EQUIPE REFLEXIVA, QUAIS SÃO AS DIFERENÇAS QUE CRIAM
DIFERENÇAS?
MONOGRAFIA DE FINAL DE CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM
TERAPIA FAMILIAR NO INSTITUTO DE TERAPIA FAMILIAR - ITF
ALUNO:
MARCELO PINHEIRO DA SILVA
ORIENTADORA: HELENA JÚLIA MOITTA MONTE
Objetivo:
O objetivo deste trabalho é pesquisar e conceituar o que ocorre com a
utilização da “equipe reflexiva” que vem a gerar as diferenças no sistema
terapêutico.
Justificativa para a realização
desta pesquisa:
Chamaram a minha atenção os efeitos marcantes gerados no sistema terapeuta
de campo / clientes quando utilizamos a “equipe reflexiva” como procedimento
terapêutico no atendimento em equipe a casais e famílias.
Normalmente, após a entrada da equipe reflexiva, acontece uma marcante
mudança de atitude dos membros da família, e também dos terapeutas de campo. As
mudanças ocorrem tanto ao nível do conteúdo das conversas como também, entre
outros aspectos, no contexto emocional da sessão e na fluidez das
interações. Estas mudanças muitas vezes
contribuem de forma decisiva para o bom andamento do processo terapêutico.
Quanto melhor pudermos conceituar os aspectos que tornam este procedimento
produtivo, maiores serão os proveitos que poderemos tirar dele.
Definição:
Como vai ser descrito posteriormente pelo próprio criador Tom Andersen
(1.1). As características deste procedimento que leva o sistema a um processo
reflexivo são:
O atendimento é realizado por uma equipe, sendo que parte da equipe
interage diretamente com a família, conduzindo a sessão (equipe de campo),
enquanto outra parte observa, fora do campo terapêutico, muitas vezes atrás de
um espelho unidirecional (equipe reflexiva).
Quando se faz necessário, o foco é invertido de forma que a equipe
reflexiva passe a ser ouvida por terapeuta(s) de campo e família. Nessa situação os integrantes da equipe
reflexiva conversam sobre o que chamou a atenção de cada um deles no que
estavam assistindo da família, sem nenhuma preocupação em chegar a um consenso
ou a uma verdade única. Novamente o
foco é invertido e o conjunto família / terapeuta(s) de campo volta à cena.
Normalmente conversando sobre o que acabaram de assistir, o(s) terapeuta(s) de
campo busca(m) utilizar as portas abertas pela equipe reflexiva, aprofundando
ou tocando em novos temas. Algumas perguntas tipicamente utilizadas neste
momento são: “do que foi dito o que fez sentido para vocês?” “O que não fez
nenhum sentido para vocês?” “Que colocações chamaram mais a sua atenção?”.
Contextualização histórica:
A equipe reflexiva foi criada enquanto técnica e tem sido bastante
divulgada pelo psiquiatra, norueguês Tom Andersen. Professor do “Institute of
Community Medicine, University of Tromso”, Noruega.
Tom conta no fragmento a seguir o contexto em que esta técnica foi cunhada:
(1.2)
“ALGO ACONTECEU
Durante dois ou três anos, em parceria com minha co-terapeuta
(Ama Skorpen, MHN), andei elaborando algumas idéias que a falta de coragem não
permitia que trouxesse a público.
Como vimos, a sessão terapêutica era, em si própria,
um processo. E esse processo propunha-se pôr novamente em andamento o processo
paralisado. Pensamos, portanto, que seria uma boa idéia deixar o sistema
“paralisado” analisar melhor o processo terapêutico. O pensamento implícito era
simples, pois havíamos dito que o objetivo é importante, mas não o mais
importante-. Mais importante é o
caminho para o objetivo. Quando alguém fica paralisado é por ser, muitas vezes,
difícil ou perturbador encontrar uma maneira de conseguir o que deseja. As
pessoas “paralisadas” dizem, “Não sabemos
o que fazer”. Seria útil para aqueles
que nos consultam ver a maneira como trabalhamos quando tentamos encontrar
contribuições para um novo caminho ou outros novos caminhos que nos levem ao
objetivo?
Foram necessários três anos para termos coragem de
mostrar a eles nosso trabalho. Era fácil imaginar que, geralmente, quando
falávamos com as pessoas, estávamos tão carregados de pensamentos desagradáveis
sobre elas que poderíamos deixá-los “transparecer” se, eventualmente,
falássemos sobre essas pessoas enquanto nos escutavam.
Conseqüentemente, essa idéia teve um longo período de
gestação. Um dia, porém, em março de 1985, a própria idéia forçou o seu
nascimento.
Houve uma conversa entre um jovem médico e uma família
que havia passado por um longo período de privações. A miséria havia sido tanta
e por tanto tempo que a família nada mais sabia a não ser sobre miséria.
Chamamos esse médico para conversar e sugerimos alguns temas de otimismo. Ele
tornou a encontrar a família e tentou. Mas esta facilmente o levava de volta
para o seu tema deprimente da miséria. Por mais duas vezes, fornecemos ao
médico novos temas otimistas. Foi em
vão.
Nessa ocasião, já estava difícil conter a idéia.
Notamos que em nossa sala havia um microfone conectado com os alto-falantes da
sala de entrevistas das famílias. Não demoramos nem um minuto para decidirmos
bater na porta da sala de entrevistas e perguntar se gostariam de nos ouvir por
um momento. Um de nós falou que tínhamos algumas idéias, talvez úteis, para sua
conversa. Disse, “Se acharem que essa idéia interessa, sugerimos que vocês todos,
família e médico, permaneçam em seus assentos nesta sala. Nosso equipamento nos
permite diminuir a luz, aqui, na sala onde estão e acender a da nossa sala.
Assim, podem nos ver, e nós ficamos sem condição de ver vocês. Podemos também
ligar o som de forma que vocês nos ouçam e nós não possamos ouvir vocês”.
Nossa última chance de escapar dessa situação era não
concordarem, mas concordaram.
E pareciam surpreendentemente excitados. A essa altura,
nos sentamos e ficamos ouvindo o burburinho engraçado até que a luz de nossa
sala se acendeu e fez-se, daí em diante, um silêncio prolongado. Um de nós
quebrou esse silêncio com um comentário hesitante algo sobre resistência e
força. Outro prosseguiu com novas observações sobre o mesmo assunto. Alguém
levantou a hipótese de que, possivelmente, toda essa luta contra um destino
cruel desviava os membros da família do uso de muitos recursos que obviamente
possuíam. Aos poucos, demos início a uma discussão sobre o que poderia
acontecer se alguns desses recursos fossem usados.
