POR QUE NO CARNAVAL AS PESSOAS SOLTAM AS FANTASIAS NAS
FANTASIAS?
Marcos Bueno
“Tenho em mim todos os sonhos do mundo” (FERNANDO PESSOA)
Resumo: A proposta do artigo é de permitir uma reflexão sobre a
necessidade humana de elaborar e liberar fantasias no carnaval como uma catarse
provocada pela própria sociedade normótica, isto é por uma sociedade que se
tornou doente de si mesma, de uma forma narcisica e castradora do crescimento
humano.
Palavras Chaves: Inconsciente coletivo – arquétipos – fantasias -
carnaval.
Artigo:
O carnaval é um grande palco global e transcultural onde
as pessoas se permitem liberar suas fantasias nas fantasias, desejos e necessidades
sem passarem pelo crivo da censura oficial, moral, social ou religiosa.
“Carnaval,
fantasias, máscaras, muita euforia
Com o
bloco da alegria, liberando emoções,
solto as
amarras da vida entrando nesta folia no meio da multidão
Quero pular,
suar, amar, cantar, cansar, liberdade total...
Esquecer dos
desenganos que entristeceram minha vida...
E, depois de
tanto sambar, me soltando em plena avenida
queimo na
quarta feira de cinzas as máculas do meu coração.”
NELI NETO
A fantasia é criar
roupagens aparentemente absurdas, mas que o desejo dá vida.
A fantasia é o arquiteto da psicologia profunda, onde dá
formas aparentemente absurdas ou incompreensíveis para satisfazer os desejos.O
mundo interno do homem é um mundo rico em fantasias e desejos.As antigas
tradições sapienciais sempre representaram o mundo interno do ser humano
através da dança, dos cultos sagrados, das pinturas, da escrita, das iniciações
espirituais, em fim das mais diversas manifestações culturais.As fantasias
estão no campo do simbólico.
Se Carl Gustav Jung estivesse vivo provavelmente ele se
deliciaria com o carnaval, apesar de ter sido educado numa família protestante
tradicional.Poderia ver a simbologia do inconsciente coletivo e os arquétipos
soltos, brincando, mascarados se soltando livres, leves e soltos.
No Brasil a psiquiatra Nise da Silveira, discípula de Jung
continuou com sua genialidade o trabalho simbólico de Jung com a criação do
museu do Inconsciente no Rio de Janeiro.
O século vinte teve muitos acontecimentos e descobertas
positivas, porém teve também o palco da loucura como diriam os antipsiquiatras
Ronald Laing, Franco Basaglia, Thomas Zaz, David Cooper entre outros.
É no Arquétipo conceito criado por Jung - palavra grega
que significa tipo ou modelo primordial - que os símbolos têm a sua fonte e
raiz.
Por estarem tão profundamente radicados no nível coletivo do inconsciente
humano, estes arquétipos pouco mudam com o passar dos tempos e com a evolução
das culturas. Contudo, não são estáticos e muito menos estagnados.
Estes arquétipos (fonte de todos os símbolos) são,
portanto, as "palavras" da linguagem simbólica. É comum a todos os
seres humanos, independentemente da suas raízes culturais, religiosas ou
étnicas.
O carnaval escancara no palco real da vida, as fantasias
das mais loucas e absurdas as mais saudáveis, criativas e necessárias. Através
das máscaras mais incríveis podemos retirar por três dias nossas máscaras
sociais coladas com superbond não só
no rosto, mas na alma.
Frustração e ansiedade geram
fantasia
Como estamos vivendo o
século da ansiedade, automaticamente estamos vivendo sob a égide da
fantasia.Para a psicoterapeuta Mônica Levi, vivemos em um mundo onde a fantasia
é incrementada e reforçada, muitas vezes, pelos nossos pais, pela televisão,
novelas, cinemas, propaganda etc. E a questão é até que ponto estas fantasias
podem ser favoráveis ou não às nossas vidas.
