RE-VIVENDO
A HISTÓRIA DO ITGT
Celana Cardoso Andrade
Hoje vou
contar histórias...
Fiquei
refletindo a respeito de como cheguei a este tema e o seu significado na minha
própria história. Quando a equipe estava começando a organizar este evento, e de
uma forma muito especial, pois seria realizado o X Encontro da Abordagem Gestáltica[1],
comentei: – “Quero falar sobre a história dos encontros goianos”. A idéia foi
aceita imediatamente e saí do Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia
de Goiânia (ITGT) muito animada. Depois de alguns dias, surgiu o receio, pois
me questionava se isto deveria ser feito por mim. Teria este direito? Tanto a
dúvida quanto a vontade persistiram.
Comecei a olhar as fotografias, os folders, as revistas
de cada encontro e fui me deparando com cenas antigas e, ao mesmo tempo, muito
presentes e significativas. Em um determinado momento, percebi que não teria
sentido falar dos encontros sem falar do ITGT, que não teria sentido falar do
ITGT sem falar de Marisete Malaguth Mendonça[2]
e de Virgínia Elizabeth Suassuna Martins Costa[3]
e mais, sem falar de fatos e pessoas que influenciaram o percurso do ITGT como
sementes muito férteis. Novamente apareceu a mesma questão: será que essa
história poderia ser contada por mim? E, para complicar mais, como ser fiel aos
fatos e ser justa com as pessoas que deles participaram? Isto deixou-me
paralisada por muito tempo, até o momento em que me dei a permissão de falar um
pouco da trajetória do ITGT e, claro, por um viés próprio.
A história
dos dez Encontros Goianos da Abordagem
Gestáltica começou há muitos anos, e é marcada pela união de duas pessoas,
cuja parceria e convivência deram muito certo. Considero o encontro das duas
uma coincidência, se isto existe,
muito feliz. Virgínia emocionada fala de como conheceu Marisete:
Eu conheci
Marisete em 1978. Chegando em Goiânia fui contratada pela Universidade Católica
de Goiás. Por incrível que pareça, eu a vi pela primeira vez numa reunião de
departamento (...). Deparei-me com a diferença e também com minha curiosidade.
Percebi-me muito excitada em aproximar dessa pessoa. Na época, tinha 22 anos e
fiquei com aquela pessoa dentro de mim (...). Foi quando recebi um convite para
abrir uma clínica, disse que gostaria, mas que não abriria mão da Marisete.
Pela diferença que percebia nela. (Entrevista em 16 abr. 2004 [Andrade, 2004])
Marisete
completa esse relato, dizendo:
Por mais
estranho que possa parecer, apesar da Virgínia ser uma pessoa que se destaca
muito, que aparece muito, eu não me lembro dela, ela não existia no meu espaço
vital. Ela é quem me descobriu, ela que me viu (...). Um dia, saindo da
universidade, chegou uma moça e disse: – “Oi! Você se lembra de mim? Eu sou a
Virgínia, professora da Universidade! Vim da USP de Ribeirão Preto!” E me
convidou para entrar na clínica (...). que fazia questão que eu entrasse.
(Entrevista em 16 abr. 2004 [Andrade, 2004])
No ano de 1980, as professoras Virgínia e Marisete aceitaram um
convite para participar de um curso de Gestalt-terapia
com alguns profissionais de Brasília, os quais honram o ITGT com a sua
participação nesse evento – Walter Ribeiro, que veio brindar o fruto que ele
ajudou plantar, quando apresentou a Gestalt
para aquelas duas jovens sedentas de conhecimento, e Jorge Ponciano, velho
companheiro, conhecido de muitos estudantes e profissionais de Goiânia, sempre
disponível em estar presente nos eventos organizados pelo ITGT e passar um
pouco da sabedoria de vida que ele alcançou.
Após o término dessa formação, alguns questionamentos surgiram
e, dentre eles, como comunicar esse conhecimento para novas pessoas. Elas
estariam prontas para transmitir o que aprenderam e vivenciaram? Nessa época –
1986 – nascia no Rio de Janeiro o I Encontro Nacional de Gestalt-terapia.