Quando acendemos a luz e o som voltou, estávamos
preparados para ver e ouvir o que quer que fosse, desde pessoas iradas até
entediadas.
Mas, nos deparamos com quatro pessoas pensativas e
bastante silenciosas, que depois de uma pausa começaram a falar entre si com
sorrisos e otimismo.
Parecia bem diferente da maneira usual de trabalhar. A
relação com a família tornou-se bastante diferente daquela que tínhamos com as
famílias que trabalhávamos de maneira “normal”.
Certamente, experienciamos o significado da famosa
frase de Bateson: “A diferença que faz uma diferença”. Começamos a questionar
nossos conceitos básicos e como seriam daí por diante. E mais importante ainda,
como transformar esses conceitos em prática?
A reversão da luz e do som trouxe uma liberdade
surpreendente para a nossa relação com a família. Não éramos mais a (única)
parte responsável. Éramos somente uma das duas partes.
Esse novo formato tornou-se conhecido como equipe
reflexiva. Pensamos no significado francês da palavra e não no inglês, que no
nosso entender aproxima-se mais de réplica. O termo francês réfiexion, que tem o mesmo significado
do norueguês refleksjon,quer dizer:
algo ouvido é internalizado e pensado antes de uma resposta ser dada. A
reversão da luz e do som também proporcionou mais liberdade para pensar, e
começamos a questionar como os diversos conceitos e regras que seguíamos nos afetavam.” (Andersen, 1991/2002, p. 32 a 35)
Tom Andersen pode ser classificado como um autor e terapeuta
Construcionista-Social. O construcionismo vem influenciando a terapia familiar
há alguns anos e tem como características básicas às crenças de que não é
possível ter acesso a uma realidade objetiva e de que nossa aproximação do
mundo lá fora (se é que existe um mundo lá fora) é mediada pela nossa linguagem
e por toda nossa bagagem cultural. Desta forma o que é chamado de realidade é
uma construção cultural realizada intersubjetivamente. Maturana em a árvore
do conhecimento afirma que “o fato relatado fala mais do observador do que
do fato”(2.1).
Metodologia:
Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com 06 (seis) profissionais
que trabalham com equipes reflexivas. Estas entrevistas foram filmadas e podem
ser assistidas pelo leitor.
Pesquisaram-se explicações e metáforas que buscassem definir o que, na
presença da equipe reflexiva, gera mudanças no sistema família / equipe
terapêutica. Durante estas entrevistas foram feitas as perguntas disparadoras
abaixo listadas:
·
Para darmos início a nossa entrevista eu gostaria que
você se apresentasse.
·
Há quanto tempo você trabalha utilizando equipes
reflexivas?
·
Este procedimento é eficaz quanto a sua possibilidade de
facilitar o atendimento terapêutico? Se for, quais são, do seu ponto de vista,
os aspectos que o tornam eficaz? Busque explicá-los.
·
Após a entrada da equipe reflexiva podemos observar
uma grande mudança no contexto emocional do campo terapêutico, você concorda
com essa afirmação? Se concordar como você compreende este fenômeno?
·
O lugar dos terapeutas de campo é bem diferente do
lugar da equipe reflexiva. Como você definiria essas diferenças especialmente
quanto à escuta e quanto à fala?
·
E quanto ao lugar do cliente. Como você percebe ser
estar nesse lugar?
·
Que cuidados, em termos de composição da equipe e
forma de trabalho devem ser tomados no sentido de que a equipe se desenvolva
bem?
·
Você teria alguma metáfora que ilustre o funcionamento
deste método? É como se...
·
Você tem alguma historia sobre este tema que queira
contar?
Foram entrevistados:
Carlos Zuma – Psicólogo, terapeuta de
família, fez formação paralela no ITF e no IPUB. É professor e monitor do ITF
desde sua formação em 1992.
Helena Julia M. Monte – psiquiatra, docente e supervisora do ITFRJ, membro
fundadora do Instituto Noos.
Heloisa Rodrigues – Formada há 23 anos,
tendo sua primeira formação em Gestalt-Terapia. Há 10 anos trabalha com terapia
de família.
Jorge Bergallo – Psicólogo, especializado
em terapia de família pelo ITF e fundador do Instituto Noos.
Rosana Rapizo – Psicóloga com
pós-graduação em terapia de família. Fundou o Instituto de Terapia de Família
do Rio de Janeiro há 18 anos, e trabalha como coordenadora e professora da
turma de formação do Instituto.
Teresa Cristina Diniz – Terapeuta de
família e sócia-fundadora do ITF. Uma
das responsáveis pela divulgação do trabalho de Tom Andersen no Brasil.
Epistemologia:
Acredito ser fundamental especificar de onde estou falando para que o
leitor tenha uma o maior possibilidade de compreender o que estou dizendo.
Eu sou um Gestalt-Terapeuta e como tal se torna impossível enxergar o
universo sistêmico sem utilizar minhas crenças como lentes. A Gestalt-terapia se baseia em conceitos
originários de certas correntes da filosofia de língua germânica que marcaram a
virada do século XIX para o século XX.
Questões em relação ao dualismo sujeito / objeto e sobre a possibilidade ou
não de se acessar uma realidade objetiva (se é que ela existe), que estão na
alma do pensamento pós-moderno já eram pensadas e discutidas por filósofos como
Kant (século XVIII), Nietzsche (século XIX), Edmundo Husserl (século XIX e
inicio do século XX), Heidegger (século XX), Merleau-Ponty (século XX) e
outros.
Husserl construiu a fenomenologia como método e como filosofia, com isso
iniciou um dos caminhos de busca de superação do dualismo sujeito / objeto
estabelecido em seu tempo nos discursos das escolas empirista e racionalista. A
fenomenologia é uma das bases mais importantes da Gestalt-terapia, tanto em
função de suas influências diretas como também por influências indiretas, a
medida em que gerou grande repercussão tanto em outras correntes filosóficas
como em algumas correntes teóricas que vieram a influenciar de maneira
fundamental a Gestalt-terapia. Como exemplo de correntes influenciadas podemos
citar o existencialismo como filosofia e a psicologia da Gestalt (Gestalt
teoria) como a abordagem teórica. O existencialismo nos traz uma visão de homem
bem demarcada. A Gestalt teoria colaborou marcantemente na rede conceitual que
é utilizada pela Gestalt-terapia.
