ao dentista folheando revista na sala de espera”.
Assim como na Gestalt-Terapia onde o
próprio corpo, as experiências e sensações formam o instrumento mais poderoso,
os gestalt-terapeutas atuantes em famílias emprestam sua personalidade e
sensações, suas características mais marcantes, ao atendimento. Na
Gestalt-Terapia a pessoa do terapeuta é extremamente valorizada, utilizada e
explorada dentro do setting terapêutico.
Desta maneira, a forma do atendimento gestáltico em família é marcada por este
jeito singular do gestalt-terapeuta de contar consigo mesmo e com suas
experiências vividas durante o atendimento, como afirmam alguns de nossos
entrevistados:
“em
termos de trabalho a prática é teresiana ... Meu foco no trabalho, muito para
além do verbal, é no que está sendo expresso, no que eu estou vivendo ... Uso
muito o trabalho com corpo ... uso recursos de um modo geral” (Teresinha M.
da Silveira),
“no
grupo de gestalt eu estava tendo um autoconhecimento e começando a me perceber
e, ao mesmo tempo, tinha um trabalho de dar-se conta” (Sandra Salomão).
Seguindo essa tendência de importar conhecimentos e em função da
proximidade teórica e flexibilidade da Gestalt-Terapia, muitos terapeutas foram
buscar novos recursos, novas trocas e novos teóricos na abordagem sistêmica e
boa parte deles defende que a mistura se tornou complementar e satisfatória em
termos de recursos e intervenções.
Dentre nossos entrevistados, encontramos
Gestalt-terapeutas que atuam essencialmente com a Gestalt-Terapia seguindo o
modelo de Zinker, Gestalt-terapeutas que recorrem a uma base sistêmica,
Gestalt-terapeutas mais fenomenológicos e menos interventivos e ainda,
Terapeutas de Família Sistêmicos com uma forte influência gestáltica em sua
formação. Suas diferenças estão na utilização, ou não, de recursos gestálticos
ou sistêmicos com mais ou menos intensidade, ou na integração destes recursos,
como o genograma, contribuição sistêmica à Gestalt-Terapia. A seguir,
apresentamos alguns relatos de nossos entrevistados que ilustram essa mistura:
“...eu acho que eu trabalho gestalticamente, eu desenvolvi um
fundo teórico de sistêmica...”(Sandra Salomão)
“...Faço muito aquele modelo de entro
no sistema e saio do sistema, estrategicamente, ocupo papéis, trabalho sempre
com experimentos. Vou muito à ação e uso muito a expressão...”(Sandra Salomão)
“ procuro perceber aquela
pessoa que chega para mim dentro de um contexto mais amplo... seja de estrutura
familiar.. é a possibilidade de facilitar essa comunicação”(Márcia Estarque)
“...uso muito genograma em diagnóstico
que é um instrumento sistêmico...”(Sergio GarbattI)
“... por achar que a Gestalt – a
própria palavra Gestalt – remete à teoria de sistemas”(Sergio Garbatti)
“...como terapeuta de
família ninguém na Gestalt-Terapia foi referência para mim. Toda a minha
referencia teórica vem da Terapia Familiar Sistêmica”(Sergio Garbatti)
“Sou um terapeuta familiar
sistêmico e gestalt-terapeuta. Não digo que sou terapeuta familiar
gestalt-terapeuta” (Sergio Garbatti)
“ eu me considero uma
gestalt-terapeuta que atende famílias”(Heloisa Rodrigues)
Estes depoimentos ilustram como nossos
seletos entrevistados, que aqui representam os gestalt-terapeutas atuantes em
famílias no Rio de Janeiro andam utilizando o conhecimento Gestaltico e as
técnicas sistêmicas no setting
terapêutico. Fica notório nos relatos o fato de que uma teoria não exclui a
outra.
