VÁRIOS BUQUÊS DE EUS, ATADOS COM FIOS DE SOLIDÃO
Jean
Clark Juliano
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ESCREVENDO, INICIO A PRIMEIRA VOLTA
Estou
precisando escrever. Meus textos surgem assim, de repente. Quando tudo pára, me
sinto confusa, sem emoção, tendo muita dificuldade em abrir um tema que me
levará a algum lugar. Não tem jeito.Vamos enfrentar o vazio.
Que
consiste em começar escrevendo ao
léu. Dá um pouco de agonia, é um
momento em que nada tem a ver
com nada. Se a angustia cresce
muito, posso silenciosamente pedir auxílio a outras pessoas. As inúmeras que
deixaram lembranças importantes arquivadas em mim. Á vezes posso nomear alguns
desses eus
Que insistem em
residir em um cantinho do meu ser, e
cada um se apresentando de uma maneira diferente. Românticas, guerreiras,
sonâmbulas, ativas, sensíveis, lunáticas, distraídas, adormecidas...
No momento em
que inicio este movimento e me ponho a caminho do encontro , dialogando
internamente já me sinto melhor. A sensação de paradeira se vai, e o futuro me
parece mais alvissareiro.
CIRCUMAMBULANDO
A palavra
que melhor descreve esse processo é CIRCUMAMBULAR. Que quer dizer dar
voltas, muitas voltas, ao redor daquilo que está nos chamando a atenção no
momento, podendo então mudar de perspectiva, ver a partir de outro ponto de
vista, maleabilizando o que parecia estar estagnado.
O que me chama
a atenção agora não é nada novíssimo, mas que não deixa de me causar estranheza
e dor, quando apesar do esforço, da atenção, a comunicação não acontece.
E quando ela não acontece, a solidão continua. E a esperança se vai.
Tenho estado
inquieta. Quando isso acontece, sei que
existe algo borbulhando, pedindo passagem. Em geral, não sei do que se trata,
mas neste momento sei que estou falando de INSPIRAÇÃO. E ela chega como se
fosse uma dança dos 7 véus, que, no seu
movimento, desvenda o corpo e as
idéias aos poucos. Isso quer dizer que a criatividade está brotando novamente,
tudo começa a ficar mais colorido, com um novo frescor. Aproveito estas imagens
para tornar mais leves estas reflexões.
Com um gesto de
entrega, permito-me fluir na dança, rodando, rodando... Fico curiosa e me ponho a prestar atenção
nas imagens que surgem.
E este possível
momento de encontro é saborosissimo, uma alegria, uma disposição. É a
realização de um sonho longamente acalentado
e que permeia a minha
vida.
Apesar do
esforço, muitas vezes não somos
ouvidas, e como resultado, as idéias se encolhem lá no fundo de nós mesmas. Bem guardadinhas. E aí , só em
situações especiais elas ousam voltar a tona . Se tivermos sorte surgirá alguém numa situação parecida, com suas
idéias guardadas em um canto bem resguardado... também na esperança de encontrar alguém que seja capaz
de ouvir seus segredos.
De repente....achei o tema, que custou
tanto a surgir com simplicidade e clareza. Ei-lo aí:
COMO É DIFICIL A GENTE SE
FAZER ENTENDER, NÃO É?
Vou falar isso
de novo, para ficar bem claro! Como é difícil a gente se fazer entender, não?
Em várias dimensões de nossa vida, buscamos com tanta dedicação a possibilidade
do Encontro...Parece incrível, mas com tantos recursos, mesmo com estudos
especializados, com todo um treino de sensibilidade no ver, ouvir e no falar,
apesar de tecnologias avançadíssimas, por maior que sejam nossos esforços.
Só mesmo com o auxílio da sorte.
As nossas mensagens não chegam nem perto do
outro, que diremos da vontade de que
atinjam a alma, o nosso
objetivo mais profundo.
E vejam bem, fiquem atentos à quantidade de
linguagens de que nós nos utilizamos. Além das línguas mais conhecidas, podemos
incluir movimentos corporais, danças, vestimentas, cores, tatuagens, jóias. E
outra infinidade de formas de se comunicar. Uma colega me contou que foi convidada a fazer um trabalho de grupo
de mulheres em país muçulmano. Ela pesquisou muito como poderia fazer este
trabalho, uma vez que não sabia falar a língua do país. E estava um pouco
aflita com este fato. Quando chegou lá, um pouquinho de conversa com a pessoa
que a convidou só fez piorar a perspectiva. As mulheres eram proibidas de falar
fora de casa. E agora?