A Gestalt-Terapia, da mesma forma que abordagem sistêmica, guarda em seu
bojo uma ampla gama de sabores, isto é da mesma forma que existem várias
vertentes no universo que é denominado como abordagem sistêmica, este mesmo
fenômeno acontece no interior do que chamamos Gestalt-Terapia, com uma
diferença muito marcante, na Gestalt os sabores diferentes terminam não sendo
batizados como ocorre na terapia sistêmica (1ª cibernética, 2ª cibernética,
cibernética de primeira ordem, cibernética de segunda ordem, modelo
estratégico, modelo estrutural, modelo narrativo, etc. Estas perspectivas possuem
similaridades que justificam o pertencimento a uma família sistêmica, porém
possuem singularidades, o que também justificavam uma nomenclatura
diferente). A Gestalt-Terapia valoriza,
de forma marcante, a possibilidade de diversidade, a busca das potencialidades
singulares do individuo. Dentro deste contexto, é natural e esperado, a
presença de terapeutas com estilos diferentes sob esta mesma classificação,
isto se dá de acordo com as características de personalidade e também do
momento de vida dos terapeutas. Claro que desde que certos pressupostos
filosóficos não sejam contrariados.
Costumo comparar a Gestalt-Terapia com a abordagem sistêmica, usando a
metáfora de duas árvores diferentes que cresceram numa mesma região de forma
que alguns galhos se aproximam muito. Ambas são árvores por isso têm
similaridades, porém são árvores de espécies diferentes o que gera
singularidades. A sistêmica, árvore oriunda de tradições científicas traz
conceitos precisos e linguagem acadêmica. A Gestalt-Terapia é uma árvore
oriunda de tradição filosófica com conceitos mais abstratos, de transmissão
mais difícil.
Nos pontos em que os galhos dessas duas árvores, que se originam de
universo simbólicos diferentes, se aproximam quase se tocando, surgem panoramas
similares, pontos de vista extremamente parecidos. Uma ave pousada em qualquer
uma das duas árvores nestes pontos de proximidade enxergaria quase a mesma
paisagem.
Não devemos esquecer que estas duas árvores têm algum parentesco
comum. As correntes filosóficas que dão
sustentação a Gestalt-terapia certamente tiveram influência marcante na brisa
pós-moderna que tem sido presente na atualidade e nos discursos científicos nos
quais se apóia a abordagem sistêmica. Atualmente o diálogo estabelecido entre
as diversas vertentes do conhecimento com certeza gera influências mútuas entre
essas duas árvores em particular.
Kurt Lewin um dos participantes das conferências Macy era um teórico da
Gestalt Teoria e fez grandes contribuições com sua teoria de campo. Varella
sofreu grande influência de Merleau-Ponty que era um grande estudioso de
Husserl, pai da fenomenologia. O conceito de carnalidade, por exemplo, está
muito próximo do que Husserl chamava de resíduo da redução fenomenológica.
Voltando às árvores, certamente existem vários galhos de uma e outra árvore
que se aproximam. Temos por exemplo, Gestalt-Terapeutas de tendência mais
assertiva e interventiva, que se aproximam em sua postura da adotada no modelo
estratégico, este absolutamente não é o meu caso. Em minha postura terapêutica,
dou ênfase ao método fenomenológico e a crença na relação terapêutica como
terra fundamentalmente fértil para o desenvolvimento humano.
Vai ser necessário aqui definir e explicar postura fenomenológica e relação
terapêutica dentro de minha ótica.
Postura fenomenológica. Edmund Husserl
pai da fenomenologia era um matemático aluno do filósofo Brentano. Ele buscou
superar a dicotomia, marcante em sua época entre empirismo e psicologismo
através de seu método fenomenológico.
Husserl afirma que toda consciência é consciência de alguma coisa, que
não existe consciência sem objeto.
Desta forma não é possível separar o objeto do observador. No fenômeno da observação o que temos de
fato é o que surge da interação entre o observador e o que é observado. Não
existe a possibilidade de separação, de purificação total do que é observado. O
método fenomenológico como processo de desenvolvimento do conhecimento propõe
como postura, a busca da redução fenomenológica. O que é a redução
fenomenológica? É a busca de se colocar a realidade entre parênteses,
objetivando dentro dos limites possíveis distinguir o observador do que é
observado. Quanto maior é a consciência que o observador tem de sua forma de
perceber o objeto, com seus valores, conhecimentos pré-existentes, etc, maior a
aproximação do que é observado. Em outras palavras é a busca de se abrir para
experiência quando se quer aproximar do que se está observando.
Martin Buber filósofo existencialista nos traz conceitos relacionais muito
interessantes. Buber fala de relação
Eu-Isso e relação Eu-Tu. Na relação
Eu-Isso eu não observo o mundo com curiosidade, eu reduzo a realidade aos meus
mapas anteriores e simplifico e lido com ela nesses moldes. Na relação Eu-Tu eu
me encontro com algo que não conheço, olho o que há a minha volta com
curiosidade, como alguém que nunca vira anteriormente o que está observando. É
uma relação bem mais complexa e sujeita a novidades.
Voltando a falar de relação terapêutica podemos dizer que uma relação
terapêutica produtiva é aquela recheada por muitos momentos Eu-Tu, onde eu não
reduzo a pessoa que está na minha frente às minhas teorias, procuro viver um
encontro existencial. Acredito que o ser humano cresce neste tipo de encontro.
Acredito que da troca genuína e honesta surge o novo. Do contrário, isto é, se coloco entre mim e a pessoa que está a
minha frente minhas teorias gero uma relação Eu-Isso, transformo em coisa essa
pessoa deixando-a sozinha em suas experiências, e é claro, não é fácil caminhar
sozinho especialmente quando esse caminho atravessa áreas nebulosas e
ameaçadoras como as que são típicas de um processo terapêutico.
Em uma relação terapêutica quanto mais clareza a pessoa que está sendo
atendida tem de onde ela está pisando, mais segurança tem ao caminhar, por isso
a importância de uma postura honesta e genuína, de uma postura ao máximo
transparente aonde a confirmação da presença de um outro é fundamental. Vem daí o motivo de tamanha ênfase na troca.
Pareceu-me
necessário mostrar de onde estou
olhando para explicar porque acho tão importante a compreensão do funcionamento
da equipe reflexiva. Este processo me parece extremamente familiar e coerente.