No percurso
de formação profissional dos Gestalt-terapeutas, surge uma necessidade de
encontrar algo a mais para capacitá-los instrumentalmente a atender famílias e
se reconhecerem Terapeutas Familiares, assim como ressaltam alguns
entrevistados:
“no
inicio eu indicava famílias e casais para o ITF (Instituto de Terapia Familiar)
(...) Embora a Gestalt-Terapia abra possibilidades para trabalhar, e acho que
ela é fantástica para trabalhar com casais e famílias! (...) Resolvi fazer uma
formação em sistêmica, estava me sentindo muito fechada, escolhi fazer com o
Moises Groismam. Ele é mais direto”(Sandra Salomão) . “eu atendia família esporadicamente quando atendia criança e
adolescente. Só fui atender família e me reconhecer terapeuta de família a
partir de 1995”(Teresinha M. da Silveira)
Ainda sobre as necessidades
com relação à Terapia Familiar Sandra Salomão, Gestalt-terapeuta e coordenadora
de Cursos de Formação, dividiu conosco a seguinte constatação: “as pessoas que fazem o curso de família e
não são gestalt-terapeutas saem após o primeiro módulo e só ficam aqueles que
já têm a formação em Gestalt-Terapia ou então, iniciam a formação em
Gestalt-Terapia”
Este dado nos remete à
plasticidade da teoria da Gestalt-Terapia e à importância e cuidado que as
formações em Gestalt-Terapia têm com relação ao terapeuta que será seu diapasão
do atendimento psicoterápico. Isso também confirma o respaldo teórico da
Gestalt-Terapia sobre a relação terapêutica, a grande sustentação e manutenção
do processo, tanto para o cliente como para o terapeuta que se vê com recursos
para cuidar do indivíduo e de si próprio dado que o encontro terapêutico
suscita angustias, sofrimentos e projeções.
Assim, a abordagem gestáltica oferece
suporte técnico para que o terapeuta utilize a energia mobilizada no encontro a
favor do cliente, ou melhor, do sistema, já que estamos falando não só do
cliente, mas também do terapeuta e das relações em torno desse. Polster &
Polster em Gestalt-Terapia Integrada explicam de forma muito elucidativa estas
colocações: “Os sistemas sensoriais e
motores do individuo só podem funcionar no presente, e é da perspectiva dessas
funções que a experiência presente pode ser palpável e viva”. (Polster & Polster, 2001 pág. 26).
É através dessa perspectiva relacional
e sensorial que o gestalt-terapeuta sustenta sua atuação e visão diante do
indivíduo ou da família. Perspectiva essa que as outras abordagens não oferecem
fazendo com que busquem na Gestalt-Terapia suporte para um atendimento
confortável e autêntico. Ainda em Polster & Polster encontramos:
“Quando o terapeuta
entra em si mesmo, não está apenas tornando disponível ao paciente algo que já
existe, mas está também auxiliando a ocorrência de novas experiências,
baseadas em si mesmo e também no
paciente. Isto é, ele se torna não só alguém que responde e que dá feedback,
mas também um participante artístico na
criação de uma nova vida” (Polster, 2001 p.38).
Observamos,
dentre os gestalt-terapeutas, que uma boa fatia de nossa amostra buscou se
aproximar da Terapia Familiar Sistêmica na tentativa de estabelecer uma
interlocução com os recursos desta abordagem que pudessem enriquecer e ampliar
a atuação dos mesmos. Historicamente, temos a Gestalt-Terapia como uma teoria
voltada para o desenvolvimento da singularidade e das potencialidades
individuais. Temos até então, uma prática que privilegia o autoconhecimento
individual não no sentido reducionista, mas sim focada na expansão da
consciência criativa. Mas é deste ponto que partimos para pontuar uma das
diferenças entre a Gestalt-Terapia e a Terapia Familiar Sistêmica que, no
entanto, ao invés de afastá-las as aproxima. O contraponto é que a visão
sistêmica tem um olhar mais amplo dos sistemas que influenciam o indivíduo. Seu
foco está direcionado para o entorno do sistema em desequilíbrio, incluindo o
terapeuta que ali está atuando, numa tentativa de restaurar a comunicação e a
convivência saudável e satisfatória entre os membros da família de maneira
inclusiva e menos individualista, ou seja, não atendendo pais e filhos em
separado. É neste momento, que começa a acontecer um certo intercâmbio entre as
duas teorias.