A fantasia é a arte do
imaginário, uma imaginação, um devaneio, um sonho acordado. Fantasia é um dos
mecanismos de defesa do ego e, portanto, aparece com freqüência nos estados de
frustração.Para reduzir a frustração ou crio uma imaginação ou crio um bloqueio
de evitação sobre algo que possa me deixar frustrado.Muitas pessoas aparentam
ser fria, mas na realidade estão evitando as emoções causadas por possíveis
frustrações.
O mecanismo de defesa é um processo mental
inconsciente que possibilita ao ego reduzir a ansiedade ou de estresse. São
mecanismos de defesa à racionalização, a projeção, conversão, fantasia,
generalização, repressão etc.
É normal ter
fantasias? É. Você pode fantasiar o que desejar, consciente que é uma criação
sua. Você pode entrar e sair dela quando quiser e não é obrigado a realizá-la.
A questão quanto à normalidade é uma questão de envolvimento: o quanto à
fantasia está preenchendo sua vida ao invés da realidade.A realidade está
focada na razão e a fantasia está na emoção.
A fantasia se torna um
problema quando ela é pode estar dependente de uma ilusão e a ilusão é o engano
dos sentidos ou da inteligência, é algo efêmero, inadequado, uma falha de
leitura, interpretação de um fato e a percepção inexata de um objeto ou de dado
contexto.
Os poetas vivem suas
fantasias para criar suas poesias, seus contos, suas prosas. Os pintores criam
suas obras de arte a partir de suas fantasias projetadas na tela.Os
compositores, cantores e músicos projetam na sonoridade, no ritmo, na melodia,
na harmonia as fantasias da musica que nos encantam.O arquiteto permite sua
mente criar nas linhas da geometria mental os traços de sua fantasia e projetam
no papel obras de arte como de Niemayer, Lucio Costa, Rui Otake e tantos outros
artistas da arquitetura.
“O homem é o seu livro de estudo,
Ele precisa apenas ir virando
As páginas deste livro e
Descobrir o Autor.”
JEAN-YVES LELOUP
Fantasias do carnaval inspiram
as estatísticas da economia.
Tempo de Carnaval é tempo de fantasias, inclusive estatísticas. Jornais
e revistas costumam fazer suas previsões e seus balanços sobre o evento,
publicando números cuja elaboração é fruto de projeções baseadas em dados
estimados, divulgados à imprensa por entidade que fazem parte do trade turístico.As projeções para o
carnaval de 2005 são na geração de mais de 770 empregos diretos e indiretos mil
e faturamento de mais de 1 bilhão de reais.A industria do carnaval é muito
significativa para o Brasil, para os empresários do setor e os que assistem e
para os fuliões que brincam o carnaval.
Nada mal um carnaval para
escaparmos um pouco da pressão do dia-a-dia. Somos uma sociedade muito rígida,
crítica e normótica: uma patologia da normalidade social.
Vivemos segundo as expectativas dos grupos sociais. Aprendemos a ser
conforme o os outros nos querem ver. Desde crianças nos ensinam: em casa, na
escola, na igreja, no trabalho, na política.Na Roma antiga, faziam-se festas
populares. Nessas festas, também os nobres participavam. Para não serem
reconhecidos, mascaravam-se. Nada diferente de hoje, continuam usando máscaras
moldadas nos discursos políticos, religiosos, educacionais, empresariais e
sociais.A pressão coletiva nos atinge fortemente, muitos ficam doentes do
corpo, da mente ou do espírito e a saída para muitos é “soltar a franga” do
ego. Nesse momento uma química-energia, age sobre o consciente deixando-o mais
“grogue”, frouxo,entorpecido, sem a censura do superego (a sociedade), segundo
Freud. Movimentos, atitudes, palavras, coreografias, refrões, que de sã
consciência, em outros momentos ou outros lugares, acharíamos
inconvenientes.Para os psicoterapeutas e sociólogos ocorre uma “catarse”, ou
seja: a liberação de emoções que faz nos sentirmos bem.
Liberamos nossas fantasias, exibicionismos, e procuramos externar as
emoções: medos, raivas e desejos.A psicologia explica em recalques: fatos e
situações reprimidas, que fazem muito mal a saúde. É necessário e saudável
livrar-nos desses problemas, traumas, angústias. O carnaval pode ser útil para
isso. É uma poderosa válvula de escape.