A alma do que eu acredito ser um processo terapêutico está na possibilidade de
troca genuína e honesta onde eu reconheço a capacidade e o valor de quem
estiver em atendimento comigo. Busco estabelecer uma relação em que este outro
possa me enxergar como sou, de forma, a poder saber, onde está, e a ter
subsídios para decidir se quer se mostrar ou não. Da mesma forma a equipe
reflexiva tenta não ensaiar. Busca realizar uma troca genuína, viva e
espontânea diante da família, trazendo à tona as experiências vivenciadas pelos
integrantes da equipe no contato com a família. Para mim fica muito fácil traçar um paralelo entre o encontro
existencial que ocorre numa relação terapêutica individual, e o encontro
existencial vivido entre a família de terapeutas (equipe que realizam o atendimento
utilizando "equipe reflexiva") e a família em atendimento.
Um outro aspecto muito importante dessa
forma de trabalhar é que em minha experiência quando se tem uma equipe
entrosada e consistente os terapeutas de campo podem ter uma postura mais
contemplativa, menos assertiva do que em outros contextos. Saber que se está
trabalhando com um time e que se necessário existe a possibilidade da entrada
da equipe gera um contexto diferenciado. No atendimento familiar é muito
importante que o terapeuta mantenha a organização da sessão, caso contrário o
processo terapêutico se dilui e perde o seu sentido. Desta forma, normalmente o terapeuta de família precisa
administrar com rédeas curtas o processo terapêutico. A presença da equipe reflexiva permite um significativo
afrouxamento nessas rédeas, à medida que a entrada da equipe é
estruturadora. Ela organiza o campo,
faz afirmações; o(s) terapeuta(s) de campo pode(m) perguntar mais, buscar abrir
portas. A equipe ajuda a costurar as
coisas, dando margem a uma interação mais próxima entre terapeutas de campo e
família. Eu gosto disso. Quanto maior a proximidade, maior a
possibilidade de troca, e é claro maior a probabilidade de mudanças. Este
modelo facilita uma aproximação segura.
O respeito à diversidade de opiniões, valorizado e essencial para o
processo reflexivo, também me parece extremamente coerente com uma abordagem
existencialista. O existencialismo crê em um homem que é livre por condição, e
para o qual o equilíbrio só é possível a medida em que ele é consistente em sua
auto construção, respeitando suas características singulares.
O respeito à individualidade, a fé na interação e a coerência interna deste
método me fazem identificá-lo como uma postura terapêutica muito próxima ao
estilo Gestalt-Terapêutico com o qual me identifico. Desta forma percebo alguns
pontos interessantes de convergência entre construcionismo social e minha forma
gestáltica de observar o mundo.
Eu acredito em uma Gestalt-Terapia que se apóia na filosofia, nessa
abordagem as teorias são transitórias. Fundamentais, mas transitórias. A ética,
a atitude e a coerência da postura terapêutica são as bases sólidas e
fundamentais para o fluir do processo terapêutico. Esta forma de pensar é
extremamente coerente com a visão construcionista de que o que é chamado de realidade
é apenas uma construção possível entre muitas outras, não devendo ser encarada
como uma representação icônica de uma realidade objetiva ou mesmo como a
própria realidade.
Discussão das respostas obtidas
nas entrevistas:
Passo neste momento a estudar cada pergunta, feita nas entrevistas,
listando as idéias que foram apresentadas pelos entrevistados. Tarefa difícil
de realizar devido à sua complexidade.
Surpreendeu-me perceber como é difícil destilar de forma coerente as idéias
contidas em uma entrevista filmada. Seguramente é muito mais fácil extrair, com
alguma fidelidade, as idéias de um texto escrito. A entonação da voz, a forma de olhar, a postura ao falar. São inúmeras as nuances que transmitem
informações influenciando no conteúdo do que é dito.(3)
Tenho certeza das
limitações do trabalho que executei. Certamente o leitor, assistindo aos vídeos
com atenção, vai ser capaz de identificar idéias que não foram traduzidas em
sua plenitude. Mas, isso não me
preocupa, pois é totalmente coerente com a importância que identifico na
prática da equipe e reflexiva. A
possibilidade de a família assistir ao diálogo da equipe reflexiva dá margem a
transmissão de uma quantidade incrível de estímulos e informações, o que é incomparável
com a intervenção através do telefone, por exemplo.
Depois de listar as idéias que consegui captar das entrevistas farei
algumas reflexões sobre este procedimento. Não vou ter nenhuma preocupação em
relação a aspectos quantitativos e percentuais. Vou me ater a comentar as idéias apresentadas, buscando
utilizá-las como disparadoras para a construção das respostas mais ricas
possíveis neste momento para as perguntas que efetuei.
1) Este método é eficaz quanto a sua
possibilidade de facilitar a dinâmica terapêutica? Se for, quais são, do seu
ponto de vista, os aspectos que o tornam eficaz? Busque explicá-los.
Obtivemos dos entrevistados as seguintes idéias:
Proposições ligadas a EQUIPE REFLEXIVA de
forma geral
·
Pessoas
diferentes observam, são sensíveis, a aspectos diferentes trazendo riqueza e
novidades ao contexto terapêutico.
·
A
possibilidade de se pensar diferente, enquanto membro da equipe, modela uma
possibilidade de convívio entre idéias diferentes influenciando positivamente a
família.
·
Pontos
de vistas diferentes dão margem a novas idéias para o sistema.
·
A
carga emocional que vem junto com a idéia também é importante.
·
A
posição da equipe é diferente, não tendo de se preocupar com determinados
aspectos (condução do processo), ela pode perceber coisas difíceis de serem
vistas pelo terapeuta de campo.
·
A
equipe tem liberdade de colocar coisas que um terapeuta de campo não teria.
Proposições ligadas a DIFERENÇAS NO SUBSISTEMA
FAMÍLIA EQUIPE DE CAMPO
·
Ritualização
é construído um rito de entrada da equipe, uma espécie de ritualização do
processo de compartilhar as idéias.
·
A entrada
de um grupo falando sobre as pessoas de um lugar diferente gera um escuta
diferente.
·
Sempre
acrescenta alguma coisa, mesmo que seja no sentido de gerar contraste. “Não eu
não penso assim”.
·
Quebra
a relação dual terapeuta família, cria uma situação circular.
·
Como
se trouxesse uma nova dimensão para a situação terapêutica uma perspectiva
diferenciada.
Proposições ligadas a FAMÍLIA
·
Nunca se sabe qual idéia vai surtir efeito na família.
·
Permite que as pessoas se escutem através dos membros
da equipe. Escutem a própria voz modificada e a distância.
·
Escuta a repercussão que ela teve em uma outra pessoa
e a distância.