Outros conceitos estreitam ainda mais o
relacionamento entre estas abordagens, como o conceito gestáltico de fronteiras
de contato, sinalizando cada vez mais que a mistura de terapeutas familiares
sistêmicos com Gestalt-Terapia e vice-versa é, não só possível, como capaz de
gerar diversos ganhos ao atendimento psicoterápico.
Percebemos no cenário atual da Gestalt-Terapia, que a atuação
familiar ainda está encontrando força teórica e prática e, principalmente,
buscando uma identidade para se apresentar e se tornar reconhecida e validada
pelo meio acadêmico. Na busca pelo delineamento do contorno desta abordagem nos
esbarramos com a mescla de técnicas, recursos, instrumentos e metodologias
importadas de outras abordagens. Vimos esta iniciativa como positiva, pois sua
finalidade, como defenderam inúmeras vezes nossos entrevistados, é a ampliação
e atualização da prática gestáltica que não necessariamente precisa ficar
engessada em seus próprios conceitos. Isso não significa que não devamos nos
preocupar com o estabelecimento de alguns modelos de atuação, como cita Márcia
Estarque com relação às perspectivas da Terapia Familiar Gestáltica: “Temos muito o que trabalhar, muito a
sistematizar sim” (Márcia Estarque)
Em todo este percurso que viemos
descrevendo ao longo do trabalho, chamou também nossa atenção a crítica e
autocrítica dos gestalt-terapeutas à parca produção teórica de seu grupo,
comparado a outras abordagens como a Psicanálise, a Terapia
Cognitivo-Comportamental e a própria Teoria Sistêmica, a qual, em certo
momento, foi procurada por gestalt-terapeutas em função do número de livros de
terapia familiar publicados e traduzidos para o português.
“... nós Gestalt-terapeutas que começamos a atender famílias, a gente
começou a estudar coisas que não a Gestalt, e daí, a partir da nossa
experiência a gente foi fazendo um estilo mais Gestalt de Terapia de
Família...” (Heloisa Rodrigues)
“Só
tinha literatura de sistêmica não tinha uma literatura de Gestalt-Terapia com
famílias, não traduzida pelo menos” (Sandra Salomão).
Alguns de nossos entrevistados,
acompanhados por um sem fim de gestalt-terapeutas, atribui essa pequena
produção à ênfase na prática e à conseqüente diminuição do investimento na
produção teórica. Isso faz com que apenas um pequeno grupo se destaque na
missão de contribuir e desenvolver as idéias da Terapia Familiar Gestáltica no
Rio de Janeiro.
Para nós, faz-se também importante
sinalizar, que por ser ainda jovem essa atuação se vê carente de meios que
estimulem sua produção teórica. Sem dúvida, à medida que se alcança uma
autonomização novas demandas de produção passam a ser exigidas; seja através
das possibilidades cada vez maiores de exposição desta produção, em encontros,
congressos e afins; ou através do ingresso de um número crescente de
gestalt-terapeutas com atuação em famílias em programas de pesquisa, como
mestrados, doutorados e pós-graduações em geral, os quais, por si só, geram uma
produção contínua. Um de nossos entrevistados comenta: “... fui fazer um mestrado e na época era uma das
primeiras dissertações que tinham a ver com a Gestalt-Terapia” (Sergio
Garbati).
Outro ponto muito citado
entre os entrevistados foi a necessidade de se criar novas formas de
visibilidade para a produção dos gestalt-terapeutas sendo algo notoriamente
destacado entre todos os terapeutas entrevistados, a pequena representatividade
dos mesmos, principalmente nos congressos de Terapia Familiar. Entretanto todos
os entrevistados avaliam que temos muito a mostrar.
Avaliando as
características nos relatos dos entrevistados um outro ponto se destaca.