Como sempre, com muito entusiasmo e coragem, a professora Virgínia compareceu a
esse evento, a fim de avaliar se ela e sua companheira Marisete estavam
realmente prontas para iniciar um processo de formação em Gestalt-terapia em Goiânia. Dessa etapa, Marisete relembra:
Eu passei a noite sem dormir pensando em o que íamos fazer
(...). Nós não vamos poder dar formação ainda! Eu não me sentia competente para
dar formação. Eram três horas da manhã e veio a idéia: – “Vamos fazer um grupo
de estudos!” (...). Falei com Virgínia, que adora qualquer idéia e, melhor, gosta de colocá-las em prática,
imediatamente falou: – “O que vamos fazer para começar o grupo de estudos?”
Tinha um encontro no Rio de Janeiro e eu disse: – “Virgínia; você vai ao
encontro do Rio de Janeiro e vai ver como é que nós estamos em termos teóricos,
se o pessoal está muito melhor que nós (...). Sempre disposta a tomar alguma
atitude e partir para ação, ela arrumou as malas e foi. E eu, como sempre
fiquei aqui bem quieta. Virgínia chegou entusiasmada, sentindo-se confirmada.
Tudo que ela tinha visto no Rio de Janeiro, nós tínhamos perfeita condição de
estudar com nossos alunos num grupo de estudo. (Entrevista em 16 abr. 2004 [Andrade, 2004])
Um fato
curioso e talvez outra feliz coincidência foi o encontro de Virgínia com o
filósofo e psicólogo paulista, Ari Rehfeld,[4]
na cidade do Rio de Janeiro. Ele conta que,
para esse encontro, ainda pouco conhecido, enviou um trabalho, com o
tema Uma perspectiva
fenomenológico-existencial na formação de um Gestalt-terapeuta. O psicólogo afirma:
Parecia encomendado (...). antes da minha fala no encontro teve
uma atividade em que dividiu as pessoas em grupos menores e em seguida cada
relator desses grupos deveria apresentar as dificuldades em que a Gestalt-terapia encontrava naquele
momento. No debate, estas pessoas foram unânimes na necessidade da Gestalt-terapia em abordar, de forma
mais aprofundada, de uma concepção de homem. Esta foi exatamente minha fala: A concepção fenomenológica de homem.
(Comunicação pessoal, em 17 abr. 2004)
Sempre vendo
longe, Virgínia não teve dúvidas em convidar Ari para ir a Goiânia. Ele tinha a
fundamentação filosófica que todos estavam buscando. Desde a primeira vez,
ficou encantado com a cidade de Goiânia, com a beleza das pessoas e com a
hospitalidade de seu povo. Abriu-se um espaço para Goiânia em seu mundo
paulista. Outro fato que o marcou foi o interesse de todos em buscar, em
aprender, atitudes sempre preservadas no ITGT. Ari tornou-se, mais tarde, do
ponto de vista histórico, membro fundador do instituto.
Por
intermédio do Ari, conhecemos outras sementes, muitas delas também do solo de
São Paulo e mantivemos um contato mais estreito com profissionais que já eram e
são reconhecidos como grandes estudiosos e vontade em divulgar com seriedade os
fundamentos da Gestalt[5].
Dentre eles, podem-se citar alguns que, em Goiânia, ajudaram a plantar o fruto
que se comemora nesse encontro – Jean Clark Juliano, uma contadora de estórias;
Lílian Meyer Frazão, presente nesse encontro e que sempre se mostrou disponível
para nos ajudar; Selma Ciornai, tão competente em tudo o que se propõe a fazer;
Myrian Bove, conhecida pela sua simpatia e meiguice; e, mais particularmente, o
Ari, que ajudou significativamente o grupo goianiense em muitas ocasiões, até
mesmo na estruturação acadêmica do ITGT que estava por nascer. Virgínia
enfatiza:
Aí ficamos corajosas! Tínhamos o apoio da Jean... da Lílian...
da Selma Ciornai, da Myrian Bove... do Jorge Ponciano, dentre outros
profissionais que assumiram fazer
conosco esta nova jornada. Lembro-me quando o Ari disse que podia ajudar a
montar a grade curricular. O sonho foi se tornando realidade. A gente realmente
estava gestando o ITGT. (Entrevista em 16 abr. 2004 [Andrade, 2004])
O ITGT nasceu
em 17 de setembro de 1989, em Goiânia-GO. Foi uma criança esperada, bem
planejada, com padrinhos, tios e tias... todo mundo torcendo muito para que a
criança crescesse saudável.
