O
medo da intimidade, o medo do encontro
Marcos Bueno
"Creio
que a melhor dádiva que concebo receber de alguém é:
Ser vista, ser ouvida, ser compreendida, ser reconhecida.
A maior dádiva que posso oferecer é:
Ver, ouvir, compreender e reconhecer outro ser humano.
Quando isso acontece, sinto que houve contato entre nós".
(Virgínia Satir - Estabelecendo Contato)
Resumo: A proposta do artigo é a de nos levar a uma reflexão critica a
cerca do medo do encontro autêntico, despir-se de modelos autoritários,
castradores e cuja única verdade ao longo de séculos tem sido a do sujeito que
usa e abusa do direito de ensinar e de acolher no espaço familiar ou do seio
social.
Palavras-chave: o medo, a intimidade, o encontro, educação integral.
Artigo:
O genial psicólogo e educador Emílio Mira y Lopes falava em suas conferências
que o maior inimigo do homem é o medo.O medo nos faz distanciarmos de nós
mesmos.Intimidade significa encontro consigo e com o outro. O ser humano no
dizer de Martin Buber o grande filosofo da fenomenologia, explicou de forma
mágica a relação humana a luz do fenômeno, do encontro autêntico, afirmava que
as pessoas vivem em relação, em contato, em encontro.
Para o terapeuta Osvaldo Shimoda intimidade é essa liberdade de ser o que se é,
sem "máscaras", sem "disfarce", sem manipular as pessoas ou
ser manipulada por meio de jogos de sedução ou poder. É a expressão livre e
prazenteira do que eu penso e sinto, sem reservas ou ressalvas.
Virginia
Satir uma das grandes psicoterapeutas de família e que contribuiu com a criação
da Programação Neurolinguistica na década de 70 cuja proposta era conhecer os
mistérios da comunicação humana, cita as questões essenciais que todo ser
humano necessita para viver e deseja para ter dignidade existencial: ser
percebida, compreendida e reconhecida. Uma boa parte das pessoas mal percebe a
si próprias, muito menos o outro, da mesma forma também não nos preocupa em nos
compreender as nossas necessidades e desejos.Quando compreendemos as razões, as
emoções tornam-se inteligentes e é possível conversarmos com nosso coração, com
nossas paixões indomáveis. Reconhecimento, esta é infelizmente uma das misérias
humanas, pois fazemos uma economia brutal em reconhecermos até mesmo as
pequenas virtudes, uma pequena ação, um pequeno gesto amigo de uma pessoa
próxima ou mais difícil ainda às pessoas aparentemente estranhas a nós.
Por que somos assim, tão econômicos com a percepção, a compreensão, o
reconhecimento o amor. Tudo leva a crer segundo os estudiosos que são frutos de
uma cultura e educação antiga, cristalizada que se mantém, que se acomoda, que
se transfere de geração para geração.Por que iremos mudar aquilo que recebemos
de graça sem esforço, mesmos que seja para nos escravizar?
Izabel Telles em seu livro feche os olhos e veja cita "Aprendi que a gente
nasce livre, original, criativo, amoroso. Mas não independente. E, devido à
nossa dependência dos adultos, somos manipulados e moldados por eles de acordo
com o sistema de crenças e de padrões que eles também receberam dos seus pais,
da religião, da mídia, do mundo enfim. E ai de quem tenta escapar desse
sistema. Perde o carinho dos pais, o respeito dos amigos, quando não ganha um
castigo. Desde criança aprendemos que a liberdade tem um preço e que ser
diferente dos outros pode nos custar o isolamento. Felizmente, chega o dia em
que o ser humano sente saudades do seu eu verdadeiro. O encontro solitário
consegue mesmo, o seu próprio deserto. Ninguém sai de um padrão pelo discurso.
É preciso mexer com a emoção, tocar os limites do corpo, limpar de cada célula
a memória daquele comportamento".
A intimidade pode ocorrer numa amizade profunda entre pais e filhos, marido e
mulher, irmãos, companheiros de trabalho ou até em encontros ocasionais onde há
reciprocidade de abertura e honestidade entre as pessoas. John Powell cita que
quando me desnudo para você, não me faça sentir vergonha.Isso é intimidade
autêntica.Embora a experiência da intimidade seja a forma mais rica de
relacionamento entre as pessoas, é, por outro lado, a mais temida forma de
relacionamento.