Com aflição e
tudo lá se foram para o encontro. E , com a maior franqueza, mesmo porque não
havia outro jeito, ela pediu ajuda ao grupo. E com a maior alegria, elas se
puseram a ensiná-la a linguagem dos
lenços .A conversa se fazia pela leitura da cor do lenço usado no dia, pela
direção em que ele era enrolado, mais curto, mais longo e todo o gestual que
vinha junto. Aos poucos o trabalho, as histórias iam chegando.
Então,
profissionais ou não, precisamos estar atentos para aprender todas as línguas possíveis. Sejam elas
faladas, vistas, advinhadas...
Há pouco tempo
fui visitar uma amiga que tinha um filho de um pouco mais de 3 anos, ele já
falava um pouco de inglês (a família é americana) um pouco de espanhol,( eles moram na Califórnia,) principalmente,
para o meu espanto, na pré-escola
aprendia também a linguagem de surdos-mudos. Como uma outra língua possível,
não só uma política de tratar bem pessoas com deficiências nessa área da comunicação.
O constante
fracasso nas tentativas de nos fazermos entender, nos põe em contato com uma
densa solidão. São várias solidões, e não só uma. Podemos estar solitários de
nós mesmos; solitários daqueles que
amamos; solitários de colegas, solitários no mundo..
E pensar que aquilo que mais nos faz falta,
a nossa maior riqueza é a lembrança de
situações em que experienciamos ser
envolvidos numa suavíssima camada de aceitação e aconchego. Em que pudemos nos
apresentar do jeitinho que somos, sem tirar nem por.
Acho que para
contrabalançar, fico em contato com a multiplicidade de eus que existem aqui
dentro.. Vários personagens, uns mais complexos, outros mais simples, ainda
outros afetivos, outros zangados.. Tenho uma idéia: vou eleger alguns eus,
alguns fios de solidão, e construir pequenos buquês..
VÁRIOS BUQUÊS DE EUS
ATADOS COM FIOS DE SOLIDÃO
Às vezes me
perguntam se eu acredito em espíritos. A minha resposta é sim. Só que me refiro aos eus que de vez em
quando vem à tona, para nos demonstrar que é possível encontrar outros
caminhos... Muitas vezes somos agraciados com
a presença de um jeito de ser que nos acalma, integra e cura.
De vez em
quando eles (os personagens, os eus) surgem com muita nitidez. Daí é possível brincar e experimentar. Para ver
se formam uma química interessante.
Começam a tomar
formas muito diferentes, e posso até
incentivá-los a fazer alguns diálogos simples, contando suas origens. Algumas
vezes , por vontade própria, eles sopram, com muita delicadeza, bem de leve,
sugestão de temas para conversas que se apresentam , nos abrindo sentimentos
que compartilhados, vão compondo idéias.
Desta maneira,
o peito começa a se aquecer,, o mal estar vai se desvanecendo e no seu lugar
vamos tecendo com fios coloridos de eus, combinando com arremates de fios de
solidão.
O MUNDO DÁ MUITAS
VOLTAS...MAIS UMA VOLTA, É POSSIVEL A
ESPERANÇA?
O problema é
que esta constelação acontece muito raramente. Este ser amado, com o qual
sonhamos, e que virá para diminuir a dor da solidão, demora muito quando
chamado.
Por que será? O
encontro tinha sido tão bom que até imaginamos que esta relação duraria mais. A
esperança brotou, toda viçosa...mas não aconteceu.
Vamos conversar
um pouco a respeito da difícil tarefa de entender a dinâmica da relação homem - mulher.
AVISO: Vocês
notarão ao longo do texto algumas ironias e algumas brincadeiras...
Temos um problema
aqui. Onde será que anda este companheiro? Nos dias de hoje, o telefone da sua
empresa, um PABX super moderno, está
sempre ocupado. O celular, para evitar “acidentes” só dá caixa. Talvez
tenhamos mais sorte enviando um e-mail, contando o ocorrido, pedindo socorro.
Mas, sabe o que? Ele costuma se
justificar dizendo que tem uma agenda lotadissima,: tinha de fazer muitas
coisas: verificar se vieram consertar aquela máquina caríssima; ir ao banco,
entregar o relatório que era urgente, e, na volta, imagine, pneu furou.
A nossa
disposição também,,,
Não lhes parece
absolutamente ancestral ter uma hora
comum para refeições? Isso porque conseguir
fazer com que a familia toda se
sente para fazer uma refeição conjunta é uma conquista, é um feito, de uma pessoa
tenaz e insistente.