Em abril de
1990, o ITGT inaugurou sua primeira sede na Alameda Botafogo, centro de
Goiânia. Começou, então, uma vida independente, em seu próprio espaço. Eram
três cômodos, num prédio muito simples. Lá o aluno podia ter aulas em local
apropriado, pois dispunha de carteiras e quadro-giz, uma secretária só para o
ITGT; e uma conquista ainda maior: uma sala de atendimento! Um espaço em que
nós, alunas, atendíamos, podíamos devolver socialmente o conhecimento teórico e
prático que era transmitido. Virgínia, emocionada, diz:
Essa sensação de nascimento ficou muito forte quando pela primeira
vez... eu me lembro como se fosse hoje... passando pela rua na primeira sede do
ITGT... era noite e eu vi a luz acessa, senti: Nossa! Nasceu! E já, ao mesmo
tempo, nascido relativamente independente da minha presença. (Entrevista em 16
abr. 2004 [Andrade, 2004])
Desde seu
nascimento e até hoje, o ITGT tem sido um centro de ensino e pesquisa em Gestalt-terapia. Suas orientações
básicas constituem a busca da excelência na teoria e na prática gestáltica e a devolução social desse
conhecimento. São duas frentes que têm muita força e que se desenvolvem
significativamente nesses 15 anos de vida oficial.
O atendimento
à comunidade atualmente conta com 54 terapeutas, todos alunos ou ex-alunos do
ITGT. São realizados mais de seiscentos atendimentos ao mês. Em 15 anos, mais
de quatro mil pessoas já se beneficiaram desse serviço.
É
interessante o depoimento de uma cliente, de 25 anos, que começou sua terapia
no ITGT no início de 1987 e nele continua até os dias atuais:
O ITGT
possibilitou o contato com uma terapeuta competente e em constante atualização
profissional devido às atividades regulares propostas pela instituição. No
entanto, creio que o mais importante foi a garantia da continuidade do
processo. Devido ao preço acessível na medida do meu progresso financeiro,
posso contar com os benefícios da terapia em acompanhamento a longo prazo, não
apenas cuidando do problema específico que me levou a iniciar a terapia, mas
compreendendo-o no meu contexto, através do autoconhecimento, trabalhando
várias questões e preparando-me para outras que ainda vão surgir. Os ganhos são
conquistados, incorporados, refletindo por toda a vida. (Comunicação pessoal,
em 18 abr. 2004)
Com isto, o
processo terapêutico passa a ser uma possibilidade na vida da população de
baixa renda. Esta experiência tem sido excelente. Fazer que a Psicologia rompa
as fronteiras econômicas e ajude a população carente a enfrentar suas
dificuldades mais fortificadas é uma realização, um sonho que se concretizou.
Uma outra
frente do ITGT objetiva favorecer a formação de profissionais no domínio da
abordagem gestáltica, por meio de um
ensino intensivo de fundamentação filosófica, teórica e prática em Gestalt-terapia. A equipe atual do
instituto conta sua história por si mesma. No início, como mencionado, vários
profissionais de São Paulo dirigiam-se a Goiânia para ministrarem cursos e
coordenarem workshops. Atualmente a
equipe de professores é formada por nós, ex-alunas do ITGT, além de Virgínia e
de Marisete, as pioneiras. Pensando em uma árvore genealógica, elas (as
primeiras professoras) já são avós, pois nós, suas primeiras filhas (por elas
formadas) já lhes demos netas (pois, no quadro atual de professoras, há algumas
que foram nossas alunas).