Homens e mulheres na sua maioria não sabem como ser íntimos, não têm amizades
intimas. Vejo mulheres que na frente de suas amigas, agem de uma forma e na
frente dos maridos são outras. Não se permitem serem verdadeiras.O encontro
intimo, é um encontro com o autêntico, é o que somos, não o que desejamos.
Lembro-me de um grande amigo que quando eu ia a sua casa, eu ficava surpreso com
a qualidade afetiva do relacionamento de sua família, a amorosidade entre eles
e com os amigos, os convidados que por lá apareciam, era realmente uma cena
bonita de se ver, perceber e sentir. O carinho dos pais com os filhos e estes
retribuíam da mesma forma. Eu já me perguntava naquela ocasião, então estudante
de psicologia, por que todo mundo não era daquele jeito de ser, inclusive a
minha própria família e por que os cursos de psicologia,pedagogia e medicina
não ensinavam a se relacionar daquela forma tão humana.
Por que muitas pessoas agem de uma forma com os seus familiares e com outros
atuam bem diferentes. É comum nas relações amorosas e familiares a pessoa
conversar assuntos triviais do cotidiano e não expressarem sentimentos de
calor, ternura e proximidade ou mesmo discutirem seus conflitos, anseios e
preocupações pessoais. Eu costumo perguntar aos meus clientes e alunos:
"Você conhece verdadeiramente o seu filho (a), a sua esposa, o seu marido,
os seus pais, os seus irmãos? E eles, o conhecem verdadeiramente?" Você se
permite ser conhecido autenticamente?
A maioria pensa, mas não diz, alguns poucos arriscam que vivem na rotina e que
se sente "presa", "amarrada" "acostumada" nesses
relacionamentos e conversa só o essencial.Será que isso é uma exceção ou é
quase um padrão universal?
Muitos vivem num verdadeiro "torpor" mental, emocional e espiritual e
não percebem que estão "anestesiados" e condicionados emocionalmente
como acontece toda noite na frente da telinha das telenovelas que vão aos condicionando
em doses homeopáticas todas as noites e o pior é que não percebemos o que estão
fazendo com a gente.
As pessoas atualmente são incapazes de sentarem à beira de um rio e sentirem o
vento no rosto. Diante de um pôr de sol não se permitem se extasiar. Não
percebem "as mensagens" do seu próprio corpo, não sabem quando estão
tensos, relaxados, abertos ou fechados. Corpo e alma estão dissociados e
fragmentados. Seus corpos agem de uma forma enquanto suas palavras dizem o
contrário. Dizem, por exemplo, palavras cheias de raiva com um sorriso nos
lábios. Fazem amor com alguém pensando nas contas a pagar, no carro que querem
trocar, na roupa que querem comprar, etc.
Como resultado da qualidade de vida: levam uma vida limitada, sem paixão e nem
compaixão, despida de encanto, espontaneidade e alegria, sem sentido
existencial como dizia o terapeuta da esperança Viktor Frankl.
O Dr. Eric Berne, psiquiatra canadense, criador da Análise Transacional que foi
recusado pelos psicanalistas de sua época, dizia: "O homem nasce livre,
mas a primeira coisa que aprende é agir conforme o que ensinam e passa o resto
da vida fazendo isso". Significa ter a coragem de mudar o padrão, buscar
algo melhor para si. Quando fazemos algo de bom para nós, normalmente fazemos
para o mundo. Quando nós mudamos o mundo muda.A referência do mundo externo
está dentro de nosso mundo interno.
Daí a primeira escravização ser feita pelos pais. O psicoterapeuta Ângelo
Gaiarsa adoraria esse tema, pois tanta Gaiarsa quanto Ronald Laing abordaram
muito a influência familiar na saúde dos indivíduos. Os pais muitas vezes de
forma inconsciente nos obrigam a seguir as suas instruções para sempre,
conservando somente em alguns casos o direito de escolher seus próprios métodos
e consola-se com uma ilusão de autonomia.Os pais dão o melhor que eles tem,
cabe a cada um transformar o que recebeu em algo melhor. É uma posição muito
cômoda e mesquinha só criticar os pais, a família. O que fizemos para nos
tornarmos livres, mudar para melhor, esta é a questão essencial.