A classe média e a classe operária (que continuam escravas do trabalho),
e a classe pobre (que sobrevive de fantasias dos decretos governamentais),
precisam liberar suas tensões, precisam realizar seus sonhos através de suas
fantasias. Os ricos geralmente viajam, e em grandes festas, com tudo o que
sonham, vivem sob menor pressões e maiores loucuras.
O carnaval torna-se espelho da realidade social, reflete duplamente e de
forma alegórica a imagem invertida e contraditória da sociedade ao som dos
tambores para produzir um transe utópico.
Inverte-se o dia pela noite; pobre vira rainha; pobre descamisado veste
luxo, poder, glamour. Travestis, colombinas, topless, insinuações de sexo
explícito.A fantasia acaba transitando na sedução, no erótico.
Vivemos sob autoritarismo muitas das vezes sutilmente camuflado (de
governo, família, escola, patrão, igreja), uma sociedade de exclusão, excesso
de leis que não funcionam, regras ineficazes de serem cumpridas, desejos
inatingíveis, direitos não concedidos, doenças, contas a pagar, balas perdidas,
queremos momentos de alívio, de esquecimento, de descontração, chega de
discursos absurdamente demagógicos. Dessa forma através da liberação utópica
das fantasias suportamos mais um ano e desejamos um feliz ano novo a cada
ano.Com a perda dos sentidos, o carnaval se torna positivo. É uma possibilidade
de aliviar o estresse, a tensão, pessoal e social, no extravasar nossos
problemas. Não é por bondade que os governos e grandes organizações patrocinam
este neurótico“circo e pão” para o povo, como faziam os romanos a 2000 anos.
O Carnaval é comemorada de forma
diferente em vários países do mundo. O Carnaval constitui uma forma de
expressão cultural em constante modificação, que nos liga ao nosso passado, ao
presente e nos projeta para o futuro.
O carnaval é um estado da arte onde as tradições milenares
são projetadas pela criatividade, poder e imaginação, aliadas ao poder
econômico, a sedução e ao desejo do homem moderno que se transfigurou de homo
sapiens para homo-demens-demens.
Quanto à origem e significado da palavra Carnaval, tem
duas versões.A primeira atribui à palavra Carnaval uma origem profundamente
religiosa, com um significado quase oposto ao da diversão, brincadeiras e
malícia a que a associamos hoje em dia. "Carnaval" teria tido origem
no latim carnevale (carne+vale =
carne+adeus), e seria a designação da "Terça-Feira Gorda" o último
dia do calendário cristão em que é permitido comer carne, uma vez que, no dia
seguinte, inicia-se a Quaresma. Já a segunda versão é peremptória em afirmar
que a palavra Carnaval vem de Carrus
Navalis, por influência das festas em honra de Dionísio, onde um carro, com
um enorme tonel distribuía vinho ao povo na Roma antiga.Parece que hoje essa é
a versão mais próxima da nossa realidade brasileira.Com raras exceções onde
ainda se brinca o carnaval de forma saudável, ingênua e terapêutica.
As celebrações carnavalescas são até mais antigas do que a
própria religião cristã, tendo sido alvo de diferentes manifestações ao longo
da história. No fundo, todos os carnavais são reminiscências das festas
dionisíacas da Grécia Antiga, dos bacanais de Roma e dos bailes de máscaras do
Renascimento.
Carnaval começou no Brasil
trazido de Portugal em 1723. No século XIX havia Zés Pereiras com zabumbas e
tambores que percorriam as ruas da cidade, animando a festa.
Dos clubes que organizavam os festejos
nasceram às tradições que hoje apresentam o Carnaval brasileiro. Os corsos e os
desfiles datam de 1900, mais ou menos, e eram as principais atrações, que
permanece até hoje com incorporação da tecnologia, do negócio lucrativo e
ilegal.
Os cordões e blocos originaram
as Escolas de Samba, que conhecemos. A primeira foi fundada em 1928 e se
chamava Deixa Falar.