E que podemos
fazer com o comentário venenoso que os amigos fazem se, por acaso,”Ele” atender
o celular e que adivinhem que se trata
“da Esposa” chamando o amigo para casa, sendo, como sempre, colocada
como a desmancha -prazeres. E todos penalizados com a sina do amigo. Dando
conselhos ”Nunca revele lugares que você freqüenta, ela vai se sentir segura e
vai querer lhe controlar”. A chave do bom comportamento da mulher é a
insegurança, não se esqueça, mantenha-a
sempre na insegurança. ( e ela pensará:
será que estou muito gorda/magra? Será que estou com muitas rugas? Será que
aquela energia tão
insinuante que era a minha marca
desapareceu?) Se assim não for, porque é que ele fica encarando as mulheres
que passam, assim, de queixo caído, enquanto tentamos nos equilibrar em saltos
altíssimos , à custa de nossa coluna, e ele nem nota que estamos de cabelo roxo
novinho em folha...
Rodando,
procurando, aprendemos que o auge da desafinação é justamente esta, a que envolve o homem e a mulher
Ele não entende
nada de fios de solidão de que ela de vez em quando ousa falar ( ficou louca?),
e ela menos ainda desta eterna busca de
poder.( ela é a princesinha, fica protegida de tudo, eu cuido de tudo, ela não tem idéia do que é isso).
A MULHER É MUITO FORTE! PROTEJA-SE!
FIQUE LONGE DELA! (a mãe dele sempre dizia)
Aos poucos vai
se delineando um paradoxo: o nosso homem sempre sonhou, a vida inteira, em sair
pelo mundo, sozinho, para escalar o Himalaia, navegar até o Pólo Sul... fazer
escaladas dificílimas. Durante a sua peregrinação, sempre fará um diario
escrevendo Tim Tim por Tim Tim Para não
omitir nenhum detalhe, para que ele não se esqueça do que viveu e tambem contar
aos amigos, provando o que é possível realizar quando o empenho é verdadeiro e
a gente não toma tempo em olhar para os lados, nem ouvir opiniões.
Agora ouso
perguntar, com muita vontade de protestar: Nestes casos, como ficamos nós
mulheres e nossas crianças? E os nossos
sonhos femininos? E o medo dos
acidentes que poderiam vir a ocorrer
aos nossos amados durante essas aventuras? Acidentes e pior ainda,
incidentes tais como encontrar outra
mulher muito mais aventuresca e portanto mais interessante?
A mulher
compartilhou estes percalços, sofreu, ficou em dúvida se era de fato amada.
Cansada, tinha prometido vingar-se. Daria algum jeito de devolver
alguns desaforos, grosserias.
Mas... não tem
jeito. Ao ver seu companheiro de volta, finge que não está nem aí, mas saboreia
com gosto suas palavras , ficando
encantada com seus relatos da viagem.
E, cá entre nós ,não é verdade muito bom, quando o nossos olhos e coração se aquietam ao conferir que ele está
de volta?
Por exemplo,
vamos olhar de perto o mais famoso viajante de nossa literatura, Ulisses, que
seguiu o conselho de seus amigos. Pegou um barco bem sólido e que portanto
teria capacidade para um percurso que
quase não tinha fim e lá se foi. Rodou mundo. Muitas aventuras mesmo. Sua
esposa, Penélope, a nossa Amélia mais famosa, daquelas que tudo agüentam sem
reclamar, ficou em casa tomando conta do patrimônio da família, e
principalmente mantendo-se fiel. Bordando muito, Tinha a santa paciência de
bordar de dia e desmanchar de noite...
Ulisses,
navegando em mares revoltos, mesmo enjoando até quase virar do avesso,
encontrava um jeito de desvalorizar a simplicidade amorosa da sua mulher que sempre ficava em casa. Que
perda de tempo!
Mas animava-se
com a perspectiva do ponto alto da viagem, que era, passar na ilha das sereias. Ouviu dizer que ELAS, com sua sedução,
conseguiam FAZER com que todos aqueles homens, de tanto entusiasmo, se
perdessem .Para sempre.
Mas
Ulisses, chegado o momento ficou
tão assustado, que se amarrou ao mastro
do navio para não sucumbir à chamada delas, com seu canto envolvente e mágico. Ele
tanto se preparou para a sedução que se espantou quando começaram a
cantar. Descobriu que o canto que ele
ouvira dizer ser envolvente e mágico, era na verdade, aprisionante e trágico!
Se referia à sua história, com uma longa lista de maldades e descuidos desde
pequeno, quando abandonou a mãe e o pai: Elas cantaram outros trechos contando
partes da vida dele, e de quantas pessoas ele teria desprezado , nem notado a
presença.
Frágil depois
de tanto enjôo, comovido com as historias de abandono, finalmente, resolve
voltar para casa.
Ao aportar,
ficou ansioso para ver Penélope, o filho e o cachorro. No lugar onde outrora
residira havia agora uma casa suntuosa. Segundo os vizinhos, lá habitava uma
mulher linda e bem sucedida, com o negócio de bordados. No inicio, contavam
eles, ela tinha uma estranha doença.