Trata-se da ênfase nas intervenções em família na reconstrução da capacidade
criativa do sistema familiar, através de recursos físicos como, por exemplo,
cordas, música, recortes do dia-a-dia, bonecos. A herança gestáltica doada para
a Terapia Familiar parece estar, em parte, no valor que se dá à criatividade
que, ao contrário de ser anulada, acaba por se ampliar, no momento em que
partimos do indivíduo e nos voltamos para o sistema. Além disso, essa herança
contém ainda uma preocupação com o reconhecimento e validação dos vínculos
afetivos, onde não só os consangüíneos, mas também os agregados por tempo de
convívio tornam-se familiares e são incluídos no sistema e no setting terapêutico.
A Gestalt-Terapia é definida como uma
filosofia de vida e não uma técnica rígida com conceitos duros e fechados ou
que se utiliza de formatos impermeáveis e inflexíveis. A sensibilidade
terapêutica da gestalt acompanha os movimentos da sociedade e a evolução do homem
segundo seus paradigmas e necessidades. No percurso da Gestalt-Terapia em seu
momento inicial a época era de extrema valorização da liberdade individual
voltada, especialmente, para o sistema interno do cliente, para sua
autoregulação individual e para o despertar do potencial criativo. Neste
contexto, Fritz não via nenhuma semelhança e correspondência entre o modelo
sistêmico da época e a Gestalt-Terapia. No Gestalt-Terapia, livro iniciado pelo
manuscrito de Perls e desenvolvido por Paul Goodman e Ralph Hefferline em 1970,
é explicitamente colocada uma incompatibilidade inicial entre Gestalt-Terapia e
cibernética, neste momento, a de primeira ordem:
“As teorias da cibernética, dianética e do orgone serão
pouco ou não discutidas(...).
Consideramos que essas teorias são, na melhor das hipóteses, meias verdades, já
que tratam o organismo em separado e não em contato criativo com o
ambiente.(...)mas enquanto os robôs de wiener não crescerem e se propagarem por
conta própria, preferimos explicar suas máquinas pela função humana em vez de
vice-versa”. (Perls,
1997,p.34)
Como a história transforma e aperfeiçoa
os valores e a vida, no livro de Joseph Zinker, este afirma que os valores
sistêmicos são compatíveis com a teoria da Gestalt, dado que as noções de
sistemas e campos criam um quadro de referência para a leitura holística e
dinâmica da Gestalt. Porém, ressalta que se Fritz estivesse vivo acharia a
teoria de sistemas abstrata demais, partindo do princípio de que para a
“Gestalt de Fritz” é necessário ser extremamente ativo e vivo. Comentando esta
interface entre Gestalt-Terapia e a Teoria de Sistemas, Ponciano em O Processo
Grupal (1994) afirma:
“O modelo organísmico da relação
homem-mundo que subjaz à Gestalt-Terapia não é satisfatório, do ponto de vista
conceitual, para abranger as inter-relações das múltiplas dimensões
sistêmicas que estão em jogo. A teoria de Sistemas cujos inícios se situam na década de 20, mas que
não foi explicitada antes dos anos 40, abre novas possibilidades de se pensar
sistemicamente com maior nível de abstração de sistemas naturais, quer físicos ou
biológicos.”(PONCIANO, 1994, p. 61)
A
Gestalt em seu percurso abriu espaços e criou flexibilidade para a acomodação
de novos conceitos conforme o mundo foi evoluindo e se transformando, contudo,
não alterou sua visão de homem e de mundo desde sua fundação até o momento
presente.
Muitos
foram os colaboradores que contribuíram para a chegada da Gestalt-Terapia ao
Rio de Janeiro. Muitas foram as portas abertas para os “estrangeiros” trazerem
suas contribuições. Temos registros orais e ainda presentes da vinda de Maureen
Miller, Zinker, Erwing Polster ao Rio de Janeiro. E ainda, em destaque,
relembramos a colaboração de Thérèse
Tellegen que, tendo se firmado no Brasil ainda no início do desenvolvimento da
Gestalt-Terapia, contribui de forma ímpar para este processo.