Tanto sucessos tinham os
desfiles, que se arranjaram locais especiais: a «Passarela do Samba» era um
deles. Hoje existe o «Sambódromo» onde as Escolas de Samba disputam
aguerridamente a vitória no Carnaval.
No Brasil é uma festa tão
importante que nesses dias mal se come e dorme. Dança-se, dança-se muito, quase
até cair.O Brasil se torna o palco do mundo.
É o momento em que os mais
pobres podem brilhar e a festa é tão especial que as escolas de samba começam a
preparar o Carnaval do ano seguinte logo na quarta-feira de Cinzas...
“É
carnaval...
Vou
mergulhar nessa ilusão
Soltar meu
bicho sideral
Fazer
amor na diagonal
Dançar na
chuva de verão
Vestir brilhante
fantasia
Quero brincar
no carnaval.”
JOSÉ ROBERTO
PINHEIRO
Muitos pesquisadores sociais afirmam que o carnaval do
Brasil é a maior festa mundial e organizada de forma invejável pelas Escolas de
Samba e entidades ligadas ao turismo do país com milhões de clientes, milhares
de colaboradores, fornecedores e uma organização com precisão invejável.
Independentemente da sensação que o Carnaval causa em cada um de nós, é
sempre curioso tentar compreender o fenômeno: o que é, o que simboliza e como é
comemorado um pouco por todo o mundo.
O período festivo de folia e rituais pagãos que precede o início do
tempo de jejum e de abstinência da Quaresma no calendário religioso
ocidental.
Do ponto de vista sagrado e antropológico, representa um período de
renovação, que traz consigo um estado temporário de "desordem", em
que a única autoridade é o rei ou a rainha do Carnaval.
Para o Jornalista Luís Nassif o Carnaval mais famoso do mundo é o do Rio
de Janeiro, que é celebrado há mais de 130 anos. Muitas pessoas interrogam-se:
porque é que um país tão economicamente desigual como o Brasil gasta tanto
dinheiro nas comemorações anuais do Carnaval? Gilberto Amado, escritor e
diplomata brasileiro esclareceu a importância desta época para o brasileiro: “O
Carnaval entre nós deixa de ser a festa pagã para ser muito mais do que tudo
isto: uma tradição venerável, uma festividade adorada, um hábito da sociedade
que tem a significação de um desafogo na existência árida do brasileiro, que
vive sem comodidade, sem dinheiro, sem orgulho, sem heroísmo, sem coisa
nenhuma”.
“Fantasia é poesia,
É ideologia,
É emoção,
É energia,
É o veiculo por onde transita o sonho.
Sem a fantasia o sonho nunca se tornaria
à realidade.”
MARCOS BUENO
Pode brincar o carnaval, aquele
que sabe transformar tudo em brincadeira saudável.Boa folia a todos e cuide com
carinho de suas fantasias!
Bibliografia consultada:
CÂMARA, F. P.
Vida e Obra de Nise da Silveira, Psiquiatria On-Line Brazil (7), setembro, 2002
(http://www.polbr.med.br/arquivo/wal0902.htm, acessada em
26.02.04).
FIERZ, H. K.
Psiquiatria Junguiana (Jungian Psychiatry), Ed. Paulus, São Paulo, 1997.
LEVI, Mônica.Membro Didata Clínico da UNAT-BR, São Paulo / SP.Artigo
publicado nos anais do Congresso Brasileiro de A.T, B.Horizonte/97 e em
disquete dos artigos selecionados da UNAT-BR.
ROBLES, Teresa. A magia de nossos
disfarces. Editorial Diamante. Belo Horizonte, 2001.
SILVEIRA, N.
Imagens do Inconsciente, Ed. Alhambra, Rio de Janeiro, 1981.
Autor: Marcos Bueno
Currículo:Psicólogo de orientação
gestáltica e ericksoniana, professor universitário.Mestre em Gestão da Inovação
Tecnológica e Ambiental pelo PPGEP/UFSC, Especialista em Administração pela FGV
e UFU/UQTR,Psicologia pela UnG,membro do Instituto Milton H.Erickson do
Triângulo Mineiro e da Academia Catalana de Letras - ACL.
E-mail: mblbueno@brturbo.com