·
O repertório de visões diferentes é oferecido como um
cardápio de fácil escolha, posto que essa escolha não é feita dentro do
diálogo, mas olhando de fora.
·
O fato do olhar não ser direto na pessoa faz com que
ela possa assistir ao diálogo de um ponto confortável.
·
A família tem a oportunidade de entrar em contato com
diálogos internos e externos, possibilitando o surgimento de vozes que não
estavam acessíveis.
Considerações:
Está foi a primeira pergunta voltada para o objetivo central do trabalho, e
vai direto ao ponto. Quais são as
características que trazem eficácia a este método? As idéias apresentadas acima
me pareceram coerentes e de fácil compreensão, não vou cansar o leitor
repetindo-as. Seguindo a coerência com o método reflexivo vou me ater a
escrever sobre as idéias que neste momento se fazem mais marcantes para mim.
É inegável a importância do aporte de novas idéias que a equipe reflexiva
traz ao universo terapeuta de campo/clientes, porém alguns outros aspectos
também me chamam atenção. As idéias não vêem de uma máquina. Vêem de pessoas que expressam sua "pessoalidade"
no que estão dizendo. A família e os
terapeutas de campo tem a oportunidade de presenciar em toda a sua intensidade
a expressão de vida das pessoas que compõem a equipe reflexiva. A equipe
reflexiva tem a oportunidade de fazer poesia viva, tocando em temas intensos e
íntimos da família. O contexto gerado por esta prática permite isto.
Uma música é capaz de transmitir sentimentos e idéias que para que se possa
descrever seriam necessárias milhares de palavras. De uma certa forma a equipe reflexiva tem a oportunidade de criar
música, criar poesia, criar drama tocando em um enredo trazido pela família.
Desta forma o que é transmitido tem dimensões difíceis de se explorar
simplesmente com palavras escritas, pois no contato humano, no diálogo humano
são transmitidas muito mais do que palavras.
E tudo isso ocorre em solo sagrado. Em uma terapia familiar, quando o
processo vai se aprofundando, terapeutas e família vão entrando em áreas
sagradas. A intimidade de uma família merece respeito e cuidado. Eu sempre me sinto honrado quando as famílias
nos permitem transitar por essas áreas.
Paradoxalmente a presença de uma equipe reflexiva facilita o caminho para
essas áreas mais sagradas, digo paradoxalmente, pois o fato de existirem
pessoas assistindo de fora a sessão terapêutica poderia gerar uma situação de
menos intimidade. Porém a medida em que as sessões vão se sucedendo a presença
da equipe reflexiva contribui para o estabelecimento de um contexto de
segurança, de um contexto de confiança. Este contexto de confiança parece ser
gerado, entre outros fatores, pela intensidade das colocações feitas pela
equipe reflexiva. O distanciamento que a equipe reflexiva tem do processo
terapêutico permite que seus integrantes vivam um contato intenso com seus
sentimentos para depois falar deles.
Isto gera uma intensidade marcante nas palavras que são trazidas por
eles, contribuindo para a construção de um clima cada vez mais íntimo. Isto
também se reflete na equipe terapêutica como um todo. A cada atendimento a
situação de estar passeando e se mostrando em um terreno tão íntimo e sagrado,
convida a equipe como um todo (equipe de campo mais equipe reflexiva) a um
clima de intimidade no qual a possibilidade de exposição na inter-relação da
própria equipe tende a se intensificar.
Do ponto de vista de uma abordagem existencial se existe um encontro
existencial verdadeiro, existe mudança dos dois lados. No caso de um processo
terapêutico ocorrem mudanças tanto na família como também no terapeuta. Esta
crença é totalmente coerente com as mudanças que vão acontecendo também no
interior da "família equipe terapêutica". Cabe ressaltar que uma
infinidade de fatores, que compõe o campo equipe terapêutica, pode interferir
neste processo, daí a importância de se trabalhar cuidadosamente a equipe
terapêutica. Iremos aprofundar este ponto posteriormente.
2) Após a entrada da equipe reflexiva podemos observar uma grande mudança
no contexto emocional do campo terapêutico, você concorda com essa afirmação?
Se concordar, como você compreende este fenômeno?
Obtivemos dos entrevistados as seguintes idéias:
·
O contato com idéias tão diversas a respeito dos
acontecimentos descola a família do aqui e agora. Permite que a família vá para
uma situação reflexiva em relação aos problemas. É como se a pessoa tivesse olhando para um quadro com nariz
encostado nele e com essa dinâmica ela pudesse ir se afastando do quadro e com
isso encontrasse uma perspectiva com a qual é possível ter uma visão mais ampla
daquele contexto.
·
Quando a equipe entra é como se outros terapeutas viessem
cuidar da família e dos terapeutas de campo e isso traz um sentimento de
cuidar. Isso traz um clima de cuidado e de generosidade. Traz também um clima
de diálogo, mesmo que existam diferenças de ponto de vista, isto não tem
importância em função deste clima de diálogo.
·
A equipe está mais livre para refletir, para trazer
sua vivência, falar sobre como foi tocada, o que sentiu e o que pensou. A
equipe reflexiva é mais emocional. Cria um espaço mais livre para se falar do
que se está vivendo de forma menos mediada, mais espontânea e menos censurada.
·
Poder falar de um lugar de igualdade de ser humano, de
pessoa para pessoa, minimizando a distância do especialista para o paciente. E
isso aproxima esse trabalho da Gestalt-Terapia.
·
Interrompe o fluxo da conversa coloca a família numa
posição de escuta.
·
O fato de outras pessoas entrarem, a ritualização,
fato de as pessoas conversarem entre elas, isso tudo quebra o clima já
existente.
·
É como se abrisse uma janela na sessão para que as pessoas
pudessem ouvir tanto a elas mesmas como as ressonâncias trazidas pela equipe.
·
A ritualização.
·
A entrada de outras pessoas.
·
A solenidade dessa fala ser num espaço separado.
·
A família não incluída na conversação, sendo colocada
numa posição de escuta.
·
Fala do sentimento cada um fala do que sente. A equipe
é orientada a buscar as ressonâncias, a falar de suas próprias experiências que
foram provocadas a partir do que foi presenciado.
·
A família vê gente interessada na história deles e
falando como gente, falando de si mesmo.
·
Ninguém é culpado, ninguém é inocente, é apenas uma
história que qualquer um pode viver.
Não é privilégio de ninguém.