Tudo o que ela fazia, desmanchava. Estava muito triste com a ausência do marido
que havia saído numa viagem sem data para voltar.!
Até que uma
velhinha daquelas bem vividas e espertas
ensinou a Penélope que não se
deve nem jogar fora, nem desmanchar
nada produzido pelas próprias mãos, um trabalho lindo, precioso.. E assim convenceu-a do valor do seu
trabalho. E ela passou a se sentir cada
vez mais orgulhosa de seus dons de criar beleza .
E foi assim que
passou a se valorizar, através do
bordado, a cada vez cuidar de aumentar a beleza das pessoas também ,
conversando e cuidando da alma daquelas que se aproximavam dela. Ela se tornou
uma mestra em trocar solidões doloridas por rendas maravilhosas.que encantavam
a todos
É MAIS VOLTAS QUE O MUNDO
DÃO...
E agora? O que
vai ser? Do nosso casal tão desarticulado?
Ele , para ser
reconhecido em sua terra, teve de rever as suas atitudes anteriores. Afinal, as
longas viagens lhe ensinaram muita coisa.
No inicio de
sua volta, estranhou bastante. Não foi por falta de tentar se aproximar
novamente de sua casa.....Pois não é
que nem o cachorro o reconheceu? Daí ele se lembrou do medo que tinha de se
sentir confinado junto à mulher, mesmo sendo amorosa, competente e criativa. E nesse temor, deixou
de se unir aos esforços dela, e transformar
esta união numa experiência de crescimento para os dois.
Agora tudo estava mudado. E finalmente se
arrependeu de ter dado ouvidos aos amigos e principalmente a si mesmo e assim
ter ficado despojado de tudo o que lhe era precioso na vida...
MUNDO VAI GIRANDO, QUAL É O SENTIDO QUE
ENCONTRAMOS NISSO?
Vamos falar
agora da mulher e de seus sonhos há muito tempo acalentados. Enquanto não
encontrar um parceiro estável, ela não terá sossego. O que mais a apazigua é
pensar num companheiro que ouça suas coisas com muita atenção, que tenha
disponivel o colo para ela, poder se enrodilhar no seu homem. Ela quer ser
vista, amada. Quer que os seus talentos sejam validados, O que a mulher mais
teme é ser abandonada e ficar só.
Como é que
poderemos combinar estes seres tão diversos? Só por milagre.
Voltando ao
paradoxo, a respeito da relação homem-mulher, já falamos do sonho masculino de
sair pelo mundo afora e voltar ótimo para casa se se sair bem no mundo externo.
Enquanto espera, ela borda e.tece. O sonho da mulher já sabemos, é ser acolhida no seu homem, sentindo-se
segura e amada. O seu maior desejo é se sentir a criatura mais importante na
face da terra para ele. Só para ele. Não é demais, é?
Como vocês podem avaliar e às vezes sentido em
sua própria pele, são desejos opostos e que se tornam realidade apenas em
situações especialíssimas. Será possível esta relação? Gostaria tanto de achar
a chave do segredo...
UM PEDACINHO DE
COMPREENSÃO...É VOLTAS QUE O MUNDO DÃO
Depois de dar muitas voltas, só posso ousar um conselho a todos, homens e mulheres
Quando chegarem naquele ponto em que fatalmente caímos, em que por desespero de
causa se convidarem a se sentar para
discutir a relação, recusem-se
terminantemente. Em vez disso,
experimentem convidar seu par para dar uma boa caminhada , quilométrica,
daquelas bem exaustivas. Notem que nesta caminhada, ambos tem de olhar
para a frente, em vez de ficar presos
no olhar um do outro, Nesta prisão do
olhar do outro ficam enclausurados nos seus próprios pensamentos, nas próprias
lembranças,nas palavras que irão responder para se defender...( Este é o
segredo, sair do olhar. O olhar só pode chegar quando estiver límpido e inocente.)
. E quando não tiverem mais fôlego, cessem
esse diálogo pesado que estão fazendo, interna ou externamente.
Depois, assim à toa, resgatem um
joguinho bem simples, daqueles que
nos fazia ficar bem quietinhos , brincando em silêncio quando
éramos crianças. E jogar muito seriamente. Permitindo o resgate daquela
tranqüilidade que conheciamos naquela
época.
A segunda parte do conselho:
Encerrem a
parte do jogo tomando uma inocente xícara de chá.! Deste modo, as águas farão o devido movimento no organismo, a
natureza seguirá seu curso, e , na volta, ninguém se lembrará qual era mesmo o assunto?
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JEAN CLARK JULIANO
DEZEMBRO,2004
ANTE-VÉSPERA DE NATAL