Como
vimos, historicamente na década de 50, no pós-guerra a idéia dominante era de
libertação dos indivíduos e de que sua expressão física, sexual e intelectual
fosse ativada. Para Fritz, neste momento a restauração da sociedade aconteceria
através do resgate individual o que refletia bem os anseios da localidade e do
tempo que a Gestalt se originou. Até então, nas décadas de 60 e 70, o cenário
cientifico no campo das ciências humanas e tecnológicas ainda é uma dinâmica de
revisões e descobertas conceituais. Só nas décadas de 80 e 90 que os cientistas
das teorias cibernéticas e dos Sistemas Gerais promoveram a expansão da Terapia
Familiar Sistêmica. Desta época em diante assistimos no cenário cientifico um
crescimento da força do Movimento Sistêmico. Época em que muitos de nossos
Gestalt-terapeutas chamados de pioneiros vão em busca de novas técnicas e
ferramentas para a intervenção familiar. Como de costume, a psicoterapia segue
o caminho e acompanha o movimento de vida das sociedades.
Dos anos 90 em diante,
especialmente no Brasil, a família brasileira começa a mudar seu perfil de
organização muito em função da abertura econômica e política brasileira.
Realidade que trouxe ao seio das famílias uma nova remodelação de seu sistema.
A
Terapia Familiar Gestáltica nos anos 90 passou por um momento de validação e
reconhecimento por parte dos próprios terapeutas em perceber que haviam
personalizado uma maneira gestáltica de atender as famílias.
Sendo assim,
atualmente se apresenta mais relacional e cuidadosa. A identidade dos
terapeutas familiares gestálticos está mais perto desta perspectiva relacional
que envolve confiança, disponibilidade, autenticidade e fé na restauração e
equilíbrio das famílias. Em um momento que assistimos as famílias brasileiras
recriando novas formas de convivência e de contratos, identificamos o
surgimento de uma forma de atendimento mais contextualizada e disposta a
restaurar a saúde de cada membro da família, respeitando sua singularidade,
capacidade de criação e seu histórico transgeracional. Especialmente neste
momento, em que os limites, a liberdade, o prazer e a violência urbana são
temas que provocam e exigem uma rápida reorganização das famílias, sem esquecer
o histórico descompasso entre as gerações de pais, filhos e avós que procuram a
fórmula da comunicação perfeita, limpa, clara, hierárquica e justa.
Ø
ANDERSON, Barry F. O experimento em psicologia: uma
introdução ao método cientifico. São Paulo: EPU, 1977.
Ø
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Ø
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relação terapêutica na Terapia Familiar Sistêmica Construtivista e na
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Hoje: fazeres e dizeres psi na historia do Brasil – Rio de Janeiro: Relume
Dumara: FAPERJ, 2001.
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– Clio-Psyché Paradigmas: historiografia, psicologia, subjetividades –
Rio de Janeiro: Relume Dumara: FAPERJ, 2003.
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Ø
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Brasil – In: JACO-VILELA, Ana Maria et all (org.) – Clio-Psyché Hoje:
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Dumara: FAPERJ, 2001.
Ø RAPIZO, Terapia Sistêmica de
Família. Da instrução à construção, Instituto Noos, 1998, cap. 1 – Cibernética,
p. 21-32.
Ø RAPIZO, Terapia Sistêmica de
Família. Da instrução à construção, Instituto Noos, 1998, cap. 1 –
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Ø
SILVEIRA, Teresinha M. – A Moderna Gestalt-Terapia. In PRESENÇA:
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Ø SILVEIRA, Terezinha Mello da; A
construção criativa na vida do casal: limites e possibilidades do
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Católica do Rio de Janeiro, 1998
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Sistêmica: Bases cibernéticas. São Paulo: Editorial Psy, 1995
Ø
ZINKER, Joseph C. A
busca elegância em psicoterapia: uma abordagem gestáltica com casais, famílias
e sistemas íntimos. São Paulo: Summus, 2001.
[1] Adaptação do mini currículo apresentado no site www.centrodegestaltterapia.com.br do Centro de Aperfeiçoamento e Desenvolvimento em Gestalt-terapia Sandra Salomão
[2] Adaptação da apresentação retirada da sessão “Quem somos” do site www.familia-relacionamento.com.br/