Considerações:
Considero esta pergunta extremamente importante. Nossa sociedade ocidental
não nos treina muito a prestar atenção no subjetivo. Nós somos sempre incentivados a olhar para o concreto para o
objetivo para o que tem uma forma definida.
Em um diálogo é estabelecida uma espécie de dança na qual muito mais do
que o conteúdo verbal objetivo é transmitido.
Em um processo terapêutico se busca
caminhar por áreas nas quais as pessoas em outros contextos não ousam ou não
conseguem trafegar. Para que essas expedições emocionais, no universo íntimo de
uma família possam ser bem sucedidas é fundamental que os passos sejam dados de
forma extremamente consistente isto é os passos precisam ser firmes e ao mesmo
tempo cuidadosos. Os expedicionários precisam estar seguros confiantes e
atentos. No universo do diálogo essa consistência passa por uma percepção e por
uma expressão que leve em conta, da forma mais ampla possível, a totalidade do
que se expressa quando se dialoga e esta totalidade vai muito além do conteúdo
objetivo do discurso. Neste
sentido a diferença de papéis exercida pelos membros de um sistema terapêutico,
dividido em terapeutas de campo e equipe reflexiva, facilita com que este
sistema abranja um universo mais amplo no diálogo estabelecido com a
família. Este formato amplia a
possibilidade de identificar uma gama mais ampla de nuances no diálogo terapêutico
e de traduzir em "palavras humanas" também uma gama mais ampla de
nuances apreendidas/construídas nesta relação.
A consistência emocional construída
neste processo dá sustentação à “expedição emocional" (terapia familiar), criando um contexto
seguro para a jornada. Desta forma, com muita freqüência, as alterações que
surgem após a passagem da equipe reflexiva vão na direção de uma intensificação
da possibilidade de expressão emocional.
É como se as pessoas pudessem estar mais integradas, mais sintonizadas
em suas emoções. É claro que a possibilidade de estar numa situação de escuta,
fora do diálogo direto também dá a família a possibilidade de exercer um papel
diferente e observar aspectos diferentes enquanto está neste lugar. É uma dança
na qual as trocas de posições facilitam o movimento.
3) O lugar dos terapeutas de campo é bem diferente do lugar da equipe
reflexiva. Como você definiria essas diferenças, especialmente quanto à escuta
e quanto à fala?
·
Quando
o terapeuta está no campo, ele fica mais limitado tanto em relação à
possibilidade de escuta como em relação à possibilidade de fala.
·
É
importante que o terapeuta de campo busque calçar o sapato do cliente, busque
pensar e sentir como o cliente. Isso
aproxima o terapeuta do cliente, porém limita sua possibilidade de visão e de
fala.
·
O
terapeuta que está atrás do espelho fica mais livre podendo olhar para o que
quiser. Fica menos comprometido com
esta identificação tão grande com o paciente.
Dá para ter uma visão um pouco mais geral.
·
A
equipe reflexiva fica mais livre para falar. Ela se autoriza a falar coisas que
o terapeuta de campo não poderia falar em função do lugar de empatia que ocupa.
·
Os
terapeutas de campo ficam mais focados na família. A equipe reflexiva não tem
que amarrar nada, apenas tem que colocar estímulos.
·
Existe
uma divisão de tarefas. Quando estou no campo eu não preciso me preocupar com
certos aspectos porque sei que equipe vai estar atenta a eles.
·
O
terapeuta de campo tem uma conexão mais direta, tem uma vinculação, uma
afetividade, uma responsabilidade diferente.
Ele produz um diálogo, faz perguntas, se mobiliza. Ele tem que facilitar
uma conversa. Não que ele não fique em
contato com suas ressonâncias, seus sentimentos, mas existe ali uma exigência
de rapidez de produção, de fazer perguntas de pensar junto, de lidar com a
emoção de uma maneira diferente.
·
Quem
está atrás do espelho está priorizando uma escuta, o silêncio, contato consigo
mesmo, a ressonância do que está escutando da família e finalmente a
transformação disso numa fala que a família possa ouvir.
·
A
conexão da equipe reflexiva com a família tem uma certa distância, até física
mesmo, eles não estão participando da conversa.
·
A
equipe escuta para pensar em algo que vai dizer em um outro momento. O terapeuta escuta para construir um
diálogo.
·
Quem
está no campo está numa conversação está buscando intervir de forma a facilitar
essa conversação. Quando se está na
equipe reflexiva se está buscando falar sobre o que ressoou daquela a conversa.
·
Fala
da equipe reflexiva é uma fala mais estruturada é uma fala vinda de um silêncio
traz uma conexão com a emoção.
·
Terapeuta
de Campo se ocupa com o texto. A equipe atrás do espelho está ocupada com o
contexto.
· O terapeuta de
campo. Tem que cuidar de perguntas, respostas, ações, reações. Ele tem que cuidar de todo mundo com base
nos fatos. A equipe reflexiva vem
falando no processo. Não tão ligada aos
fatos.
·
A
equipe reflexiva se ocupa de uma visão mais geral, vê o processo mais do que o
fato.
·
A
interferência de quem está atrás do espelho é menor por que o contato não é um
contato direto, o que gera preocupações diferentes.
·
Basicamente
quando estou atrás do espelho eu procuro a emoção.
Considerações:
O tamanho da diferença existente entre os dois lugares é muito marcante.
Alguém que não tenha vivido a experiência de ocupar as duas situações, não tem
como imaginar a nitidez dessa diferença de papéis. Os terapeutas de campo
conduzem o leme. A equipe reflexiva
traz a alma. O terapeuta de campo dá suporte ao processo, estrutura o caminho,
constrói o diálogo. A equipe reflexiva é uma caixa de ressonância que amplifica
e dá qualidade ao som. Funciona como
uma espécie de oráculo. Não um oráculo
místico com poderes sobre humanos. Um
oráculo humano, com um calor do humano e a riqueza do encontro, da troca, do
contato entre pessoas. Um contato entre
pessoas protegido. Podemos pensar o
lugar atrás do espelho como um mosteiro onde em um contexto de paz e
distanciamento, os monges podem meditar e a re-ligação (da palavra religião)
tem espaço para acontecer. Só depois, em um segundo momento, elas vão
falar do que perceberam, do que vivenciaram e vão dialogar com seus pares, seus
colegas de equipe reflexiva que passaram por situação idêntica. Este diálogo dá margem a uma troca que
auxilia mais ainda na elaboração e na expressão do que foi vivenciado.
4) E quanto ao lugar do cliente. Como você percebe ser estar nesse lugar?