Libertar-se, portanto, do condicionamento familiar, educacional, religioso,
moral, cultural e político e se tornar um livre pensador - assumindo e
aceitando a responsabilidade de suas próprias escolhas, livrando-se da
compulsão de viver de forma programada e rígida - seria o desejável. É
necessário perder o medo do encontro com a maturidade.
Maturidade humana é percebermos o que somos e mudarmos para melhor. Como diz o
teólogo Leonardo Boff,somos seres desejantes, insaciáveis e queremos muito e
tudo, por isso sofremos. Precisamos lapidar nossa alma.Mahatma Gandhi (1869 -
1948) líder pacifista indiano e principal personalidade da independência da
Índia foi chamado pelos hindus de Mahatma significa "grande alma" nos
deixou um grande legado sobre a compreensão do comportamento humano. Formou-se
em direito em Londres e, em 1891, voltou para a Índia a fim de praticar a
advocacia e iniciar a libertação de seu povo do jugo britânico. Churchill
talvez não percebendo a grandeza de Gandhi costumava chamá-lo de "faquir
despido". Einstein era um de seus maiores admiradores. Martin Luther King
inspirou-se nele. Mahatma Gandhi é um dos grandes homens do século XX que
preconizava três palavras: A Moral - A Verdade - A Vida.Gandhi citava "Uma
coisa lançou profundas raízes em mim: a convicção de que a moral é o fundamento
das coisas, e a verdade, a substância de qualquer moral. A verdade tornou-se
meu único objetivo. Ganhou importância a cada dia. E também a minha definição
dela se foi constantemente ampliando". A não-violência (Ahimsa) é o meio.
A Verdade (Satyagraha), o fim.
Afinal temos um prodigioso cérebro "Nosso cérebro é o melhor brinquedo já
criado: nele se encontram todos os segredos, inclusive o da felicidade"
Charles Chaplin.
Precisamos ter intimidade com a nossa vida e fazê-la um meio de chegarmos a
autorealização como defendia um dos maiores psicólogos do século XX que foi
Abraham Harold Maslow, quando no nos anos 60 disse que a psicologia estava
caminhando em direção errada. Praticamente desde o inicio, a maior parte do
questionamento psicológico explorou e tentou entender a natureza patológica
emocional, comportamental e psicológica dos seres humanos. Maslow disse que, em
vez disso, deveríamos estar estudando os melhores e mais saudáveis espécimes
humanos, para aprender o que de melhor desejamos saber sobre as pessoas, cita
William O'Hanlon em seu livro Em busca de soluções.
Finalizando com um mestre da intimidade humana Drummond "A cada dia que
vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos,
nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que,
esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade".
A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.
Bibliografia
consultada
O'HANLON,
William. Em busca de soluções.São Paulo, Psy II, 2000,
GAIARSA, José Ângelo. Amores perfeitos. Ed. Gente.São Paulo, 1994.
TELLES, Izabel. Feche os olhos e veja.Ed. Agora, 2003.
ROGERS, Carl R. Sobre o poder pessoal.Livraria Martins Fontes editora, São Paulo,
1978.
FREIRE, Paulo.Educação como prática da liberdade. Ed.Paz e terra, São
Paulo,1978.
Autor: Marcos Bueno
Currículo:Psicólogo de orientação gestáltica e
ericksoniana, fundador do NUP-GT de Uberlândia/MG, professor universitário,
Mestre em Gestão da Inovação Tecnológica e Ambiental pelo PPGEP/UFSC,
Especialista em Administração pela FGV e UFU/Université du Quebèc a Trois
Rivières e formação em Psicologia pela UnG, ex-gerente de RH e Qualidade, fazendo formação em psicoterapia e hipnose ericksoniana no Instituto
Milton Erickson de BH entidade filiada a The Milton H.
Erickson Foundation, Inc., de Phoenix, AZ, EUA, foi um dos membros fundadores Núcleo de Gestalt-Terapia de Uberlândia e
do Instituto Milton Erickson de Uberlândia e membro da Academia Catalana
de Letras.
E-mail: mlbueno@brturbo.com ; mbueno@cesuc.br
Referência da Publicação: www.psicopedagogia.com.br
– www.psicologia.com.pt e Revista Psicologia Brasil,junho/2004.
Publicado em
05/04/2004 . www.psicopedagogia.com.br- www.psicologiabrasil.com.br - www.pedagogobrasil.com.br