No curso,
aprendemos a teoria, a prática, mas sobretudo a nos relacionar de forma
respeitosa e amorosa, a torcer pelo desenvolvimento nosso e de nossas colegas e
pelo aprimoramento das atividades do ITGT. Marta Carmo, ex-aluna e atualmente
professora do ITGT, assegura:
O ITGT, antes
de ser um a estrutura física ou uma instituição de ensino, é para mim um lugar
constituído de pessoas, no qual eu me formei como terapeuta, mas, antes de
tudo, foi onde me tornei capaz de integrar minhas crenças pessoais com o fazer
terapêutico. Eu o guardo em um lugar muito especial na minha vida. (Comunicação
pessoal, em 18 abr. 2004).
O ITGT, até o
ano de 2001 formou 11 turmas. Muitas filhas continuam no ITGT de alguma forma:
como professoras, coordenadoras, monitoras, terapeutas credenciadas ou mesmo como
amigas. Mas os grupos não pararam por aí. Em 2002, o Curso de Especialização em
Gestalt-terapia conseguiu a chancela
da Universidade Católica de Goiás (UCG), que o reconheceu como curso de
pós-graduação lato sensu. UCG e ITGT firmaram, então, convênio para a
realização de cursos de especialização[6].
Nesse encontro, será realizada a solenidade de formatura da primeira turma de
pós-graduação em Gestalt-terapia.
Marisete orgulha-se desse feito:
O reconhecimento oficial da Gestalt-terapia
através do ITGT, para nós, foi uma conquista de valor inestimável, porque nosso
aluno vai apresentar o diploma de especialização em Gestalt-terapia assinado pela reitoria da Universidade Católica de
Goiás (UCG) e pelo ITGT. O MEC vai reconhecer o nosso aluno como especialista
em Gestalt-terapia. (Entrevista em 16
abr. 2004 [Andrade, 2004])
O depoimento
da aluna, Josiane Maria Tiago de Almeida, da primeira turma do curso de
especialização UCG/ITGT, evidencia a importância do ITGT para a sua formação
profissional.
Quando me interessei
pela Gestalt-terapia, descobri o ITGT. Ele funcionava numa pequena casa
no centro de Goiânia[7].
Pensando nisso hoje, percebo que tudo cresceu: a casa, o número de cursos, o
contingente de alunos, as pretensões. A síntese disso somos nós: a primeira
instituição de Gestalt no país a ser chancelada por uma universidade.
Então é uma história que ainda está longe de acabar. Sinto a responsabilidade
dessa herança que só tem sentido se for continuada: a cada estudo, a cada
atendimento bem realizado. Sinto desejo de caminhar e fazer desse caminho já
trilhado, também o meu, enquanto gestalt-terapeuta. E parece que essa
casa, também, já está ficando pequena. (Comunicação pessoal, em 21 abr. 2004).
Seis anos
após o nascimento do ITGT, já andávamos com certa segurança, estávamos
começando a produzir algo pessoal, éramos crianças estudiosas, bem aplicadas e
queríamos mostrar um pouco do que fazíamos. Como sempre, com muito entusiasmo,
e com muitas mãos, começamos a organizar o I
Encontro Goiano de Gestalt-terapia, realizado em 1995. Tudo era muito novo
e grande. A vontade de realizar o evento impulsionava-nos a passar horas
pensando e organizando cada detalhe. Virgínia comenta:
O encontro veio do desejo muito grande de levarmos nossa
produção para além de nossos muros, da nossa instituição, em um evento que
pudesse envolver outros alunos... Surgiu do desejo de mostrar o filho para mais
pessoas (...). Eu me lembro do folder
e o tema era Nada do que foi será, do
jeito que já foi um dia (...). Na
simplicidade, ele continha a semente do que a gente faz até hoje. (Entrevista
em 16 abr. 2004 [Andrade, 2004])
Desde o
primeiro evento, o ITGT tem contado com o apoio de profissionais de todo o
Brasil – 96 pessoas provenientes de São Paulo, Distrito Federal, Rio de Janeiro,
Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia, Ceará, Pernambuco, Santa Catarina, Rio
Grande do Sul e Goiás apresentaram trabalhos nos encontros estaduais. Somos
eternamente agradecidos a eles que saem de suas casas dispostos a contribuírem
para o sucesso das atividades e para o desenvolvimento da Gestalt em Goiás e no Brasil, com entusiasmo e sabedoria.