· Se num primeiro
momento a família ou o grupo acha um pouco estranho depois deles passam a pedir
que ocorra a equipe reflexiva.
· Pode escutar
sem ter que se posicionar.
· A relação com a
equipe reflexiva é mais emocional, com os terapeutas de campo a relação é mais
pesada mais séria.
· A família pode
ficar no lugar de escuta reflexiva.
· Pessoas gostam
muito, reclamam se equipe não vai.
· É como se eles
pudessem escutar de fora o que foi dito no decorrer da sessão.
· Não lembro de
nenhuma situação em que a família não gostasse da entrada da equipe.
· É um momento de
escutar coisas diferentes, sínteses.
Considerações:
As idéias retiradas das entrevistas já são
bastante elucidativas, mas vale a pena fazer alguns comentários.
Mesmo que contextualizemos cuidadosamente a família quanto às características
desta prática a primeira entrada de uma equipe reflexiva no atendimento de uma
família pode parecer algo insano, especialmente se a equipe reflexiva vem até a
sala de atendimento ao invés de ocorrer a mudança na luminosidade que permite a
inversão da visão no espelho uni-direcional. É uma situação que precisa ser
muito bem explicada, pois para começar a presença de pessoas atrás do espelho
já é algo estranho e meio persecutório. De repente elas adentrarem a sala e,
sem a menor educação, começarem a falar entre elas como que fingindo não
perceberem a presença das pessoas que estão na sala. É uma situação mais
estranha ainda.
Chama atenção como em
muito pouco tempo a família absorve essa que pode parecer uma estranha situação
e consegue vivenciar de forma geralmente intensa, gratificante e produtiva, o
contato com a equipe reflexiva. Acredito que a
sintonia que as colocações feitas pela equipe reflexiva tem com o momento
emocional da família facilita a compreensão deste procedimento por parte da
família e a absorção dessa dinâmica como parte integrante do processo
terapêutico.
Pensando sobre a idéia da ausência de um olhar direto entre a equipe
reflexiva e a família, de não se estar dentro de um diálogo, ocorre-me a idéia
de que em um grupo em que as pessoas estão dialogando tem toda uma rede de
cumplicidades e identificações que vão influenciar nas teses que são
definidas. Isso fica diferente quando o
diálogo é feito dentro de um outro universo, a equipe reflexiva.
5) Que cuidados, em termos de composição da
equipe e forma de trabalho devem ser tomados no sentido de que a equipe se
desenvolva bem?
·
Diversidade:
pessoas diferentes compondo a equipe, a diversidade é muito importante.
·
Não
deixar cair no âmbito de uma hierarquia de poder, definição de certo e errado
cuidar para que seja uma relação humana.
·
Construir
na equipe uma noção clara do humano, da relação de pessoa a pessoa, de ter
contato com o que se sente.
·
Confiança. Existir um clima de confiança nas relações
da equipe.
·
Estar
atento ao objetivo, cuidar para que não aconteçam disputas dentro da equipe.
·
Cuidar
do falar, na forma de falar e se o que será falado vai ser algo que vai abrir
possibilidades para a família?
·
Cuidado
para não trazer idéias demais.
·
É
um exercício pessoal de percepção dos seus sentimentos e o exercício de
transformar isso em palavras de uma forma construtiva. O objetivo não é só
falar dos sentimentos, mas usar as ressonâncias para construir uma fala que
possa contribuir com a família e isso tudo sem perder a espontaneidade. Esse é um exercício difícil.
·
É
importante sempre trabalhar as relações dos membros da equipe.
·
Para
mim um maior cuidado é trabalhar a confiança, evitando o máximo possível a
competição e exercitar o respeito.
Todas as falas são pertinentes e é sempre surpreendente quais são as
falas que vão ser valorizadas pela família.
·
Procurar
a diferença que faz diferença. Algo que
seja próximo o suficiente para ser escutado, mas suficientemente diferente para
gerar novidades.
·
Falar
cantando. De uma forma que não seja
agressiva para família.
·
Falar
de uma forma que gera segurança que as pessoas se sintam protegidas.
Considerações:
Mais uma vez as idéias trazidas a partir das entrevistas já são
extremamente elucidativas.
Essa pergunta
convida a três possíveis linhas de pensamento. Primeira que cuidados tomar
durante o processo terapêutico para que ele seja produtivo e corra bem. Uma
outra linha é de que cuidados tomar na administração de uma equipe reflexiva ao
longo de sua existência. A terceira
linha de pensamento é no sentido de que cuidados tomar na montagem, na composição
da equipe.
A dinâmica em questão é muito rica,
porém alguns cuidados realmente são muito importantes. A equipe precisa ter uma noção clara de sua
identidade diante do contexto terapêutico.
É fundamental que os integrantes da equipe tenham clareza de sua função
e do objetivo de suas colocações. Essa
clareza molda a forma como as pessoas vão se colocar. Faz com que as pessoas
fiquem atentas em falar de maneira a serem escutadas tanto em termos da forma
como em termos de conteúdo.
A fogueira das vaidades, facilmente
transforma em cinzas uma equipe terapêutica. Quanto maior a condição de diálogo
que os integrantes de uma equipe terapêutica tenham, mais provável é o sucesso
dessa equipe. Neste sentido é fundamental investir em cuidar das relações entre
os membros da equipe e a disponibilidade para este investimento é um
ingrediente fundamentalmente necessário. O resto se constrói com o tempo.
Também é importante estar atento em
relação a como as ressonâncias do contexto familiar afetam a interação dos
membros da equipe terapêutica. Se
surge, por exemplo, um clima de competição dentro da equipe terapêutica vale
investigar atentamente se existe alguma possível relação deste clima com o
contexto emocional trazido pela família.
A identificação deste tipo de relação protege a equipe e permite a
utilização destas informações em prol do processo terapêutico.
Quanto à composição da equipe penso que esse tema merece uma
pesquisa, e que essa pesquisa não deve ser muito fácil de ser realizada, posto que
se pensarmos em estilo de personalidade, experiência de vida, gênero e muitos
outros fatores que podem ser combinados, temos um universo extremamente amplo
para observar.
6) Você teria alguma metáfora que ilustre o funcionamento deste método?
É como se...
·
É
como uma lufada de ar que entra na sala.
Um arejamento.
·
É
como um “pit-stop” a equipe troca os pneus reabastece verifica o óleo. Faz o
ajuste fino.
·
É
uma coisa de coração puro. Um bálsamo
para a família e para os terapeutas de campo.
·
É
como se a família naquele momento ocupasse o lugar da diretoria, ficasse em
posição de avaliar, de dizer: gosto; não gosto; achei interessante; não achei
interessante.
·
Como
se fosse um ritual.
·
É
como se fosse um coro grego que está fora da cena, mas fala coisas que
interferem na cena.
·
É
como se estivesse todo mundo no mesmo barco com funções diferentes e todos
dependem de todos, todos são responsáveis.
Considerações:
Chamou minha atenção a variedade de aspectos focalizados pelos
entrevistados. Praticamente cada metáfora citada aponta para uma gama
específica de características do processo.
Penso que metáforas são extremamente
ricas na sua possibilidade de criar mapas para uma determinada situação. É como se elas fossem multidimensionais,
enquanto o discurso científico, por exemplo, parece ter uma única
dimensão. As metáforas são como hologramas,
enquanto a prosa é uma planta baixa.
Cada metáfora citada acima poderia ser
longamente analisada e
explorada, mas não vou seguir esse caminho, prefiro
deixar as metáforas como metáforas mesmo. Vou me ater a colocar as minhas metáforas favoritas para
representar esta prática.
Fio
O contato direto é mais espesso que o fio do interfone, o fio é muito
fininho passa pouca informação. As
intervenções através interfone têm muito menos dimensões, gerando assim um
efeito menos rico.
Cinema
Assistir a equipe é como assistir a um bom filme (no caso ligado à própria
história da família e da sessão). Depois de assistir a um bom filme com pessoas
agradáveis normalmente surgem conversas interessantes e animadas sobre o
assunto. Alguns ingredientes desse novo papo são: Cumplicidade (todos acabam de
passar por situação parecida assistiram o mesmo filme), mobilização afetiva,
quebra de gelo, assuntos que antes podiam estar na condição de tabu se tornam
acessíveis (aquecimento).
Considerações Finais:
Realizar este trabalho foi extremamente gratificante. Hoje me sinto mais capaz
de falar sobre este método. Identifico com mais clareza alguns dos aspectos que
estão ligados ao retorno positivo que ela traz.
Penso que este trabalho também ajuda a demonstrar o quanto este método
pode ser congruente com o olhar Gestáltico.
A Gestalt terapia traz um olhar extremamente coerente com atendimento de
família e se mostra uma abordagem extremamente rica em termos desta finalidade.
Atualmente no Rio de Janeiro assistimos a um movimento marcante de aproximação
dos Gestalt-terapeutas em relação a pratica da terapia familiar. Para tanto
muitos terapeutas têm buscado suporte na abordagem sistêmica, que tem grande
tradição no atendimento familiar.
O diálogo com a abordagem sistêmica traz contribuições marcantes para a
Gestalt-terapia. Neste diálogo podemos
enriquecer nossos mapas, tanto em função da longa história da terapia sistêmica
no que tange ao atendimento familiar, como também a partir da percepção das
semelhanças e diferenças. Essa percepção
ajuda na construção de nossa identidade como terapeutas.
O contraste a
diferença faz com que a figura emerja do fundo. Ter contato com os olhares
diferentes traz a possibilidade de acesso ao contraste e o contraste ajuda no
conhecimento.
Acredito que como terapeutas,
quanto mais conhecemos nossos limites, nossa identidade, mais condições temos
de facilitar com que nossos clientes ampliem a percepção que têm sobre suas
identidades no contato conosco.
"A diferença que faz diferença"
como nos diz Bateson, se a diferença é grande demais não pode ser absorvida
pelo sistema. Se a diferença é pequena demais não traz novidades. O contato com
a forma reflexiva traz diferenças que fazem diferença.
No momento de catalogar as idéias trazidas pelas pessoas entrevistadas
ficou para mim tão nítido como é difícil traduzir de forma objetiva o que a
gente enxerga no que uma pessoa está dizendo quando nós assistimos esta pessoa
falando. Dar forma às diversas
dimensões que podemos perceber no discurso de uma pessoa é uma tarefa árdua.
Isso mostra como é imensamente mais rica a entrada da equipe reflexiva no campo
do que uma intervenção através de um contato telefônico com um dos terapeutas.
Um outro aspecto que fica marcante para
mim é que quando busco dar forma a meus pensamentos, depois de trabalhar com as
entrevistas, dois caminhos nitidamente diferentes se abrem: um o analítico, e
um outro que passa por um olhar mais global, que desce menos aos
detalhes, porém busca uma fidelidade maior em relação a compreensão do todo. Esse enfoque é meio poético, um tanto menos
preciso, mas também tem seu lugar. Espero que com o auxílio das idéias
extraídas das entrevistas este trabalho tenha conseguido trazer contribuições
nessas duas vertentes.
Bibliografia
1 Andersen, Tom – Processos Reflexivos/ Tom Andersen - Tradução:
Rosa Maria Bergallo. Rio de Janeiro: Instituto NOOS: ITF 2002. 2º edição
2 Maturana, Humberto e Varela, Francisco – A árvore do conhecimento as bases
biológicas do entendimento humano – Tradução Jonas
Pereira dos Santos; São Paulo :
Editorial Psy II, 1995
3 Watzlawick, Paul; Beavim, Janet Helmick
& Jackson Don D. - Pragmática da Comunicação Humana –
Editora Cultrix 96 – capitulo 2 paginas 44 a 64.
4 A. Grandesso, Marilene, Sobre a Reconstrução do Significado: Uma Análise Epistemológica e Hermenêutica da Prática Clínica -
Casa do Psicólogo, 2000 – Rio de Janeiro, RJ
5 Elkaïm, Mony – Panorama das terapias
familiares / |Org.| Mony Elkaïm; Tradução Eleny
Corina Heller.| - São Paulo : Summus, 1998. Volume 1
6 Elkaïm, Mony – Panorarma das terapias
familiares / |Org.| Mony Elkaïm; Tradução Eleny
Corina Heller.| - São Paulo : Summus, 1998. Volume 2
7 Gilardi, Ana Beatriz T. & Silva, Márcia
C. Estarque - A relação terapêutica
na Terapia Familiar Sistêmica Construtivista e na Gestalt-terapia - uma breve
reflexão.- U.F.R.J. - Instituto de psiquiatria, Setor
de Família, 1994. 89 folhas. Monografia
do Curso de especialização em Terapia Familiar Sistêmica; Rio de Janeiro, RJ.
8 Sluzki, Carlos, E. –
A rede social na prática sistêmica / Carlos E. Sluzi: tradução Claudia Berliner. – São Paulo : Casa do
Psicólogo, 1997.