Alguns
profissionais de outros países também deslocam-se para o Centro-Oeste do Brasil
a fim de participar dos encontros organizados pelo ITGT. Já estiveram presentes:
Serge e Anne Ginger, Michael Vicent Miller, Gilles Delisle, Marcela Miguens,
Lynne Jacobs, Richard Hycner e o convidado do X Encontro, é Joel Latner.
Deixam a cidade encantados com a qualidade dos trabalhos apresentados,
admirados com a juventude dos gestaltistas brasileiros e cientes de que no meio
do Brasil também se faz Gestalt-terapia[8].
Ao referir-me
aos palestrantes, percebo que de nada adiantaria a sua presença sem a platéia.
E esta é fiel aos encontros do ITGT. É uma platéia jovem, com muitos profissionais
e estudantes que já anotaram os encontros goianos em suas agendas. Mais de
2.500 pessoas participaram dos eventos e me arrisco a dizer que são
provenientes de todos os estados brasileiros.
É
interessante perceber que, por mais que sejam eventos já consolidados, mais
fáceis de serem organizados, pois as pessoas procuram o ITGT para apresentarem
seus trabalhos e fazerem suas inscrições, o entusiasmo parece o da primeira
vez, e o carinho com que são organizados é indescritível. Fazemos de tudo para
dar certo, desde a escolha de pessoas que apresentam trabalhos, a qualidade do
serviço de lanches, a opção pelo melhor local, a recepção de alunos de outras
localidades que se hospedam nas dependências do ITGT, as apresentações
artísticas que revelam um pouco do estado de Goiás etc. O sucesso dos encontros
realizados anualmente no estado e há muitos anos possibilitou à cidade sediar o
VII Encontro Nacional de Gestalt-terapia,
em 1999. Foi muito importante para o ITGT a realização de um encontro nacional no
Centro-Oeste do Brasil. Um ano depois, o instituto participou da organização do
VII Congresso Internacional de Gestalt,
na cidade do Rio de Janeiro.
No I Encontro, nasceu a revista que
publica, desde então, os trabalhos apresentados nos encontros, na íntegra, pois
queremos que cada fala do encontro se eternize de uma forma concreta.
Isto tem sido muito importante para a comunidade gestáltica, em razão da qualidade, da diversidade dos artigos e da
periodicidade.
Existe um
ditado popular que diz: “pelos frutos a
gente conhece a árvore”. Todos os frutos do ITGT provêm de alguma forma,
da união de duas corajosas mulheres muito diferentes e que se completam de
maneira muito interessante. Já estão juntas há tanto tempo e com tamanha
harmonia que fica difícil saber quem fez o quê. Os seus papéis entrelaçam-se,
alternam-se, diferenciam-se nos momentos certos. É incrível como não dão conta
de definir seus papéis no ITGT sem incluir a outra. Virgínia esclarece:
Meu papel é tentar dar conta de tudo!... dar palpite em tudo!...
chutar a bola para frente e ficar a espreita da Marisete para direcionar a
bola. Eu dou o chute... e, às vezes, fico esperando para que ela complete para
que possamos fazer juntas o gol. (Entrevista em 16 abr. 2004 [Andrade, 2004])
Marisete reflete
sobre sua função e a de sua parceira no ITGT, com uma metáfora:
Numa família tradicional, eu sou a mãe, Virgínia é o pai.
Virgínia é uma figura mais paterna, aquela que capta do exterior para o seio da
família, e eu fico mais na intimidade desse sistema, olhando os detalhes da
vida acadêmica, cuidando das pessoas (...). Sou aquela pessoa que cuida,
burila, conserta, olha se está certo ou errado, que cuida da alimentação
diária. De vez em quando, eu sou pai e Virgínia, mãe. A gente alterna os papéis
(...). Prefiro entender o sistema com uma metáfora (...). O ITGT é uma entidade
construída em duas frentes. Nessa frente, Virgínia é aquela que pega a foice na
mão e sai abrindo picadas e eu sou aquela que sai atrás asfaltando. A picada é
fundamental, agora, a estrada não-asfaltada se enche de vales e é coberta de
novo pelo mato. É uma frente de quatro mãos que não poderia ser construída
apenas com duas. (Entrevista em 16 abr. 2004 [Andrade, 2004])
Olhando
retrospectivamente para frente... Ao olhar para trás, deparo-me com a sensação
de que já andamos muito, muitas picadas foram abertas e várias delas
asfaltadas, e que atualmente já existe um número maior de guias abrindo novos
caminhos e outros ajudando no asfaltamento. Nascemos pequenos, humildes, vencemos
obstáculos, amadurecemos, estamos sempre aprendendo. Isto dá-nos a segurança de
olhar para trás, ver o que já está construído e arriscar, com maior segurança,
alcançar novos horizontes sem esquecer dos já conquistados.
Percebo que
quis contar essa história por me perceber uma das filhas mais velhas e que
continua em casa cuidando dos pais. Aquela filha que sempre está junto,
até mesmo no meio das brigas, e que, às vezes, fica assustada e pensa que
aquela situação está complicada demais, mas logo percebe que está tudo bem de
novo. Uma filha que ajuda a cuidar das irmãs mais novas, que sente e causa
algum ciúme. Que tem um pai e uma mãe, às vezes duas mães, às vezes dois pais,
às vezes duas irmãs ou até mesmo duas filhas.
Respondendo à
pergunta inicial, sinto-me no direito de contar essa história, mas, com
certeza, ficaram faltando fatos e pessoas importantes que não foram
mencionadas, ou o foram de forma muito singela em relação à sua contribuição.
Alguns fatos e pessoas ausentes já se fazem presentes nesse momento, o que me
faz ter a vontade de continuar falando. Gostaria de continuar escrevendo-o com
a ajuda de quem puder me contar um pedacinho de sua própria história em relação
ao ITGT[9].
Há lacunas e omissões que podem ser eliminados se outros interessados também
contarem a sua versão da história. O espaço re-nasceu, está aberto e com muita
vontade de ser completado. É só começar...
Referências
bibliográficas
Andrade, C.
C. (Entrevistadora). (2004). A história do ITGT. (Gravado em vídeo
cassete, sistema VHS, n.º 1). Goiânia, (GO): Instituto de Treinamento e
Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia (ITGT).
Mendonça, M.
M. (2004). Mensagem do X Encontro. In: X Encontro Goiano da Abordagem
Gestáltica – O aqui e o agora gestáltico. “Olhando retrospectivamente para
a frente” [folder]. Goiânia (GO): Instituto de
Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia (ITGT).
[1] O Encontro Goiano da Abordagem Gestáltica vem sendo realizado anualmente desde 1995.
[2] Fundadora e diretora acadêmica do ITGT.
[3] Fundadora e diretora administrativa do ITGT.
[4] Precursor da Abordagem Fenomenológica – Existencial na Gestalt-terapia brasileira.
[5] Flagrei-me escrevendo na primeira pessoa do plural e, nesse momento, realmente comecei, timidamente, a fazer parte da história. Comecei a estudar no ITGT, participando do II Grupo de Formação, em agosto de 1988, um ano antes do nascimento oficial do instituto.
[6] Desde 2002, na modalidade de especialização, três novas turmas ingressam no curso.
[7] Segunda sede do ITGT – bem maior que a primeira! – na Rua 09, também no Centro.
[8] Muitos dos contatos com profissionais estrangeiros foram realizados pela professora Virgínia Suassuna, em cursos que participou em vários países.
[9] Isto pode ser feito utilizando o meu e-mail , citado à primeira página.